A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, afirmou na última terça-feira (18) que seu governo está preparando medidas para “incentivar famílias a trazerem filhos ao mundo". Segundo a agência de notícias italiana ANSA, a declaração veio em resposta às estatísticas demográficas indicando que o número de nascimentos no país no ano passado foi o menor desde a unificação da Itália. Em média, houve sete nascimentos a cada mil habitantes, enquanto o número de mortes foi de 12 por mil cidadãos no mesmo período.
Para reverter essa situação, a recém-empossada Giorgia Meloni conta com o Ministério da Família, Natalidade e Igualdade de Oportunidades, liderado por Eugenia Roccella, conhecida por seu trabalho no Family Day, um grupo católico pró-vida.
Os baixos índices de natalidade da Itália chamaram a atenção até do CEO do Twitter, Elon Musk, que no início deste mês tuitou simplesmente: "A Itália está desaparecendo".
No entanto, o caso do país europeu está longe de ser raro. A China também informou que sua população caiu pela primeira vez em 60 anos. Em 2022, houve apenas 6,77 nascimentos por mil pessoas, uma redução de quase 10% em relação a 2021. Em janeiro, a BBC relatou uma entrevista dada por um alto funcionário de saúde em Pequim, Yang Wenzhuang, a uma revista local, na qual ele pedia às autoridades chinesas que encontrassem maneiras de aumentar os nascimentos no país, incluindo "fazer inovações ousadas" ao lidar com os custos de cuidado infantil e educação. Para reverter a política do filho único, que vigorou no país até 2016, províncias como Sichuan já estão permitindo que mulheres solteiras registrem um nascimento e que pessoas não casadas criem uma família, desfrutando de benefícios sociais reservados anteriormente a uniões legais.
Outro país que está enfrentando uma séria crise de natalidade é o Japão. Em janeiro, o governo metropolitano de Tóquio anunciou um orçamento para 2023 de 12,7 bilhões de dólares para apoiar medidas que ajudem as famílias a criar e planejar filhos. Entre essas medidas estão um subsídio mensal de 38 dólares para cada criança menor de 18 anos e mensalidades gratuitas em creches para segundos filhos, até as crianças completarem dois anos. Não há renda mínima para que as famílias possam receber esses auxílios.
A população total do Japão encolheu 0,43%, ou cerca de 538 mil pessoas, no ano passado. A terceira maior economia do mundo também registrou menos de 800 mil nascimentos em 2022, uma taxa que não era esperada antes de 2030, segundo havia projetado o Instituto Nacional de População e Pesquisa de Seguridade Social do Japão.
Na ocasião da divulgação desses números, o primeiro-ministro, Fumio Kishida, discursou aos legisladores do país, dizendo que o país está “à beira de não conseguir manter as funções sociais”, pontuando que é necessário resolver a questão agora ou nunca. “Pensando na sustentabilidade e na inclusão econômica e social de nossa nação, colocamos o apoio à criação de filhos como a política mais importante de nosso governo”, discursou Kishida.
Tendência global
A professora assistente de Política e Sociedade Japonesa na Indiana University Bloomington, Hilary J. Holbrow, argumenta que o caso desses países não é uma "curiosidade aberrante", mas sim exemplos de nações que já enfrentam desafios que a maioria dos outros países ricos enfrentará em breve. "O que torna o Japão incomum não é que as taxas de fertilidade sejam baixas, mas que a taxa de fertilidade caiu abaixo da reposição (2,1 nascimentos para cada mulher) no início dos anos 1970, mais cedo do que na maioria dos outros países ricos", ela explica em um artigo de opinião publicado no jornal Nikkei Asia, em resposta as estatísticas japonesas preocupantes.
Segundo a análise da professora, a implementação de benefícios, como licença paternidade estendida para 12 meses e a garantia de que as mulheres receberão entre 50% e 67% do seu salário regular enquanto estão de licença, ajudou o Japão a avançar nesse tema, mas não foi suficiente. "A menos que os governos também invistam em saúde pública e preparação para a próxima pandemia, protejam seus cidadãos da volatilidade econômica e estabeleçam relações pacíficas com seus vizinhos, as taxas de fertilidade continuarão caindo", explicou a professora.
As estatísticas assustam. Segundo a mais recente projeção populacional para este século feita pelo Conselho Econômico e Social da ONU, a população global começará a encolher em 2086. No entanto, grandes economias que estão mais avançadas neste processo — como é o caso da Itália, Japão e China — perderão até 2100 entre 37% e 46% de sua população atual.
Alguns estudos apontam um cenário mais drástico. Pesquisadores do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington publicaram uma projeção populacional na revista Lancet, na qual 23 nações — incluindo Espanha, Portugal e Tailândia — devem ver suas populações caírem pela metade até 2100. O estudo também mostra que os países terão tantos habitantes completando 80 anos quanto nascendo. Os pesquisadores esperam que o número de pessoas no planeta atinja o pico de 9,7 bilhões por volta de 2064, antes de cair para 8,8 bilhões no final do século.
Se esta análise estiver correta, a população da Itália em 2100 será de 28 milhões de pessoas, número aproximado da população atual do Nepal.
Extinção?
Embora sejam potências mundiais, o caso desses países não é o mais grave. Fluxos migratórios intensos, combinados com baixas taxas de fertilidade e condições socioeconômicas, ameaçam países como a Coreia do Sul, Bulgária, Jamaica e o território da Samoa Americana com colapsos sociais até o final deste século, com reduções populacionais que variam de 53% a 70%. Eles já experimentam umas das mais altas taxas de encolhimento populacional do mundo, com exceção de países envolvidos em conflitos armados, e até 2100 estarão entre as nações com as maiores perdas populacionais.
Paul Morland, demógrafo britânico e autor do livro "Tomorrow's People: The Future of Humanity in Ten Numbers" (As Pessoas do Amanhã: O Futuro da Humanidade em Dez Números, em tradução livre), explica que não é preciso chegar a extinção para que o encolhimento populacional cause profundas mudanças sociais. "Pequenas cidades ficarão abandonadas e isoladas. Não valerá mais a pena investir em estradas para conectá-las, por exemplo. Os governos terão menos arrecadação e, ao mesmo tempo, custos com aposentadorias e sistemas de saúde cada vez maiores", exemplifica em entrevista à Gazeta do Povo. "É um longo caminho até a última pessoa decidir não ter filhos. Podemos até fazer uma projeção matemática de quando o último coreano ou italiano apagaria a luz, mas muito antes disso eles já não seriam mais países funcionais. E o que vem depois deste colapso social é o que todos nós estamos nos perguntando".
O caso mais emblemático é o da Coreia do Sul, que possui a taxa de fertilidade mais baixa do mundo. Na capital, Seoul, a proporção de nascimentos para cada mulher em idade reprodutiva é de 0,59. Mas este não é o único dado chamativo que o país ostenta: o governo local estima que cerca de 3% dos coreanos de 19 a 39 anos sejam “solitários” — uma definição para pessoas que, por questões de saúde mental, financeiras e familiares, optam por passar a vida isoladas de qualquer convívio social. Além disso, a Coreia do Sul tentou mudar, no mês passado, o limite da jornada de trabalho de 52 para 69 horas semanais, mas precisou voltar atrás após protestos ligados justamente à qualidade de vida e à criação de novas famílias.
O governo sul-coreano gastou quase 210 bilhões de dólares nos últimos 16 anos para sair do topo do ranking dos países com a menor taxa de fertilidade, mas até agora não conseguiu reverter a tendência. Os motivos listados pela população sul-coreana para evitar uma gravidez incluem a volatilidade e a competitividade do mercado de trabalho, a discriminação de gênero na concorrência por vagas, baixos níveis de mobilidade social e os altos custos de criar um filho.
Segundo o Conselho Econômico e Social da ONU, se a tendência atual continuar, a população da Coreia do Sul será 53,5% menor em 2100, com cerca de 24 milhões de habitantes, aproximadamente a mesma quantidade de pessoas que vivem hoje na Grande São Paulo.
Saídas
Ainda que a redução demográfica seja uma tendência, alguns países possuem indicadores menos chocantes do que outros. Estados Unidos, Canadá, Austrália, além dos países nórdicos, são alguns exemplos de nações que manterão pequenos crescimentos populacionais, dentro da taxa de reposição, segundo as estatísticas da ONU.
Ajudam a explicar estes parâmetros os fluxos migratórios que miram estes países como destino, além de políticas públicas e laborais como licenças parentais estendidas, além de incentivos econômicos estatais para as novas famílias.
No entanto, para Paul Morland, estas duas saídas são limitadas. O demógrafo acredita que a migração pode amenizar as lacunas no mercado de trabalho temporariamente, mas assim que a redução populacional se tornar um desafio global, os fluxos devem diminuir. "Não podemos depender de que outros países engravidem por nós. Há algo também de imoral nisto, em escolher as 'crianças que queremos'. Eu acho que isto será tão inaceitável em alguns anos quanto o imperialismo", argumenta. "A segunda questão é que as migrações sempre causam uma reação, porque as pessoas não querem uma mudança étnica tão rápida do seu grupo".
Outra questão colocada pelo especialista é a de que os incentivos financeiros estatais dependem de recursos que estarão cada vez mais escassos neste cenário, reduzindo a efetividade dos bens e serviços na equação. "Políticas públicas são importantes para reverter isto, mas também é necessária uma revolução cultural. Se quisermos evitar um colapso social, precisamos mudar a atitude antinatalista e a ideia de pequenas famílias. A interpretação do multiculturalismo, do feminismo e do ambientalismo não precisa ser antinatalista em sociedades modernas".