Imagem de satélite, tirada em novembro de 2014, mostra a planta nuclear de Fukushima| Foto: Reuters

Há quatro anos, uma quietude misteriosa tomava conta das casas rurais e das plantações de arroz deste vilarejo montanhoso, sem ninguém desde que o desastre da usina nuclear de Fukushima Daiichi, a 40 quilômetros de distância, espalhou a radiação por boa parte do nordeste japonês.

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Agora, os vales de Iitate estão cheios novamente com o burburinho da atividade humana, à medida que máquinas pesadas e tropas de trabalhadores mascarados recolhem o solo contaminado em sacos plásticos pretos.

Eles fazem parte de um investimento de US$10 bilhões do governo central, em Tóquio, para limpar partículas radioativas do acidente de 2011, permitindo que boa parte dos 80 mil habitantes de Iitate e de 10 outras comunidades evacuadas nos arredores da usina voltem para casa.

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Em julho, o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe parecia estar dando um grande passo neste sentido, ao adotar um plano que permitira que dois terços dos evacuados retornassem até março de 2017, quando o desastre completará seis anos.

Mas, embora alguns dos evacuados se animem com a chance de retornar, muitos outros rejeitam a ideia. Milhares de pessoas de Iitate e de outras regiões abriram processos coletivos ou se juntaram a grupos organizados em oposição ao plano do governo, que segundo eles estaria forçando os habitantes a retornarem, a despeito dos níveis de radiação que continuam muito acima do normal.

Eles acusam Tóquio de repetir os padrões dos primeiros momentos do desastre, colocando as pessoas em risco enquanto tentam minimizar os perigos do acidente. Eles afirmam que o governo central está tentando alcançar seus próprios objetivos políticos de visão curta, tais como reestabelecer a indústria nuclear nacional, ou garantir ao mundo que Tóquio é segura o bastante para ser a sede dos Jogos Olímpicos de Verão de 2020.

“Se as autoridades nacionais acreditam que é seguro, então eles deveriam vir e morar aqui”, afirmou Kenichi Hasegawa, antigo produtor de gado leiteiro em Iitate, que organizou mais de 3 mil evacuados – ou cerca de metade da população da cidade antes do desastre – em oposição ao plano de retorno. “O governo só quer dizer que o acidente nuclear acabou, e mudar o foco de atenção para os Jogos Olímpicos”.

Essa rebelião das massas ilustra a profunda desconexão entre as vítimas de Fukushima e o governo em Tóquio, um problema que atrapalhou a resposta do Japão a um dos piores desastres nucleares da história.

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Embora o governo esteja realizando uma limpeza vasta e cara para desfazer os efeitos do acidente e permitir que as pessoas retornem a suas casas, muitos evacuados são contrários a esse plano, reclamando que ele foi decidido sem consultá-los.

Na verdade, as pesquisas de opinião mostram que a maioria nem deseja voltar. Em uma medida reveladora em um país onde os processos são relativamente raros, mais de 10 mil pessoas entraram com cerca de 20 ações judiciais coletivas que exigem mais compensações financeiras, para que possam escolher por conta própria entre retornar ou construir uma vida nova em outro lugar.

Essa se tornou uma questão cada vez mais urgente para os milhares de evacuados cujas vidas continuam em suspenso, em abrigos temporários ou vivendo apenas com a contribuição mensal de cerca de 800 dólares por adulto, paga pela operadora da usina nuclear aos afetados.

Eles estão na mesma situação desde que foram evacuados de suas casas depois que o terremoto e o tsunami do dia 11 de março de 2011 destruíram os sistemas de resfriamento de três reatores da usina nuclear de Fukushima, causando acidentes que espalharam partículas radiativas em todos os vilarejos rurais e as cidades costeiras da região.

Poucos meses depois do acidente, Tóquio já traçava planos para limpar todo o interior poluído por detritos invisíveis, algo que até mesmo os planejadores centrais da ex-União Soviética não puderam fazer nos arredores de Chernobyl, após o desastre de 1986.

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O novo cronograma do governo Abe, adotado no dia 12 de junho, exige um ritmo mais acelerado no processo de limpeza, com uma “iniciativa concentrada de descontaminação” nos próximos dois anos.

Ele também estabelece pela primeira vez uma data clara para eliminar as ordens de evacuação na maioria das áreas do entorno da usina: cerca de 70 por cento da atual zona de evacuação – as áreas menos contaminadas, destacadas em verde e amarelo nos mapas oficiais – seriam reabertas para a habitação humana em março de 2017. (As áreas mais contaminadas, destacadas em vermelho, continuarão fechadas indefinidamente.)

Entretanto, o plano foi recebido com ceticismo e resistência.

Uma pesquisa realizada em julho pelo jornal pró-energia nuclear Yomiuri Shimbun mostrou que oito dos prefeitos das 11 cidades evacuadas não concordam com a data de retorno, embora alguns aleguem que não têm outra escolha, senão retornar. Outros prefeitos, como Tamotsu Baba da cidade de Namie, ofereceu propostas alternativas que estendem a data de retorno e oferecem mais apoio financeiro à quem não deseja retornar.

Mesmo com toda a limpeza, apenas 20 por cento das 6.200 pessoas que deixaram Iitate estão dispostas a retornar, de acordo com uma contagem recente feita pelas autoridades do vilarejo.

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A maioria das famílias com filhos pequenos, que correm o maior risco com a radiação, já recomeçou a vida em outros lugares e não tem a menor intenção de retornar. Mas até mesmo os evacuados mais velhos, que afirmam não temer tanto a radiação, dizem que é cedo demais para voltar, pois não há perspectiva de retomar plantações de arroz ou criar gado leiteiro no solo contaminado.

Um dos opositores mais declarados do plano de retorno às cidades é Hasegawa, de 62 anos, cuja desconfiança em relação ao governo central é tão profunda que ele visita sua antiga fazenda leiteira uma vez ao mês para conferir por conta própria os níveis de radiação do local, com a ajuda e um contador Geiger.

Ele afirma que seus resultados sempre são mais altos do que os registrados nos postos de monitoramento do governo e, apesar do processo de descontaminação, não estão caindo rápido o bastante para que ele possa voltar a produzir leite em dois anos.

“Nos mandar de volta é mais uma estratégia dos oficiais para evitar assumir responsabilidade pelo que aconteceu”, afirmou Hasegawa, que vive com seus pais idosos em um apartamento pré-fabricado a uma hora da zona de evacuação.

A oposição de Hasegawa tem um custo pessoal e deu fim à amizade de uma vida toda com o prefeito de Iitate, Norio Kanno, um dos maiores apoiadores do plano de retorno.

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Kanno é a principal voz entre a minoria que acredita que o medo da radiação é exagerado, e que deseja voltar o quanto antes para suas velhas casas. Embora Kanno reconheça que os agricultores não poderão voltar a cultivar a terra em Iitate ainda por muitos anos, ele afirmou que a cidade está traçando planos para ajudá-los a produzirem flores e outros produtos que não são voltados para o consumo humano.

Ele afirmou que gostaria de liderar os cerca de mil habitantes que estão determinados a retornar. Assim que os níveis de radioatividade não forem mais tão prejudiciais, afirmou, outras pessoas seguirão.

Segundo ele, um retorno rápido seria a única forma de salvar o vilarejo, já que cada vez mais pessoas morrem ou se mudam para longe com o passar dos anos.

“A luta do nosso vilarejo é contra a ameaça da radiação, e todo mundo reage de forma diferente”, afirmou Kanno, de 58 anos, que também criava gado leiteiro. “Vamos deixar as pessoas decidirem por conta própria se querem ou não voltar. É assim que o Japão vai criar o modelo de recuperação de desastres nucleares.”

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