Segundo as projeções da imprensa americana, Joe Biden é o vencedor da eleição para a presidência dos Estados Unidos. O democrata já deixou claro que ao chegar na Casa Branca fará uma mudança na política externa dos Estados Unidos, especialmente colocando um fim na postura de "America First" do atual presidente, Donald Trump. A mudança de estilo entre os presidentes deve ter implicações para o cenário no Oriente Médio.
Saiba como as mudanças de curso podem impactar o arranjo de algumas das alianças na região:
Irã
Trump tirou, em 2018, os Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, que removia sanções em troca de limites ao programa nuclear iraniano, e deu início a uma campanha de pressão máxima sobre a nação persa, com a aplicação de pesadas sanções econômicas com o objetivo de forçar Teerã a renegociar o acordo.
Para Biden, o acordo com o Irã tinha sucesso em bloquear o acesso a armas nucleares pelo Irã e a decisão de Trump fracassou, pois empurrou a China e a Rússia para mais perto de Teerã, isolando os EUA na região, e resultou no aumento das capacidades nucleares iranianas. "Como era previsível, o Irã reiniciou o seu programa nuclear e se tornou mais agressivo, aproximando a região de uma nova guerra desastrosa", disse ao Council on Foreign Relations em 2019.
O democrata voltou a criticar as políticas de Trump durante a campanha, dizendo que as decisões do atual presidente deixaram o Irã "mais perto de ter material nuclear suficiente para construir uma bomba".
Ele já indicou que retornaria ao pacto com a condição de que o Irã voltasse a cumprir os seus compromissos em relação ao programa nuclear. Reino Unido, França e Alemanha, signatários do pacto, devem apoiar essa abordagem, após passarem os anos do governo Trump tentando preservar o acordo e reduzir danos no Oriente Médio, segundo análise do European Council for Foreign Relations.
Biden deve enfrentar a oposição do Partido Republicano e de aliados no Oriente Médio, principalmente Israel e Arábia Saudita, se quiser voltar ao acordo. Ainda não está claro se Biden suspenderia as sanções que não são relacionadas a questões nucleares impostas pelo governo Trump, como espera Teerã.
Israel e Palestina
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que Trump era "o melhor amigo que Israel já teve na Casa Branca". Com motivos: Trump mudou a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, reconheceu a soberania de Israel sobre as Colinas de Golã e delineou um plano de paz para o Oriente Médio que foi visto como favorável a Israel e rejeitado prontamente pelas lideranças palestinas.
Trump também mediou o acordo que normalizou as relações de Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Sudão com Israel, um avanço diplomático (embora os dois primeiros nunca tenham estado em guerra com Israel) que foi elogiado por Biden durante a sua fala no "town hall" em outubro. Isso indica que Biden deve continuar a política de ajudar Israel a conquistar mais reconhecimento por países árabes.
Além disso, Trump suspendeu o envio de fundos para a agência da ONU que auxilia refugiados palestinos e em 2019 cortou totalmente o auxílio anual dos EUA para palestinos nos territórios ocupados da Cisjordânia e Faixa de Gaza – decisões que Biden pretende reverter.
No entanto, analistas não esperam uma mudança muito radical de um governo americano de Biden em relação a Israel. O democrata já afirmou que não pretende mudar a embaixada de volta para Tel Aviv e não deve reverter o reconhecimento da soberania israelense das Colinas de Golã, disse uma autoridade da campanha de Biden pouco antes da eleição.
Durante as primárias democratas, Biden se opôs a iniciativas pró-palestinas defendidas por membros do seu partido. O senador Bernie Sanders propôs segurar ajuda militar americana à Israel caso o governo israelense não moderasse o tratamento dado a palestinos. Biden respondeu dizendo que a proposta era "bizarra".
Biden defende a solução de dois Estados como "o único caminho para a segurança de longo prazo para Israel, enquanto mantém sua identidade como um Estado judeu e democrático", afirmou o presidente eleito ao Council on Foreign Relations. "Essa também é a única maneira de garantir a dignidade palestina e seu interesse legítimo em autodeterminação nacional", afirmou, reconhecendo o desafio representado pela falta de vontade das lideranças israelenses e palestinas de "assumir os riscos políticos necessários para progredir por meio de negociações diretas" – desafio que, segundo ele, foi dificultado pelo "unilateralismo de Trump, ações para cortar a assistência aos palestinos e sua ambiguidade sobre a importância da solução de dois Estados".
Em maio, Biden, assim como democratas do Congresso americano, criticou os planos de Netanyahu de anexar territórios da Cisjordânia. "Eu não apoio a anexação", disse Biden em evento de campanha a membros da comunidade judaico-americana, segundo o site de notícias The Hill. "O fato é, eu irei reverter o enfraquecimento da paz promovido por Trump", afirmou.
Arábia Saudita
Outro aliado dos EUA na região é a Arábia Saudita. Espera-se que Biden tente limitar a venda de armas americanas para o reino saudita e se distancie dos seus líderes.
A inteligência dos EUA concluiu que o assassinato em 2018 do jornalista saudita dissidente Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post, estava lidado ao príncipe herdeiro da coroa saudita, Mohammed bin Salman. Mas o caso não provocou mudanças na relação entre Washington e Riad.
No começo de outubro, no segundo aniversário da morte do jornalista, Biden prometeu "reavaliar" a relação entre EUA e Arábia Saudita. O então candidato divulgou um comunicado manifestando apoio a dissidentes sauditas e sugerindo que MBS esteve por trás do assassinato de Khashoggi.
"Dois anos atrás, agentes sauditas, supostamente atuando sob direção do príncipe da coroa saudita Mohammed bin Salman, assassinaram e desmembraram o jornalista, dissidente e residente dos EUA Jamal Khashoggi", disse Biden. "A ofensa dele - pela qual pagou com sua vida - foi criticar as políticas do seu governo".
"Sob uma administração Biden-Harris, iremos reavaliar nossa relação com o reino, encerrar o apoio dos EUA para a guerra da Arábia Saudita no Iêmen e garantir que a América não comprometa seus valores para vender armas ou comprar petróleo", afirmou Biden - sem mencionar que as operações de apoio aos sauditas tiveram início na era Obama. "O comprometimento da América aos valores democráticos e direitos humanos será prioridade, mesmo com nossos parceiros de segurança mais próximos", garantiu.
Turquia
As relações entre EUA e Turquia são, de maneira geral, boas, mas azedaram com a compra pela Turquia do sistema de defesa de mísseis S-400 da Rússia. Os dois países também se desentenderam nos últimos anos sobre políticas relacionadas ao conflito da Síria e a maior proximidade entre a Turquia e a Rússia. Algumas semanas antes das eleições americanas, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan mandou um recado ao país norte-americano:
"Vocês não sabem com quem estão lidando. Imponham de vez suas sanções, quaisquer que elas sejam", disse Erdogan em evento do seu partido, referindo-se às ameaças americanas pela compra do equipamento de defesa russo.
Até o momento, Trump não impôs sanções contra o país aliado da Otan, embora a legislação americana exija que o executivo do país tome medidas de punição contra governos que comprem equipamentos de defesa da Rússia.
Uma autoridade do governo da Turquia disse à Al Jazeera que os comentários talvez tenham sido direcionados a Biden. "As pessoas aqui não estão maravilhadas com a perspectiva [de uma presidência de Biden]", disse a fonte, que pediu anonimato.
Fato é que o Erdogan parabenizou Joe Biden e Kamala Harris na terça-feira (10). Mas com a vitória do democrata, que chamou Erdogan de "autocrata", o líder turco estará menos protegido das críticas e acusações do Congresso americano a respeito de violações de direitos humanos e de normas democráticas.
Ainda assim, analistas esperam que Biden trabalhe com Ancara, ou pelo menos tente, em nome da restauração do compromisso de Washington com suas alianças, principalmente a Otan. "Espero que Biden entre em contato com Erdogan porque a prioridade será ressuscitar a Otan e isso não pode ser feito sem a Turquia", disse Soner Cagaptay, pesquisador do Washington Institute for Near East Policy, à Reuters.