Buenos Aires - O Clarín e o La Nación, os dois jornais diários de maior circulação na Argentina, qualificaram de "aberração moral e jurídica" a denúncia apresentada pelo governo argentino na Justiça contra diretores dos dois grupos de mídia, acusados de cumplicidade com a ditadura militar (1976-1983) para comprarem na época a Papel Prensa, única produtora de papel para jornal no país.
A Secretaria de Direitos Humanos do governo argentino apresentou a queixa e pediu a um juiz federal "que seja investigada exaustivamente a apropriação ilícita, por parte do Clarín, La Nación e La Razón, da empresa Papel Prensa SA, que foi cometida através dos delitos de associação ilícita qualificada, extorsão, privação ilegal de liberdade e torturas, todas essas condutas constitutivas de crimes contra os direitos humanos", consta na denúncia.
"Pretender vincular a aquisição da empresa a crimes contra os direitos humanos é uma aberração moral e jurídica carente de qualquer sustentação factível", afirmaram Clarín e La Nación em comunicado publicado ontem em ambos os diários.
A Papel Prensa pertencia ao banqueiro David Graiver. A empresa foi vendida a Clarín, Lá Nación e também ao jornal La Razón em novembro de 1976, meses após o golpe militar de 1976 e também após a morte de Graiver num suspeito acidente aéreo no México. O jornal La Razón faliu em 2000.
O documento de acusação do governo, de 191 páginas, acusa Héctor Magnetto, um diretor do Clarín, de ameaçar matar Lidia Papaleo, em 1976, se a família Graiver não vendesse o controle da Papel Prensa. Lidia Papaleo era esposa de David Graiver.
Segundo denunciou o governo argentino, que mantém um áspera disputa com o Clarín há dois anos, a viúva de Graiver e outros familiares "atuaram sob ameaças" ao ceder as ações da Papel Prensa aos três jornais diários.
Responsabilidade
A denúncia responsabiliza os ex-ditadores Jorge Rafael Videla e Emílio Eduardo Massera; o ex-ministro da Economia da ditadura, José Alfredo Martínez de Hoz; a proprietária do Clarín, Ernestina Herrera de Noble; o principal colaborador de Ernestina, Héctor Magnetto; e Bartolomé Luis Mitre, proprietário do La Nación, entre outros."Nós suspeitamos que essas pessoas estiveram envolvidas na compra ilegal da Papel Prensa, então pedimos a elas que testemunhem", disse Florencia Stero, porta-voz da Secretaria.
Segundo ela, após a Papel Prensa ter sido vendida, o governo militar sequestrou e torturou Lidia Papaleo na cidade de La Plata em 1977. "O governo segue insistindo em mentir, reescrever a história e manipular os direitos humanos como ferramenta de perseguição e represália", se defenderam os dois diários.
Segundo a denúncia apresentada na noite de terça-feira, ante o juiz federal Arnaldo Corazza, que tem a seu cargo várias ações de delitos cometidos durante o regime militar na cidade de La Plata, capital da província de Buenos Aires, os Graiver não tiveram acesso ao preço nem às condições da operação de venda da Papel Prensa e foram obrigados a assinar a venda.