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Situação de restrição de liberdade de imprensa são comuns na Venezuela de Nicolás Maduro | MARCELO GARCIA/AFP
Situação de restrição de liberdade de imprensa são comuns na Venezuela de Nicolás Maduro| Foto: MARCELO GARCIA/AFP

Um jornalista do Grupo RBS foi detido pelas autoridades do regime chavista em Caracas, capital da Venezuela, na sexta-feira (25). 

Repórter especial do jornal gaúcho Zero Hora, Rodrigo Lopes, 40 anos, foi abordado em frente ao Palácio Miraflores e levado a uma unidade militar. Ele teve o celular e o passaporte apreendidos durante duas horas, período em que ficou retido pelas forças de segurança do ditador Nicolás Maduro no Centro Estratégico de Segurança e Proteção da Pátria, sem comunicação com o exterior. 

Segundo um comunicado do Grupo RBS, Lopes estava cobrindo uma manifestação pró-Maduro quando foi abordado por um homem não identificado que arrancou o celular de suas mãos e começou a verificar as imagens que o repórter havia feito. Ao perceber que no aparelho havia imagens de uma manifestação da oposição, o homem o levou, de forma coercitiva segundo relato de Lopes, para uma área protegida por barreiras militares. 

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O repórter contou que pediu para se comunicar com a embaixada brasileira, mas teve a solicitação negada. Além disso, foi interrogado e teve que responder perguntas sobre a linha editorial do veículo para o qual trabalha. 

Antes de ser liberado, os militares tiraram uma foto do jornalista e o ameaçaram, afirmando que, se fosse pego novamente, seria preso e responderia processo segundo as leis venezuelanas. 

Após o ocorrido, o Grupo RBS afirmou que “reitera sua defesa à liberdade de imprensa e repudia toda e qualquer forma de violência dirigida a jornalistas em atividade profissional” e que, por questões de segurança, Lopes deixou a Venezuela, tendo chegado em território brasileiro no domingo (27). 

Posteriormente Lopes escreveu sobre o episódio. A seguir, confira o relato na íntegra.

“A abordagem 

Não precisava daquela foto. Havia viajado 20 horas entre Porto Alegre e Caracas, estava sem dormir havia 33 horas, tinha relatos de apoiadores de Nicolás Maduro e de Juan Guaidó. Começava a anoitecer, e já tinha enviado todo o material do primeiro dia de cobertura na Venezuela para a Redação, em Porto Alegre. Ir até a região do Palácio Miraflores me parecia importante. O prédio é o símbolo máximo do governo, desejado por Maduro, que se encastela lá, e pelo autoproclamado presidente Guaidó. 

Cheguei pela Avenida Urdaneta a bordo de uma caminhonete, dirigida por um cidadão venezuelano cujo nome não estou revelando por questões de segurança. Descemos do carro para observar a área altamente militarizada. Não era aconselhado entrevistar nem fazer fotografias. Mas, ao avistar uma manifestação de apoiadores de Maduro, resolvi tirar o celular do bolso e registrar a imagem. 

Havia feito o mesmo no início da tarde, no comício de Guaidó. Fiz três imagens rápidas e voltei a guardar o aparelho no bolso. Nesse momento, um homem vestindo camisa e calça jeans nos abordou e arrancou o celular das minhas mãos. 

Ele foi passando as imagens até chegar às fotos e aos vídeos do comício de Guaidó, inimigo de Maduro.  

— Militante da oposição! — gritou. 

— Não sou militante. Sou jornalista brasileiro — expliquei. 

Percebia que, aos poucos, estava entrando no mundo de teorias conspiratórias dos apoiadores de Maduro. 

Sabia o risco de dizer aquilo desde que o governo de Jair Bolsonaro reconheceu Guaidó como presidente interino da Venezuela. 

— Ah, brasileiro! — ele ironizou.  

— Me acompanhe.  

Caminhei a seu lado até chegar atrás da barreira militar. Meu motorista tentou seguir, mas foi barrado com a mão de um militar em seu peito. Fui levado a um superior, um rapaz de cabelo curto, vestindo terno e gravata. Vários homens me cercaram. De camisa social vermelha como uniforme, observavam com desdém e viravam as costas. 

— O que estás fazendo na Venezuela? — perguntou o homem de terno e gravata. 

— Vim mostrar o que está acontecendo em seu país. 

— Vamos te prender para saberes o que é bom. A imprensa brasileira chama nosso presidente de ditador — ele disse. 

‘Vamos te meter no cárcere’

Percebia que, aos poucos, estava entrando no mundo de teorias conspiratórias dos apoiadores de Maduro. Na guerra, a primeira vítima é a verdade. Aprendi isso na prática, em coberturas em zonas de conflito que fiz por ZH ao longo dos últimos 22 anos: no Iraque, no Líbano e na Líbia, em países sob ditadura, como a Síria, ou sob ruptura institucional, como Honduras na crise de Manuel Zelaya na embaixada brasileira e no Paraguai, durante o impeachment de Fernando Lugo. Era fácil para quem me mantinha retido distorcer minhas palavras, me acusar de ser militante da oposição com as imagens do celular que tinham em mãos.  

— Vamos te meter no cárcere — ameaçou o homem.  

Pedi para falar com a embaixada do Brasil.  

— Brasil? O seu presidente não reconhece nosso presidente — afirmou ele, rindo e ordenando que o acompanhasse até o interior do prédio militar.  

Caminhonetes grandes deixavam os portões do quartel em alta velocidade com homens armados com fuzis muito novos. Não havia qualquer identificação a qual força pertenciam.  

— Sente-se — ordenou o homem, apontando um banco de madeira.  

Ele saiu da sala. Fiquei sozinho. Parecia uma repartição pública. Funcionários civis encerravam a jornada de trabalho, despediam-se dos colegas, aparentemente pessoas comuns indo para o final de semana. Eu me perguntava se elas sabiam o que estava acontecendo comigo. Deveria abordar alguma delas e pedir ajuda?  

Um militar com a farda desgrenhada e boina vermelha se aproximou de mim. Levantei para apertar sua mão.  

— Sente-se — ordenou. — Queres brigar? (pelear, na expressão em espanhol) — ele provocou, cerrando os punhos como se fosse lutar boxe. 

— Fight? — insistiu outro, em inglês. 

— Só levantei para cumprimentá-lo — expliquei, cabeça baixa, tentando mostrar que não representava ameaça. 

— Passaporte! — mandou. 

Entreguei. Ao observar o documento, com as palavras "Brasil" e "Mercosul" registrados na capa, ele deu uma risada. 

— Mercosul, é? — ele disse, provavelmente desdenhando do fato de a Venezuela estar suspensa do bloco devido à cláusula democrática. 

O fato de o governo brasileiro não reconhecer a presidência de Maduro tirava qualquer chance de mediação diante de uma eventual prisão. 

O interrogatório 

Teve início um interrogatório. De pé, ele questionava a linha editorial de Zero Hora, se era de direita ou de esquerda e sobre "que tipo de textos" escrevo. Na tentativa de criar alguma empatia, falei que havia estado na Venezuela em 2007, durante o Fórum Social Mundial, que Hugo Chávez já visitara Porto Alegre. 

— Vamos revisar teus textos na internet. Tudo o que publica no jornal. Hora Zero, não é? 

— Zero Hora — corrigi. 

— Vamos revisar tudo — afirmou.  

Agora, estava havia uma hora recluso, sem celular e sem passaporte em quartel da Venezuela. Fui obrigado a acompanhar outro militar. Diferentes pessoas falavam comigo em vários momentos na tentativa de me fazer cair em contradição. Fui sendo conduzido mais para o interior do quartel. Cinquenta passos aproximadamente entre prédios de concreto. Onde seria a prisão?, pensava. 

Àquela altura, com meu celular com imagens de Guaidó e meu passaporte, eles poderiam me acusar de qualquer crime. O fato de o governo brasileiro não reconhecer a presidência de Maduro tirava qualquer chance de mediação diante de eventual prisão. 

Entramos em outro prédio: um corredor longo com painéis com fotos de Hugo Chávez. Mandaram que eu voltasse a sentar. Havia outro homem em situação semelhante.  

— Jornalista? — ele quis saber.  

— Sim.  

— Eu também. Sou espanhol. Está acontecendo com muitos. Eles estão retendo, apreendem equipamento e liberam.  

Foi a primeira pessoa, em uma hora de retenção, a me tranquilizar. O homem de terno e gravata batia nas várias portas do corredor. Atrás de alguma delas, meu celular, fotos, vídeos e textos no site de ZH estavam sendo analisados. Tentei lembrar dos últimos registros, o que poderia ser entendido como um conteúdo contrário a Maduro?  

Fichado e liberado 

Após duas horas sem passaporte e celular, apareceu outro homem em trajes civis, com uma mochila:  

— Aqui está seu celular e seu passaporte. Revise-os para ver que não tiramos nada. 

Percebi que o celular vibrava. Havia combinado um boletim para a Rádio Gaúcha, provavelmente era a produção do programa telefonando. Não atendi. 

O homem continuou:  

— O senhor sabe onde está?  

— Sim, em frente ao Palácio Miraflores.  

– Correto. E o que é?  

— Sede da presidência de Nicolás Maduro — respondi. 

— Pois bem, imagine em seu país, o senhor poderia fotografar a sede da presidência? 

Preferi o silêncio. Ele emendou: 

— O senhor tem de entender que temos que zelar pela segurança de nosso presidente. Pode ir. 

— Posso fazer uma única pergunta? — questionei. 

Ele assentiu. 

— Agora, posso ir ali fora e fotografar os apoiadores de Maduro para mostrar aos leitores brasileiros? 

— Não. O senhor pode fazer fotografias em qualquer outro lugar, se houver manifestações de apoio a nosso presidente amanhã. De longe, tudo ok, desde que não distorça informações. 

E continuou: 

— Agora, o senhor está fichado conosco, conhecemos tua cara e sabemos onde escreves — disse.  

— Se te pegarmos novamente, tu vais ser preso e responderá processo segundo as leis venezuelanas.  

O homem, então, mandou que eu encostasse contra uma parede, tirou o celular do bolso e fotografou duas vezes o meu rosto com flash. 

— Ok, vá — mandou. 

Percorri o corredor, virei à direita e, na barreira militar, expliquei a uma soldado que estava liberado. Ela abriu o portão. Caminhei sem olhar para trás em direção ao motorista, que me esperava. 

Triste por ter abortado a cobertura de um fato que mobiliza o mundo. Revoltado por ter meu direito ao exercício do jornalismo independente cerceado. Mas, acima de tudo, indignado, porque, em última análise, quem perde com a censura é a sociedade. 

Ao chegar ao hotel, comuniquei meus editores em Zero Hora e a direção do Grupo RBS sobre o ocorrido. Em decisão conjunta, resolvemos que, por segurança, eu deixaria a Venezuela. 

Não fui agredido fisicamente em nenhum momento entre as 17h46min e 19h47min, período em que fiquei retido sem comunicação com o exterior, sem passaporte e sem celular, no Centro Estratégico de Seguridad y Protección de la Pátria. Não apagaram as fotos e vídeos de meu aparelho – apenas as que eu próprio havia deletado no momento da abordagem, as cenas do Miraflores. Também não fui algemado. 

Das 20h de sexta-feira (25), quando cheguei de volta ao hotel, até as 16h de sábado (26), permaneci em meu quarto. Fiquei recluso, agora por decisão acordada com o jornal. Ouvi sons de uma passeata de militantes — não sei de qual orientação — caminhando na frente do prédio. Observei pela janela apenas. 

Como me sinto? Triste por ter abortado a cobertura de um fato que mobiliza o mundo. Revoltado por ter meu direito ao exercício do jornalismo independente cerceado. Mas, acima de tudo, indignado, porque, em última análise, quem perde com a censura é a sociedade. Foi o direito dos leitores de ZH de saberem o que está acontecendo na Venezuela que foi ceifado. 

Esta história foi mantida sob sigilo, com conhecimento apenas de meus editores e da direção da RBS, até que desembarcasse, em segurança, em território brasileiro no domingo (27).”

Protesto

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, a Associação Nacional de Editores de Revistas e a Associação Nacional de Jornais afirmara em nota que "protestam com indignação" contra a detenção do repórter Rodrigo Lopes em Caracas. 

"Trata-se de mais um episódio de ataque ao livre exercício do jornalismo, cometido pelo regime de Nicolás Maduro, que há muito abdicou da fachada de aparente democracia", continua a nota. 

As associações dizem ainda que se solidarizam com o repórter e o jornal Zero Hora, bem como "com todos os jornalistas venezuelanos e estrangeiros, que tentam fazer seu trabalho em meio às ameaças do regime bolivariano", e que esperam que as autoridades brasileiras façam chegar ao governo venezuelano este protesto "diante da violência cometida contra um cidadão e profissional do nosso país, em legítimo exercício de sua atividade".

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