Dois jornalistas da Reuters, que ganharam o prêmio Pulitzer pela cobertura da repressão aos muçulmanos Rohingya, foram libertados da prisão nesta terça-feira (7), encerrando uma detenção prolongada que manchou a imagem de Mianmar e de sua líder civil, Aung San Suu Kyi.
Wa Lone e Kyaw Soe Oo foram presos em dezembro de 2017, acusados de violar a 'lei de segredos' do país, que data da era colonial. Eles foram acusados de possuir documentos secretos, mas acredita-se que eles tenham sido vítimas de uma armação . Em setembro, eles foram condenados e sentenciados a sete anos de prisão.
Os dois jornalistas foram atraídos para um encontro com policiais, os quais entregaram os documentos secretos. Pouco depois, os dois jornalistas foram presos por outros policiais.
Os jornalistas e seus advogados insistiram que estavam apenas fazendo seu trabalho como repórteres, que nunca tiveram a oportunidade de ler os documentos antes de serem detidos e que não planejavam compartilhar segredos de Estado.
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Wa Lone e Kyaw Soe Oo foram agraciados com várias honrarias e prêmios por sua investigação sobre o massacre de 10 muçulmanos Rohingya, a história em que eles estavam trabalhando no momento de sua prisão – inclusive o Prêmio Pulitzer de reportagem internacional, a maior honraria do jornalismo, que eles conquistaram em abril.
Seus colegas da Reuters postaram vídeos e fotos dos dois jornalistas saindo dos portões da prisão de Insein, em Yangon, nesta terça-feira, carregando uma única bolsa com seus poucos pertences, sorrindo. Imediatamente eles foram cercados por uma multidão de câmeras e espectadores.
"Estou muito feliz e animado para ver minha família e meus colegas", disse Wa Lone em comentários breves sobre sua libertação, agradecendo a todos ao redor do mundo que ajudaram a garantir sua liberdade. "Mal posso esperar para voltar à redação".
Eles foram libertados devido a uma anistia presidencial, que liberou mais de 6.000 presos nesta terça-feira. Quase todos os meios legais para a sua libertação foram esgotados e os advogados da dupla disseram que desistiram do sistema judicial depois que o mais alto tribunal de Mianmar rejeitou seu recurso no final do mês passado.
A libertação foi imediata e amplamente celebrada em todo o mundo. O editor-chefe da Reuters, Stephen J. Adler, disse em um comunicado que a agência de notícias está "muito satisfeita" que eles tenham sido libertados.
"Desde suas prisões, 511 dias atrás, eles se tornaram símbolos da importância da liberdade de imprensa em todo o mundo. Nós agradecemos seu retorno", disse ele.
Suzanne Nossel, chefe executiva da PEN America, organização sem fins lucrativos que defende o avanço da literatura e dos direitos humanos, disse que os jornalistas provaram sua "coragem".
Estes são "jovens que agora se provaram jornalistas de renome mundial, têm carreiras longas e importantes pela frente, levando a cabo o trabalho essencial de responsabilizar o novo governo de Mianmar e manter o público do seu país informado", disse ela. "Eles devem agora ser autorizados a retornar ao seu trabalho sem impedimentos."
Liberdade de imprensa
Wa Lone, 33 anos, é pai de uma menina que nasceu enquanto ele estava preso. Kyaw Soe Oo, 29 anos, também tem uma filha pequena. Suas esposas recorreram repetidamente ao governo de Mianmar para que perdoasse seus maridos.
Os dois jornalistas tornaram-se um símbolo da esperança e promessa democrática de Mianmar, sob o comando de sua líder civil, ganhadora do Prêmio Nobel. Ambos cresceram durante os dias sombrios do governo militar de Mianmar e trabalharam como repórteres durante a dramática transição do país para um governo liderado por civis. Esperava-se que o governo de Suu Kyi acabasse com a detenção arbitrária de críticos do governo, prisioneiros políticos livres e impulsionasse o renascimento da mídia que o país estava experimentando na época.
No entanto, o governo dela restringiu a liberdade de expressão e continuou a usar leis arcaicas e amplamente criticadas para prender pessoas como Wa Lone e Kyaw Soe Oo. Quando foram detidos pela primeira vez, foram mantidos incomunicáveis, sem acesso às suas famílias ou colegas.
O processo arrastou-se por meses, apesar de uma série de evidências sugerindo que as alegações haviam sido criadas. Testemunhas de acusação compartilhavam detalhes absurdos durante o julgamento. Um policial chegou a dizer que queimou as suas anotações do momento da prisão e outro verificava constantemente notas escritas enquanto testemunhava.
A própria Suu Kyi também tem estado sob pressão significativa para intervir no caso e libertar os jornalistas, inclusive do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence. No entanto, ela defendeu a detenção e disse que eles não foram presos por suas reportagens, mas porque infringiram a lei.
Domesticamente, no entanto, houve menos simpatia pelos jornalistas. A crise de Rohingya dividiu Mianmar e a comunidade internacional, sendo que uma esmagadora maioria dentro do país, acreditando que a repressão foi justificada. Muitos em Mianmar foram às mídias sociais para dizer que os dois jornalistas eram traidores por exporem o massacre, com alguns sugerindo que eles foram pagos para fazer com que Mianmar parecesse ruim. Suas famílias foram sujeitas a assédio e ameaças.