Aos 26 anos, muita coisa acontecia na vida de Lilit Petrosyan, que tem mestrado em Sociologia e Pedagogia e um emprego do qual gosta, desenvolvendo recursos para o PicsArt, aplicativo bem-sucedido mundialmente, usado para manipular fotografias em redes sociais.
Seus pais, no entanto, insistiram para que ela seguisse o caminho trilhado por jovens armênios há décadas: garantir o sucesso com um Green Card ou algum outro visto de imigração e sair do país. "Eu sempre disse que não queria viver em outro país, que queria mudar este para melhor", contou Petrosyan, sentada no amplo escritório da empresa em Yerevan, a capital da Armênia, um país que pertenceu à ex-União Soviética.
Não faz muito tempo sua chance chegou, e ela se juntou, em abril, a centenas de milhares de outros manifestantes que queriam derrubar o partido no poder.
Sustentação das manifestações
Os armênios com menos de 30 anos, conhecidos como a geração da independência - pois a maioria nasceu depois que o país se dissociou da União Soviética, em 1991 – foram a espinha dorsal dos protestos. E nesse grupo amplo, os trabalhadores do setor de tecnologia provaram ser particularmente eficazes na sustentação das manifestações.
Eles usaram aplicativos de mensagens como o Telegram para coordenar os protestos; desviaram o tráfego organizando a passagem de pedestres nos cruzamentos de ruas não controlados por semáforos; doaram dinheiro para obter coisas simples, como um sistema de som e o fornecimento de água na Praça da República, o centro dos protestos.
E exibiram um tipo de mudança de marcha mental e coletiva ao se juntarem às manifestações. Perceberam que, ao agir em grupo, poderiam finalmente se livrar do controle sufocante do partido único sobre o governo e a economia que o país havia herdado da União Soviética.
"A nova geração nunca viu o comunismo; seus integrantes não crescem com fotos de Lênin, Stálin ou Brejnev. E está mais ativa. Cresceu com a internet, viu a Europa, testemunhou a democracia", disse Arsen Gevorgyan, de 44 anos, fundador da SFL, uma empresa de software.
Os países da antiga União Soviética passaram por muitas dessas "revoluções" ao longo dos anos desde que o bloco se desfez. A Ucrânia e a Geórgia, em particular, afastaram a velha guarda em mais de uma ocasião, acabando por se encontrar à deriva, muitas vezes com o incentivo do Kremlin.
Influência por democracia
Há apenas alguns anos não haveria trabalhadores da tecnologia o suficiente na Armênia para fazer a diferença; agora, porém, com pelo menos dez mil funcionários bem pagos de um setor em expansão em uma economia estagnada, eles acreditam ter influência para impor suas exigências por democracia, transparência e responsabilização.
"Ajudou a incentivar outras pessoas que viram que, se o pessoal da tecnologia estava se manifestando, não deviam ficar em cima do muro", disse Maria Titizian, editora-chefe do EVN Report, uma revista on-line.
Os números do censo são um tanto inexatos nesse pequeno país no sul do Cáucaso, mas mostram que pelo menos 370 mil pessoas emigraram na última década. O último, de 2011, quando a população era um pouco maior do que os estimados 2,8 milhões de hoje, indicou que cerca de 45 por cento dos habitantes tinha menos de 30 anos.
O pouco apego ao governo entre os jovens do setor tecnológico era inesperado, dada a sua reputação para se concentrar mais no mundo virtual do que no real.
Leia mais: Onda de protestos faz primeiro-ministro armênio renunciar
Além disso, abandonar o trabalho para protestar não é algo fácil de se explicar a empresas no exterior que haviam encomendado projetos. "É difícil dizer para o cliente: -Então, está tendo uma revolução aqui e não vai dar para trabalhar esta semana-", comentou Vahe Evoyan, 30 anos, físico e programador de computador.
Mas conforme cresciam as manifestações, muitos reconheceram que havia chegado o momento do "agora ou nunca".
Armine Hakobyan, 26 anos, especialista em marketing digital da SFL, disse que começou a pensar sobre o tipo de vida que seu filho de 1,5 ano teria se a Armênia permanecesse a mesma. "Não começou na rua; foi acontecendo na nossa mente. Percebemos que precisamos cuidar de nosso futuro", disse ela.
Livre da oligarquia
O setor de tecnologia é relativamente livre da oligarquia, o que certamente ajudou bastante. A Armênia é uma terra de monopólios, com o governo distribuindo o controle exclusivo sobre vários negócios, mas os poderes tradicionais tinham poucos meios para pressionar essa indústria.
Além disso, a revolta e o descontentamento entre os jovens vêm se formando há anos. Muitos dos manifestantes mencionaram um momento divisor de águas ocorrido dois anos atrás, depois de uma guerra de quatro dias iniciada pelo vizinho Azerbaijão, o mais recente capítulo da disputa pelo enclave na montanha de Nagorno-Karabakh.
Os oligarcas venderam para a população a ideia de que a pobreza e as estradas ruins eram sacrifícios necessários para se construir um Exército forte; só que a Armênia perdeu territórios na guerra de 2016, e houve relatos de que soldados não tinham itens básicos como munição e kits médicos.
"O governo comeu tudo o que supostamente seria usado para abastecer o Exército", disse Samvel Mkrtchyan, 24 anos, engenheiro de controle de qualidade de uma pequena startup chamada Inomma.
Conforme os jovens foram analisando mais criticamente a liderança, perceberam como o Partido Republicano, de situação, espelhava o antigo Partido Comunista, controlando os tribunais e o sistema de ensino. E era preciso se filiar a ele para chegar a ter alguma participação no governo.
Novo discurso
O setor tecnológico também se manifestou recentemente porque Nikol Pashinyan, o líder do protesto, enfatizou a não violência e rompeu com o que havia se tornado uma coreografia obsoleta das manifestações: alguns discursos padronizados em frente à casa de ópera na Praça da Liberdade e uma marcha até o Parlamento.
Pashinyan pediu uma campanha de desobediência civil em todos os lugares, e os trabalhadores de tecnologia traduziram a ideia para a linguagem da internet. Eles compararam sua estratégia ao blockchain, a tecnologia amplamente difundida por trás das moedas on-line que tentam evitar o controle do governo, ou a um ataque de negação de serviço, que trava um site quando muitos usuários tentam acessá-lo ao mesmo tempo.
"Saíamos para almoçar e não voltávamos mais, ficávamos na rua", contou Mkrtchyan.
Inabilidade do governo
O governo ajudou com uma série de respostas pouco hábeis aos protestos, que começaram em 17 de abril. Foi então que Serzh Sargsyan, o presidente desde 2008, tentou ignorar os limites de seu mandato – tornando-se primeiro-ministro sob uma nova constituição que transferia o poder político para esse cargo, depois de ter garantido que não aceitaria o posto.
Conforme os protestos iam crescendo, ele mencionou sombriamente a repetição dos acontecimentos de 1º de março de 2008, quando os soldados abriram fogo contra os manifestantes após o que muitos consideraram uma vitória eleitoral manipulada de Sargsyan, matando 10 pessoas.
Como muitos de seus pares, Petrosyan ficou ainda mais revoltado com a ameaça, o que aumentou sua urgência para protestar.
"Desde o primeiro dia que saí às ruas, compreendi que algo poderoso estava acontecendo. Entendemos que não era só uma questão de plantar uma árvore ou manter a rua limpa, mas que nosso governo está desatualizado e que precisávamos mudá-lo", disse ela.
A gerência da empresa em que trabalha, a PicsArt – onde a idade média dos 350 funcionários é de 24 anos e cerca de metade deles é mulher –, e a de muitas outras empresas, viam as mesas vazias e aceitavam o inevitável.
Companhias com centenas de empregados, como a Synopsys, deram a seus trabalhadores permissão para sair, assim como as menores.
Ninguém tinha certeza de que os protestos teriam sucesso. "No começo não entendíamos as demandas do processo ou aonde ele estava nos levando, mas eu realmente quero ficar aqui e dar o melhor de mim para mudar tudo ao meu redor", disse Mher Sargsyan, 28 anos, principal engenheiro de software da SFL.
Deixe sua opinião