A camiseta estilizada com o rosto de Che Guevara usada por Roberto Cedeño, 20, destoava do perfil dos demais jovens cubanos reunidos em uma praça de Havana para se conectar ao wifi público, mas não gratuito, na tarde do último sábado (14).
Uma conversa rápida já mostraria que o visual -longe da composição com boné, enormes fones de ouvido e correntes inspirada nos rappers americanos- não é a única coisa que distingue o universitário da maioria dos jovens de sua geração.
Cedeño é secretário da filial da UJC (União de Jovens Comunistas) no curso de matemática da Universidade de Havana e se diz interessado na transição que ocorrerá na próxima quinta (19), com a saída do ditador socialista Raúl Castro da presidência do Conselho de Estado -e a ascensão ao posto por Miguel Díaz-Canel.
Ele, no entanto, reconhece e lamenta ser parte de uma minoria que escapa da apatia política.
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“Os jovens estão perdendo a esperança. Em sua maioria, eles fazem parte de famílias que se sacrificaram nos últimos anos e não viram os resultados concretos desse sacrifício”, diz à reportagem.
Entre os que viveram, na infância, a grande crise na ilha após o fim da União Soviética, a falta de entusiasmo com a ditadura dos Castro vem desde muito cedo. Entre os jovens que nasceram já no fim da década de 90, o que se vê é uma completa falta de conexão com o regime ditatorial.
Cedeño está nessa última faixa etária, mas vem de uma família que sempre acreditou na revolução comunista.
“Considero que tenho uma dívida com meus pais, que sempre defenderam o acesso universal à educação e à saúde, que foram conquistas da revolução. Faço parte do grupo que quer que [o regime] dê certo”, disse.
Menos militantes
Ele calcula que só entre 20% e 25% dos estudantes do seu curso estão inscritos na UJC, que faz parte da estrutura do Partido Comunista. Segundo o universitário, há dez anos, cerca de 95% faziam parte da organização.
Pelos números oficiais, em todo o país -que tem 11 milhões de habitantes-, 500 mil jovens militam na UJC.
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O estudante admite, contudo, que a grande maioria de seus colegas está mais interessada em como vai ganhar dinheiro quando deixar a faculdade. Nem há sequer disposição para tentar contestar aquilo com o que não concordam no governo.
A preocupação é escapar do universo estatal que ainda domina a ilha e paga em pesos cubanos, equivalentes a quatro centavos do peso conversível, que tem paridade com o dólar e circula no setor de turismo. Outros têm como meta simplesmente deixar Cuba.
Sem espaço
No Malecón, avenida costeira que se estende por 7 quilômetros, um jovem de 27 anos que diz trabalhar com turismo e pede para não ser identificado declara não se interessar por quem sucederá Castro.
“Vai ser igual. As pessoas da minha geração vão continuar sem poder falar. Não há espaço para mudança”, relata o rapaz.
O estudante de cinema Alejandro Yero, 29, credita a “completa apatia” vista entre os jovens ao “discurso desconectado da realidade” feito pelo governo.
“São palavras que se repetem há 60 anos e cujo objetivo principal é a manutenção de um sistema de coisas e de ideias completamente alheio a mim e aos meus amigos, por exemplo”, diz.
Yero, que está terminando um documentário cujo tema central é a palavra, teve pedidos de acesso a locais como a Assembleia Nacional negados pelo regime durante a produção do filme.
“Essa era a minha forma de participar politicamente em algo. Meu único poder é o meu olhar, mas sequer a chance de mostrar isso me deram”, disse o estudante.
Segundo ele, o desestímulo dos jovens se deve à falta de instrumentos para participar do debate político. “Os instrumentos e as instituições que existem não têm nada a ver conosco, estão completamente desconectados.”
Para ele, é evidente que os jovens cubanos estão cada vez mais determinados a “encontrar os próprios espaços” para construir suas vidas. “E o que está acontecendo em Cuba é que os caminhos da política e os caminhos das pessoas estão cada vez mais separados.”