O jovem político que lidera os esforços para derrubar o líder autoritário da Venezuela defendeu uma "relação transparente" com a China, um importante investidor no país, dizendo que quaisquer acordos feitos com o regime de Nicolás Maduro seriam honrados desde que fossem cumpridos legalmente.
Juan Guaidó, líder da Assembleia Nacional, está na dianteira de um esforço para derrubar Maduro, que, com seu controle sobre os militares e os tribunais, encabeçou repressões contra manifestantes e a oposição e esvaziou a economia da Venezuela. As condições desesperadas para as pessoas comuns que lutam com a disparada de preços e falta de energia estimularam uma das maiores migrações em massa dos tempos modernos.
"Eu serei muito claro: todos os acordos que foram assinados de acordo com a lei serão respeitados", disse Guaidó em uma entrevista por escrito. "Se acordos prévios foram assinados aderindo ao devido processo de aprovação pela Assembleia Nacional, eles serão aceitos e honrados."
Leia também: Embate retórico entre Trump e Maduro potencializa riscos de uma guerra civil na Venezuela
Guaidó tem o apoio de países como os EUA e o Brasil, e está tentando impedir o acesso de Maduro a fundos, principalmente de exportações de ouro e petróleo e receitas de empresas dominadas pelo Estado. A China é um dos maiores investidores na Venezuela e, apesar de ter sido um aliado de administrações socialistas que remontam a Hugo Chávez, Guaidó a descreveu como tendo sofrido com a corrupção e a má administração financeira de Maduro.
"Queremos estabelecer um relacionamento transparente com a China e acabar com a pilhagem de nossos recursos que prevaleceu sob o governo de Maduro, que também afetou os investidores chineses", disse ele. "Os projetos de desenvolvimento da China na Venezuela têm caído à medida que foram afetados e destruídos pela corrupção ou inadimplência da dívida."
A postura da China e da Rússia é crucial para a capacidade de Maduro de manter o poder. Os países preencheram o vácuo de investimento e segurança causado pelo distanciamento entre Washington e Caracas que já dura décadas. Mas o interesse americano emergente torna as coisas mais complicadas.
A Rússia tem apoiado fortemente Maduro, enquanto a China tem sido mais ambígua, na maioria das vezes citando uma política de longa data de não-interferência nos assuntos de outros Estados.
Questionado três vezes na semana passada se a China ainda via Maduro como presidente da Venezuela, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Geng Shuang, simplesmente observou que um enviado especial do presidente Xi Jinping participou de sua posse em janeiro. Na sexta-feira, Geng disse que a China "manteve uma comunicação próxima com todas as partes" e que os laços "não devem ser prejudicados, não importa como a situação evolua".
Leia também: Governo dos EUA quer secar fonte de dólares de Maduro. E isso afeta o preço do petróleo
A China é o segundo maior importador de petróleo bruto do país, mas recebe seus barris como pagamento de dívidas. A Venezuela não conseguiu enviar petróleo suficiente para cumprir suas obrigações nos últimos anos, à medida que sua produção despencou e os preços do petróleo caíram.
Pequim investiu mais de US$ 62 bilhões na Venezuela, principalmente por meio de empréstimos, desde 2007. No ano passado, importou 3,6% de seu suprimento de petróleo do país, ante pouco mais de 5% em 2017. No meio de uma crise financeira em setembro passado, Maduro voou para Pequim para ganhar uma linha de crédito de US$ 5 bilhões de sua "irmã mais velha" China. As gigantes da tecnologia chinesa Huawei Technologies Corp. e ZTE Corp. investiram pesadamente no país.
Nem todo mundo vê o comportamento de Pequim como benigno. Ricardo Hausmann, um aclamado economista venezuelano e conselheiro de Guaidó, que dirige o Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, chamou o Banco de Desenvolvimento da China de "vergonha".
Ainda assim, a China mostrou-se capaz de navegar fazendo negócios em lugares que antes eram difíceis. E provavelmente aprendeu lições do Sri Lanka, da Malásia e das Maldivas, onde se aproximou de líderes autoritários para depois ser surpreendida por rápidas mudanças de poder que incluíram novos governos lançando projetos financiados pela China e seus empréstimos.
Embora os investimentos geralmente tenham objetivos estratégicos, os líderes de Pequim também são pragmáticos, e uma mudança de liderança que causou perdas para a China seria acessível para a economia de US$ 12 trilhões.
"A China está em um modo de esperar para ver", disse Pang Zhongying, ex-diplomata chinês e professor de relações internacionais na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. "As pessoas não devem presumir que a China dará uma mão com base apenas na similaridade dos sistemas socialistas".
A ajuda humanitária viria em resposta a uma mudança no governo, e instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial provavelmente desempenhariam um papel – enquanto os EUA ajudariam a facilitar o financiamento – mas a economia da Venezuela exigiria fundos para infraestrutura que provavelmente não gerariam retorno por algum tempo. É aí que a China, com seus grandes recursos financeiros e horizonte de longo prazo, poderia entrar.
"Qualquer governo venezuelano reconhecerá o valor insubstituível da China como um grande cliente", disse Mei Xinyu, pesquisador sênior da Academia Chinesa de Comércio Internacional e Cooperação Econômica, afiliada ao Ministério do Comércio. "Os empréstimos da China são mutuamente benéficos para ambos os lados".
A Rússia, ao contrário, provavelmente não pode se dar ao luxo de manter seus investimentos abertos e já tem alguns pagamentos atrasados do regime atual.
"Há muito trabalho a fazer nesse sentido e queremos continuar trabalhando de perto com a China", disse Guaidó, referindo-se à reconstrução. Ele citou setores como petróleo e mineração, além de indústria leve e montagem.
"Com a reativação da produtividade de nosso país, vemos uma cooperação com a China como uma oportunidade, e não uma ameaça", acrescentou. "Estamos prontos para iniciar um relacionamento construtivo e um diálogo com a China o mais rápido possível".
Guaidó não confirmou se houve algum contato com Pequim, apenas disse que gostaria de se reunir com autoridades "no menor tempo possível para relançar nosso relacionamento". Uma pessoa em Caracas com conhecimento das interações disse que já houve algum contato com a embaixada chinesa.
Essas conversas se concentram em um compromisso de honrar as dívidas com a China, além das necessidades de reconstrução da Venezuela, disse a pessoa, pedindo para não ser identificado para falar sobre conversas privadas.
Leia também: Dezenas de milhares protestam contra regime de Maduro
O contato está sendo feito com cuidado, acrescentou a pessoa, porque o foco de Guaidó está em seu relacionamento com os EUA, que vê a presença da China na região com suspeita. O presidente Donald Trump aumentou as tensões comerciais com a China desde que chegou ao poder, levando Pequim a alegar que os EUA estão cada vez mais tentando contê-la.
"Se o regime vai mudar de forma rápida e pacífica, vai depender se o governo de Guaidó apoiado pelos EUA reconhece os empréstimos feitos sob o governo passado", disse Gui Chenxi, analista de petróleo da CITIC Futures. "Por enquanto, Guaidó sinalizou que os pagamentos serão mantidos, mas os Estados Unidos provavelmente farão as decisões se ele assumir o cargo."
Guaidó descreveu os EUA como um defensor comercial e um importante aliado no esforço para expulsar Maduro. "As relações bilaterais são estabelecidas com base no respeito mútuo e nosso relacionamento com os EUA é histórico", disse ele.
Mesmo assim, ele acrescentou que "o fato de termos relações consolidadas com outras nações não significa que não possamos nos abrir para estabelecer relações com outras nações".
"Vivemos em um mundo interconectado, onde todas as nações têm seu próprio potencial", disse Guaidó. "Dentro desse espaço, a China tem um papel importante a desempenhar devido às suas capacidades e flexibilidade como parceiro comercial".