Encontro das famílias Trudeau e Obama| Foto: Premier Ministre du Canada/

Enquanto o mundo desenvolvido flerta cada vez mais com a direita e com o conservadorismo, tanto na Europa como nos EUA do pré-candidato republicano Donald Trump, os canadenses fizeram o caminho contrário – e parecem felizes com isso. Após seis meses de governo, o país ainda segue em lua de mel com Justin Trudeau, o jovem primeiro-ministro que é a antítese de seu antecessor e a toda hora é comparado com o uruguaio José Mujica e com o americano Barack Obama.

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Apesar de ter dado um novo discurso para o país, ele ainda tem grandes desafios, como na economia e nos interesses da poluidora indústria extrativista canadense, que contrasta com seu empenho em favor do meio ambiente. Sua visão mais aberta às relações internacionais e ao debate de temas como eutanásia e direitos indígenas o ajudaram a manter a popularidade em alta. Segundo o instituto Ipsos, 66% dos canadenses aprovam o governo Trudeau - nada mal para quem obteve, em outubro, a maioria do Parlamento, mas com apenas 39,5% dos votos em seu partido.

“A maior conquista de Trudeau tem sido mudar o tom do governo e fazê-lo parecer mais ágil, aberto e transparente. Isso ainda pode ser uma lua de mel, mas há uma sensação de que o novo governo está disposto a se envolver com a sociedade civil de uma forma mais significativa e construtiva”, afirmou Dane Rowlands, diretor do Norman Paterson School of International Affairs, de Ottawa.

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O contraste com seu antecessor, Stephen Harper – que comandou o país por quase dez anos e era chamado de “George W. Bush canadense” – é total. Enquanto o conservador negava as mudanças climáticas, entrou nas guerras americanas no Oriente Médio e adotou uma política tributária que acabou ampliando a desigualdade (para os padrões canadenses), Trudeau se firma como novo ícone da esquerda global. Ao receber pessoalmente refugiados sírios e ir a Nova York no mês passado assinar o acordo climático celebrado pela ONU em dezembro em Paris, ajudou a dar uma nova cara ao país. Trudeau não só recebeu recebeu os 25 mil refugiados, como cumpriu essa meta até fevereiro - em vez do Natal. Ele planeja agora receber até 35 mil mais este ano.

Nova geração

Trudeau é um político da nova geração. Com 4,3 milhões de seguidores nas redes sociais - metade deles no Facebook -, seu balanço dos primeiros seis meses de governo, completados em 4 de maio, foi divulgado em forma de um álbum de fotos. Ele se assemelha a Obama, com quem se encontrou em março, na primeira visita de Estado de um mandatário canadense à Casa Branca em 19 anos, em um clima de amizade explícito.

“Trudeau parece gostar de pessoas e está disposto a usar seu charme para ganhar amigos, como o presidente americano”, afirmou Gary Levy, da Universidade Carleton, em Ottawa.

O canadense de 44 anos e pai de três filhos, defende a legalização da maconha em seu país - embora o grupo de trabalho sobre este tema esteja atrasado. Quer levar o projeto de lei ao Parlamento no ano que vem, quando ele e a maior parte dos analistas espera já ter aprovada a nova regra para eutanásia. Admitindo ter fumando maconha, é comparado ao icônico líder uruguaio, sendo chamado de “Mujica do Norte”.

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Mas as semelhanças com Mujica param por aí. Filho do ex-premier Pierre Trudeau, o jovem primeiro-ministro faz parte da elite de seu país. Já viajou a mais de cem países e se sobressai nos debates globais. No Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça), roubou a cena ao defender o feminismo. Seu gabinete tem igual número de homens e mulheres - uma delas, Jody Wilson-Raybould, ministra da Justiça, é indígena. Há, também, ministros assumidamente gays, um cadeirante e muçulmanos - algo que faria Trump ter urticária, provavelmente.

Desafios

Mas nem tudo são flores. O professor Dane Rowlands afirma que talvez ele não imaginasse obter a maioria folgada entre os deputados, e fez promessas demais, imaginando que um Parlamento hostil seria a desculpa perfeita se não conseguir concluir sua agenda.

“O governo conseguiu andar numa corda bamba entre a responsabilidade fiscal (sem aumento da dívida em relação ao PIB) e uma promessa de estímulo”, afirmou o especialista da Norman Paterson School, lembrando que ele pretende investir em infraestrutura do país para gerar empregos e oportunidades.

Além disso, precisa modernizar a economia canadense: “Trudeau quer investir em inovação tecnológica de forma sem precedentes para consolidar uma economia do conhecimento. Mas isso é algo de longo prazo e seu governo deve esperar o preço do petróleo se recuperar para manter a popularidade”, disse Thomas Corrigan, pesquisador especializado em Canadá do Atlantic Council, nos Estados Unidos.

Ele vê, até agora, grande parte da popularidade de Trudeau se devendo ao contraste com o governo anterior. Um dos desafios mais difíceis é modernizar a legislação eleitoral do Canadá: “A questão agora é ver se essa mudança não será apenas superficial”, destacou.

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Até o seu discurso pacifista está sendo, aos poucos, colocado à prova: “Uma questão que embaraçou o governo é que ele aprovou a venda de US$ 15 bilhões em veículos blindados para a Arábia Saudita, apesar da situação sombria dos direitos humanos no país. E o Canadá tem uma lei que exige que tais vendas passem por uma avaliação do país destinatário”, explicou ao Globo Nelson Wiseman, diretor do Departamento Ciência Política da Universidade de Toronto.

Daniel Cerqueira, brasileiro da ONG Fundação do Devido Processo Legal (DPLF, na sigla em inglês), lembra que mais de 180 ONGs fizeram petição para que o governo canadense mude de postura e apoie mais os direitos humanos:

“O país vive um paradoxo: é um dos grandes doadores internacionais para os direitos humanos, mas tem empresas de exploração de minérios e petróleo que sistematicamente cometem irregularidades, principalmente em países pobres. Enfrentar este grupo, muito importante para a economia local, não é algo simples”, disse.

Outros pontos deste continental país de 36 milhões de habitantes, contudo, parecem ajudar Trudeau, oriundo do lado francês: “Pela primeira vez, a divisão linguística do Canadá não está causando problemas. O separatismo em Quebec está em seu ponto mais baixo em 50 anos”, afirmou Robert Bothwell, professor de história da Universidade de Toronto.

Ele não acredita que este novo momento do Canadá deva ter grandes impactos para o Brasil ou para a América Latina, talvez um pouco para o México, seu parceiro no Nafta, junto com os EUA, e um pouco para os países caribenhos.

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Quando a lua de mel acabar e as cobranças crescerem, é bom que Trudeau tenha algo a apresentar além de fotos e carisma: “Embora o Partido Conservador esteja sem um líder, ainda é forte. Há todas as razões para se pensar que os conservadores serão competitivos na próxima eleição”, afirmou Stephen Azzi, da Universidade Carleton.