Aliados do governo de Cristina Kirchner afastaram do cargo o juiz substituto Luis María Cabral, decisão que abriu uma nova crise com o poder judiciário na Argentina.
Cabral analisava temas sensíveis à presidente, como o acordo firmado com o Irã em 2011 com o propósito de tentar interrogar suspeitos pelo atentado a bomba em Buenos Aires, em 1994.
Esse pacto foi objeto de investigação do promotor Alberto Nisman, encontrado morto em janeiro em um caso ainda sem explicação. Ele suspeitava que o acordo seria apenas de fachada, para esconder interesses econômicos da Argentina com o Irã em troca de um suposto relaxamento na captura dos suspeitos.
A denúncia de Nisman foi rejeitada pela Justiça e Cabral seria um dos responsáveis por avaliar a constitucionalidade do pacto entre Argentina e Irã, tema que foi alvo de intensas críticas contra o governo argentino.
Do contra
Cabral havia decidido contra o governo não faz muito tempo. Em abril, decidiu manter a investigação do suposto esquema de desvio e lavagem de dinheiro da família Kirchner em Buenos Aires.
Uma juíza de Santa Cruz, ligada à família Kirchner, tinha tentado levar a causa para a província natal da família presidencial. O intento não prosperou.
Na última semana, Cabral foi afastado do cargo em uma votação do Conselho de Magistratura. O órgão, composto por juízes, políticos e acadêmicos, criado pela constituição argentina de 1994, decidiu pela sua saída. A maioria dos integrantes é aliada do governo e Cabral, alegaram eles, estava há muito tempo no cargo como juiz substituto (desde 2011).
Quem assumiu a sua vaga na sala 1 do Tribunal de Cassação Penal (uma espécie de segunda instância) foi o advogado Cláudio Vázquez, que seria ligado a políticos kirchneristas.
Acusações
A partir daí, trocas de acusações dominaram o cenário político argentino. O deputado Gustavo Valdes, do opositor partido radical e membro do Conselho de Magistratura, denunciou que seu voo de Resistência a Buenos Aires, no dia da votação que definiria o futuro de Cabral, foi cancelado sem motivo.
Ele desconfia que tenha sido uma manobra para evitar seu voto de apoio ao juiz. A Aerolineas Argentinas, empresa controlada pelo governo e responsável pela rota, nega a acusação e afirma que o mau tempo provocou o cancelamento do voo.
Nesta terça (30), a Suprema Corte rejeitou uma tentativa do promotor do caso Irã, Raul Plée, de restabelecer Cabral no julgamento.
Segundo a mais alta corte argentina, não cabia aos juízes arbitrar sobre o tema como uma espécie de supervisor do judiciário. Assim, a situação ficou congelada.
Marcha
Insatisfeitos, os juízes organizam agora uma manifestação prevista para a próxima terça (7), a favor da independência do poder judiciário.
Não seria a primeira marcha de integrantes da Justiça em desaprovação ao governo de Cristina Kirchner neste ano. A primeira -- e maior delas -- ocorreu a um mês da morte de Nisman.
Pesquisadora do Cippec (Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Igualdade e o Crescimento), Sandra Elena afirma que o caso Cabral é consequência de um “mau desenho institucional” do conselho de magistratura e das normas que regulam o trabalho dos juízes substitutos.
Segundo ela, um terço dos juízes argentinos hoje são substitutos, ou seja, não passaram pelos trâmites requeridos pela constituição argentina. “Isso é um terreno muito fértil para manipulações indevidas”, afirma.
Elena observa que já houve uma decisão da Justiça contra o regime, mas o governo (e os legisladores) seguem ignorando a decisão.
“O caso Cabral é mais um capítulo dessa história problemática criada por um desenho institucional incorreto e por uma falta de acordo político sobre como solucioná-la”, diz ela.
Elena faz parte de um grupo de especialistas que está preparando uma série de sugestões para aperfeiçoar o funcionamento do judiciário e sua relação com os demais poderes.