Um projeto de lei do estado americano do Alabama, que aguarda a assinatura da governadora, exigiria que pessoas condenadas por certos crimes sexuais passassem por "castração química" como condição de liberdade condicional – uma exigência com o objetivo de impedir que os perpetradores cometessem crimes semelhantes.
A medida, aprovada pelo Legislativo, diz que um juiz deve ordenar que qualquer pessoa condenada por um crime sexual envolvendo uma criança com menos de 13 anos comece a receber medicação para inibir a testosterona (o principal hormônio sexual masculino) um mês antes de ser libertada da prisão. A maioria dos infratores teria que pagar pelo tratamento, que seria administrado pelo Departamento de Saúde Pública, até que um juiz decidisse que a medicação não seria mais necessária.
Segundo a lei proposta, um juiz – e não um médico – falaria ao autor do crime sobre os efeitos do tratamento. O criminoso poderia optar por parar de receber a medicação e voltar para a prisão para cumprir o restante da pena. Qualquer pessoa que deixe de receber o tratamento sem aprovação será considerada culpada de um crime de Classe C, punível pela lei do Alabama com até 10 anos de prisão e multa de até US$ 15 mil.
"Castração química" é um termo errôneo, uma vez que o procedimento deixa os testículos intactos, pode ser revertido e não impede que um homem se reproduza. O procedimento não garante que o desejo sexual de um homem seja eliminado. Não há consenso sobre se o tratamento seria eficaz para as mulheres.
Especialistas alertam que o tratamento não é uma panaceia e deve ser usado com cautela; existem poucos estudos que tentam determinar a taxa de sucesso do tratamento. Alguns desses estudos mostram sucesso em infratores que têm desejo sexual que envolvem crianças. Outros não encontraram nenhum efeito significativo.
O deputado republicano Steve Hurst, que apresentou o projeto, não respondeu a um pedido de comentário. Ele disse ao canal CBS 42 que algumas pessoas lhe disseram que a castração química obrigatória é desumana.
"Eu perguntei a eles: 'O que é mais desumano do que quando você pega uma criança pequena e a molesta sexualmente quando a criança não pode se defender ou fugir, e elas têm que passar por todas as coisas pelas quais têm que passar?'". Hurst disse ao canal de notícias.
Lori Jhons, uma porta-voz da governadora republicana Kay Ivey, disse na quarta-feira (5) que o gabinete da governadora ainda estava decidindo se Ivey assinará o projeto. A próxima cerimônia de assinatura estava marcada para esta quinta-feira, mas o projeto de castração química não estava na lista de legislações que Ivey planejava assinar neste dia.
Esta não é a primeira vez que Hurst propôs alguma versão de uma lei de castração. Seu projeto de lei em 2011 exigiria a castração cirúrgica – remover partes dos testículos – para pessoas condenadas por crimes sexuais envolvendo crianças com menos de 13 anos, de acordo com o jornal local The Anniston Star.
Agressores conhecidos
Mais de 57 mil crianças nos Estados Unidos sofreram abuso sexual em 2016, de acordo com a Rede Nacional de Estupro, Abuso e Incesto. Em 93% dos casos, as crianças conheciam seus agressores.
Sete estados e territórios dos EUA – Califórnia, Flórida, Guam, Iowa, Louisiana, Montana e Wisconsin – permitem que alguns criminosos sexuais sejam forçados a tomar drogas que suprimem a testosterona como condição de sentença, liberação ou supervisão. Um legislador republicano em Oklahoma propôs uma lei no ano passado que pretendia autorizar o tratamento no estado, mas a medida não foi aprovada.
Frederick Berlin, diretor do Instituto Nacional para o Estudo, Prevenção e Tratamento do Trauma Sexual, disse que drogas que suprimem a testosterona produzem "baixas taxas de reincidência" em pessoas cujos comportamentos abusivos eram motivados por sua atração sexual por crianças. A dosagem dependeria da droga supressora de hormônios específica, disse Berlin, mas todas as drogas de castração química funcionariam apenas enquanto a pessoa continuasse tomando a droga.
Os efeitos colaterais do tratamento podem incluir depressão, osteoporose e anemia. Outros possíveis efeitos colaterais incluem anafilaxia (reação alérgica grave), insuficiência renal ou insuficiência cardíaca, dependendo da medicação utilizada.
Constitucionalidade
Leis que exigem a castração química se depararam com questões de constitucionalidade. John Stinneford, professor de direito da Universidade da Flórida, argumentou em um documento legal em 2006 que o tratamento é "inadmissivelmente cruel" e estaria sob a proibição da Oitava Emenda de "punições cruéis e incomuns".
A Suprema Corte, no entanto, baseia sua definição de "cruel e incomum" em um teste de “padrões evolutivos de decência", disse Stinneford ao The Washington Post. Esse processo, segundo ele, significa que se o público odeia ou teme fortemente um grupo de pessoas, é provável que o tribunal apoie a maioria das punições impostas a eles.
Mesmo se a castração química for permitida, Stinneford disse que ela poderia falhar em reabilitar os infratores porque alguns dos efeitos colaterais do procedimento são muito desagradáveis. Os criminosos em liberdade condicional podem decidir fugir da supervisão para evitar tomar o medicamento, o que os tornaria uma ameaça pública maior, disse Stinneford.
"Parece mais um gesto simbólico que pode na verdade comprometer a segurança pública", disse ele, "ao invés de ser uma medida que realmente promova [a segurança]".
Randall Marshall, diretor executivo da União Americana pelas Liberdades Civis do Alabama, disse que sua organização considera a castração química inconstitucional por outros motivos, como o devido processo legal e o direito à privacidade. Alterar o corpo de alguém através de tratamento forçado constitui uma experimentação médica não permitida, disse ele.
Leis semelhantes aprovadas em outros estados para exigir castração química são raramente usadas, disse Marshall. Reduzir o desejo sexual de alguém não impede necessariamente a reincidência, disse ele, porque a libido não é o único fator motivador por trás do abuso sexual. "Eu acho que a agressão sexual sempre foi mais do que apenas sexo", disse Marshall. "É uma questão de poder, é uma questão de exercer controle sobre outra pessoa e uma variedade de outras coisas.