Em Kennesaw, uma pequena cidade de 32 mil habitantes no estado da Geórgia, nos Estados Unidos, vigora desde 1982 uma lei de posse de armas que certamente agradaria a muitos brasileiros: ela exige que cada chefe de família mantenha uma arma de fogo em casa.
Criada com o objetivo de reforçar a segurança dos moradores e fixada no Artigo II, Seção 34-21 da legislação local, a lei, segundo autoridades de Kennesaw, também visa desestimular a criminalidade.
Embora nunca tenha sido rigorosamente aplicada — não há registros de prisões ou multas por descumprimento da lei —, ela continua vigente e, de certa forma, ajuda a moldar a identidade da cidade. A legislação não atinge aqueles que possuem algum tipo de deficiência mental ou física, condenações por crimes ou que seguem alguma religião que proíbe tal prática.
“Não vamos bater na porta de ninguém pedindo para ver sua arma”, esclareceu à BBC o prefeito de Kennesaw, Derek Easterling (sem partido). No entanto, ele também destacou: “[Esta] não é uma lei simbólica”.
Lei de posse de armas reflete cultura local de autodefesa
Para muitos moradores, a lei representa mais do que uma simples formalidade: é vista como uma garantia de proteção e um reflexo da cultura local de autodefesa.
Blake Weatherby, morador e funcionário de uma igreja local, afirmou que o que realmente mantém a criminalidade baixa em Kennesaw não é a posse da arma em si, mas a atitude das pessoas em relação à segurança.
“Não importa se é uma arma, um garfo, um punho ou um salto alto. Nós protegemos a nós mesmos e aos nossos vizinhos”, disse ele à BBC.
Os dados corroboram a percepção de segurança. Segundo estatísticas locais, Kennesaw não registrou nenhum homicídio em 2023 e, ao longo dos últimos anos, manteve uma das menores taxas de crimes violentos da região.
Em 2024, os índices de criminalidade em Kennesaw ficaram bem abaixo da média nacional. Enquanto a taxa de crimes violentos na cidade foi de 9,7, a média nos Estados Unidos chegou a 22,7. Da mesma forma, os crimes contra a propriedade apresentaram uma taxa de 25,6 em Kennesaw, comparados a 35,4 no restante do país.
Para os defensores da lei, a medida serve como exemplo de que comunidades armadas podem ser mais seguras. De fato, segundo a CNN, Kennesaw já recebeu ligações de outras cidades — e até de outros países, como a Noruega — interessadas em entender melhor como a legislação funciona na prática.
"Se você vai cometer um crime em Kennesaw e é o criminoso – vai arriscar que aquele morador seja um cidadão que segue a lei?" perguntou o prefeito Easterling à CNN em 2018.
Kennesaw não está sozinha nessa peculiar abordagem. Outras cidades americanas, como Nelson, na própria Geórgia, e Virgin, em Utah, aprovaram leis semelhantes, embora, assim como em Kennesaw, elas não sejam rigidamente aplicadas.
Cultura armamentista impulsiona negócios locais
Além de garantir a segurança, a cultura armamentista em Kennesaw também impulsiona os negócios locais. Um exemplo é a loja Deercreek Gun Shop, administrada por três gerações da família Rabun. O estabelecimento vende desde armas modernas até raridades históricas, como rifles Winchester do século 19.
“O legal das armas”, comentou à BBC James Rabun, atual gerente da loja, “é que as pessoas as compram para defesa pessoal, mas muitas também as veem como peças de arte ou investimentos”.