A aprovação na última semana da Lei de Regularização de Organizações Não Governamentais (ONGs) na Venezuela, proposta ao Parlamento pelo regime de Nicolás Maduro, pode aumentar ainda mais a repressão estatal contra opositores e críticos do chavismo, bem como intensificar o controle sobre informações no país.
A legislação, composta por 39 artigos, exige que todas as ONGs, tanto nacionais quanto internacionais, sejam registradas pela ditadura de Caracas e submetam suas atividades à supervisão estatal. Ela foi descrita por críticos e opositores como a nova arma do regime de Maduro para consolidar ainda mais o seu poder sobre a informação e para silenciar, de uma vez por todas, as vozes dissidentes que ainda residem em solo venezuelano, fortalecendo a censura e a vigilância sobre atividades das únicas entidades que ainda fiscalizam abusos perpetrados por Caracas.
Conforme a legislação, que está aguardando a promulgação de Maduro para entrar em vigor, as ONGs agora terão que obter uma autorização prévia do regime para realizar qualquer tipo de atividade, o que pode limitar severamente a capacidade delas de operar de forma independente. Além disso, as ONGs devem também reportar, de forma detalhada, todas as suas operações financeiras, algo que pode ser usado para intimidar e restringir de vez a já pouca liberdade de ação que as organizações possuem.
O Artigo 15 desta lei proíbe a promoção de "fascismo, intolerância, ódio ou qualquer ato que constitua incitação à discriminação e violência", algo que pode ser problemático, dado que as autoridades do regime venezuelano já classificam muitas vozes críticas a Maduro como pessoas que propagam um “discurso de ódio, terrorista e fascista”. Os Artigos 28 e 29 desta lei preveem a dissolução de ONGs que publicarem informações consideradas “violentas ou envolvidas em atividades políticas”, algo que o regime poderia colocar em prática a qualquer momento, já que considera qualquer denúncia sobre repressão feita contra seus críticos como uma ação "violenta e política" para atacar o ditador.
Deborah Van Berkel, ativista pelos direitos humanos e membro da comunidade Ideas por la Democracia, disse ao site Efecto Cocuyo que a lei de Maduro representa uma ameaça significativa para a sociedade civil na Venezuela. Segundo Van Berkel, a legislação restringe a capacidade das organizações de atuar de maneira autônoma e fecha ainda mais o espaço cívico, o que é crítico em um contexto onde as garantias constitucionais já estão amplamente suspensas.
“Esta lei afeta toda a sociedade venezuelana e por isso a chamamos de 'Lei Antissociedade'. Qualquer organização, não apenas as organizações tradicionalmente conhecidas como ONGs, mas qualquer organização social, pode ser dissolvida sem as devidas garantias para sua defesa”, disse Van Berkel.
Padrão em regimes autoritários atuais
A lei aprovada na Venezuela segue uma tendência observada em outros países autoritários, como Rússia, Belarus e Nicarágua, cujos regimes têm implementado também regulamentações semelhantes para restringir a atuação das ONGs. Na Nicarágua, a ditadura de Daniel Ortega já fechou, em um único dia, mais de 1,5 mil ONGs. Atualmente, todas as organizações que denunciam as ações repressivas do sandinismo estão fora do país e resgatam informações locais e denúncias por meio de pessoas independentes que ainda residem no país centro-americano.
Essas leis aprovadas em países autoritários servem sempre para serem utilizadas como uma via “legal” para silenciar a sociedade civil e controlar as vozes críticas. Atualmente, as ONGs e os opositores reunidos na Plataforma Unitária Democrática (PUD) são os únicos na Venezuela que ainda divulgam relatórios sobre as contínuas violações de direitos humanos perpetradas por Caracas contra opositores e a população.
A ONG Provea, que tem parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU) e documenta casos de repressão comandados por Maduro - neste momento investigados no Tribunal Penal Internacional (TPI) - emitiu um comunicado logo após a aprovação da lei, dizendo que ela “visa, finalmente, controlar até o menor aspecto da vida das pessoas e do país”.
"Alertamos a comunidade internacional para essa lei, que vai aumentar a perseguição às vozes dissidentes e silenciar o espaço cívico", disse a Provea.
A Anistia Internacional também condenou a lei, alegando que ela viola direitos fundamentais de associação e participação pública. Ana Piquer, diretora para as Américas da organização, destacou que a lei pode resultar em uma repressão ainda maior às organizações de direitos humanos e comunitárias, colocando em risco a continuidade do trabalho dessas entidades e dificultando a assistência às vítimas.
“A aprovação desta lei coloca em risco a existência e o funcionamento das organizações comunitárias, humanitárias e de direitos humanos, com artigos ambíguos que poderiam servir de base para sancioná-las de forma desproporcional e até para ilegalizá-las arbitrariamente de maneira massiva”, disse Piquer em um texto divulgado no site da organização.
“A intenção com a aprovação desta lei é impedir que a sociedade civil venezuelana continue acompanhando as vítimas, prestando assistência que as autoridades não são capazes de fornecer e denunciando a crise humanitária complexa em que o país está mergulhado, assim como os possíveis crimes contra a humanidade orquestrados pelo governo de Nicolás Maduro”, acrescentou Piquer.
Brian Nichols, subsecretário para Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado dos EUA, criticou a lei. Ele disse que matéria isola ainda mais o regime de Nicolás Maduro da comunidade internacional e enfraquece a já frágil democracia venezuelana ao restringir a participação cidadã.
“A nova lei de Maduro e seus representantes para controlar as ONGs venezuelanas é um ataque direto contra a sociedade civil e a liberdade de associação, mina a democracia e impede a participação cidadã nos espaços cívicos. Esta ação apenas isolará ainda mais Maduro da comunidade mundial”, disse Nichols em sua conta no X.
Após a aprovação da lei contra as ONGs, o regime chavista também busca passar no Parlamento, sobre o qual tem controle, outra legislação considerada repressiva por opositores: a chamada “lei antifascista”.
Composta por 30 artigos, esta legislação busca punir atos considerados pelo regime de Maduro como “fascistas, neofascistas ou similares”, com penas que variam de multas à dissolução de organizações e até mesmo longos períodos de prisão.
Opositores afirmam que as definições amplas sobre “fascismo” e a possibilidade de interpretação arbitrária por parte do regime de Caracas podem transformar a medida em mais um instrumento de censura e repressão institucionalizada, que poderá restringir de forma ainda mais severa a liberdade de expressão e de associação no país.
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