Na manhã de domingo, 5 de novembro, Devin Patrick Kelley abriu fogo contra os fiéis da Primeira Igreja Batista em Sutherland Springs, no Texas. O ataque resultou na morte de 26 pessoas, incluindo uma mulher grávida e várias crianças.
Um homem que vivia próximo da igreja ouviu os disparos, pegou sua própria arma e perseguiu Kelley. O atirador foi encontrado morto em sua caminhonete a cerca de 12 quilômetros da cena do crime, e não ficou claro se foi ele ou o seu perseguidor o autor do tiro resultante em sua morte.
Assim como todo assassinato em massa que ganha as manchetes, as notícias foram seguidas por pedidos imediatos aos legisladores para que “fizessem algo”. Com frequência, esses pedidos são feitos baseados em um conhecimento limitado das restrições armamentistas existentes, da jurisprudência constitucional e dos fatos em si sobre aquele tiroteio específico.
Então, qual é o atual estado da legislação no que concerne à posse de armas de fogo? O que sabemos – e o que não sabemos – sobre Kelley e sua arma? Esse tiroteio poderia ter sido prevenido se o Congresso tivesse apenas “feito algo” além do que já foi feito?
As deficiências das atuais leis americanas sobre armas de fogo
A Segunda Emenda diz que: “Sendo uma milícia bem-regulada necessária para a segurança de um estado livre, o direito das pessoas de manter e carregar armas não será violado”.
A Suprema Corte afirmou repetidamente que esse direito pertence a cidadãos individuais, está assentado no direito natural de autodefesa e é aplicável aos estados através da 14ª Emenda.
No entanto, o direito previsto na Segunda Emenda não é ilimitado e pode estar sujeito à regulação e restrição. Uma das restrições mais comuns ao direito da Segunda Emenda é a proibição a algumas classes de indivíduos da posse de armas de fogo por representaram algum perigo para eles próprios ou para outras pessoas.
A lei federal dominante em relação às restrições de armas de fogo é a nº 18, parágrafo 922, que barra a posse de armas de fogo para nove diferentes categorias de indivíduos, incluindo: aqueles condenados a mais de um ano de prisão em qualquer instância por um crime passível de punição; aqueles desligados desonrosamente do serviço militar; aqueles sujeitos a uma ordem judicial contra um parceiro(a) íntimo ou uma criança; e aqueles condenados por crime de contravenção por violência doméstica em qualquer instância.
A única forma de algum desses indivíduos possuir legalmente uma arma é ter seus direitos a uma arma de fogo completamente restaurados pela jurisdição que os condenou inicialmente. Para aqueles condenados por delitos ou contravenções por violência doméstica em tribunais da justiça estadual, o estado que emitiu a sentença determinará o mecanismo através do qual os direitos da pessoa de possuir e carregar uma arma podem ser restaurados.
Praticamente a metade dos estados americanos permitem a restauração dos direitos de posse de armas de fogo apenas através de um perdão emitido pelo próprio governador. Estados como Iowa e Califórnia não permitem a restauração de tais direitos para alguns tipos de crimes mesmo com um perdão.
Outros estados automaticamente restauram os direitos após um certo número de anos caso não haja outros crimes cometidos e ainda, em estados como o Texas, os direitos são automaticamente restaurados de forma limitada, permitindo a posse de apenas uma pistola e somente dentro de casa.
Indivíduos condenados em tribunais federais ou militares têm a restauração de seus direitos de possuírem uma arma de fogo como uma tarefa praticamente impossível. A Suprema Corte determinou no caso de Beecham contra os Estados Unidos em 1994 que apenas a lei federal pode restaurar os direitos civis de um criminoso federal.
No entanto, enquanto a lei federal tecnicamente prevê um mecanismo pelo qual as pessoas podem solicitar a restauração desses direitos, o Congresso não financia esse mecanismo desde 1992. Exceto com um perdão presidencial, aqueles condenados por crimes aplicáveis em tribunais federais e militares estão sujeitos a uma incapacitação perpétua de possuírem uma arma de fogo.
O que sabemos e não sabemos sobre Kelley
Kelley entrou na Força Aérea em 2010 e foi enviado para a Base Aérea de Holloman, no Novo México. Em 2012, ele foi condenado em corte marcial e sentenciado a 12 meses de confinamento em uma prisão militar por atacar sua esposa e o filho dela, em violação do artigo 128 do Código Uniforme da Justiça Militar.
O promotor chefe da Força Aérea responsável pela condenação em corte marcial de Kelley revelou que o caso era muito sério e que Kelley havia intencionalmente fraturado o crânio de seu enteado. Ele foi desligado por má conduta.
Em abril de 2016, Kelley comprou um rifle Ruger AR-556 semiautomático na loja Academy Sports & Outdoors em San Antonio, no Texas. De acordo com oficiais, Kelley indicou em documentação sobre seus antecedentes que não possuía um histórico criminal que o desqualificasse para a compra, e apresentou seu endereço como sendo de Colorado Springs, no estado do Colorado. Esta foi uma de quatro armas que ele comprou após passar pela corte marcial.
Dias antes do tiroteio, Kelley postou fotos de sua nova aquisição em sua conta do Facebook, referindo-se a ela como “uma v---- má”.
O governador do Texas Greg Abbott, citando o Departamento de Segurança Pública do Texas, apontou que Kelley, em um certo momento, solicitou uma licença estadual para portar armas e teve o pedido negado. Não está claro se isso ocorreu antes ou depois de Kelley ter comprado o Ruger, nem por qual razão a solicitação dele foi negada.
No Texas, armas longas podem ser portadas abertamente sem uma licença específica, enquanto uma “licença para portar” é requerida para pistolas portadas de qualquer forma. As licenças são expedidas de forma não discriminatória e dentro do sistema “shall-issue”, que determina que as autoridades devem necessariamente conceder a licença se certos critérios forem cumpridos. Isso significa que o Departamento de Segurança Pública do Texas pode apenas negar licenças a aqueles que não cumprem com os critérios legais de elegibilidade.
Além disso, a lei do Texas proíbe a posse e o licenciamento de armas de fogo para qualquer pessoa condenada em qualquer jurisdição por violência doméstica ou equivalente.
Embora antigos colegas de escola aleguem que Kelley fosse um ateu convicto e explícito que menosprezava pessoas religiosas online, os investigadores afirmaram que o tiroteio não foi motivado por raça ou religião.
O que parece é que Kelley estava no meio de “uma situação doméstica” com seus parentes, incluindo sua sogra, que frequentava a igreja, mas não estava presente durante os disparos. Na manhã do crime, Kelley havia enviado mensagens de texto ameaçadoras a sua sogra.
Imponha as leis existentes antes de pedir novas
Há várias perguntas sobre os eventos ocorridos no domingo que ainda necessitam de respostas, mas uma coisa parece certa – pela legislação estadual e federal, Kelley não deveria ter sido permitido comprar legalmente uma arma de fogo.
Embora Kelley tenha recebido um desligamento por má conduta e não um desligamento desonroso da Força Aérea, ele foi condenado em um tribunal militar por acusações de violência doméstica. Tribunais militares seguem o Código Uniforme de Justiça Militar, não leis estaduais ou federais, e as condenações não são divididas por “delito” e “contravenção”.
No entanto, Kelley foi condenado por atacar seu filho, que tinha menos de 16 anos. Segundo o Código Uniforme de Justiça Militar, a sentença máxima para um ataque como esse é o aprisionamento por 2 anos, deixando a pena de Kelley exatamente dentro da proibição da lei nº 18, parágrafo 922.
Além disso, mesmo que a pena não fosse o equivalente a um delito, ela ocorreu por violência doméstica, e ele ainda estaria barrado de portar uma arma de fogo tanto pela lei federal quanto pela do estado do Texas. Oficiais da Força Aérea confirmaram a desqualificação de Kelley para a compra de armas de fogo.
Sejamos claros: Ninguém está sugerindo que uma pessoa recentemente condenada de crimes violentos deve ter acesso a armas de fogo. Na verdade, há leis que proíbem que criminosos exatamente como esse possuam armas mortais.
Há também leis que exigem que vendedores licenciados de armas de fogo submetam as informações de seus compradores ao Sistema Nacional de Verificação Instantânea de Antecedentes.
De acordo com Tom Bowman, da emissora NPR, no entanto, a Força Aérea falhou em submeter a prisão e condenação de Kelley a essa base de dados. Investigadores devem determinar por que a verificação não levantou nenhuma suspeita sobre Kelley e qualquer erro que pode ter ocorrido deve ser remediado imediatamente para prevenir que ocorra novamente.
Esse tiroteio poderia ter sido prevenido a partir das leis estaduais e federais existentes. O terror de domingo nunca deveria ter acontecido. O mundo está cheio de pessoas más que descumprirão leis para matar fiéis inocentes com armas adquiridas ilegalmente.
Muitas vezes, como esse tiroteio mostra, a melhor forma de impedir esse tipo de mal é não impondo mais leis, mas tornando as existentes mais efetivas.
Conteúdo publicado originalmente em The Daily Signal.
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