O centenário Henry Kissinger, que segue opinando sobre as grandes questões mundiais| Foto: Reprodução YouTube
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De intelectual, estadista, negociador brilhante e ganhador do Prêmio Nobel da Paz a cínico, arrogante, egocêntrico e criminoso de guerra. Ou talvez tudo ao mesmo tempo. Henry Kissinger, o homem que foi quase tudo nos Estados Unidos, comemora seu centésimo aniversário neste sábado (27), aumentando seu próprio mito, embora cada vez mais questionado.

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O ex-conselheiro de Segurança Nacional e secretário de Estado dos governos de Richard Nixon (1969-1974) e Gerald Ford (1974-1977) não ocupa um cargo no governo há décadas, mas a longa sombra do diplomata mais famoso do século XX ainda paira no ar.

Seja sobre a guerra na Ucrânia ou sobre inteligência artificial, o centenário Kissinger continua a dar suas opiniões com uma lucidez invejável, ou porque muitos lhe pedem, ou porque adora os holofotes, bem como talvez também para limpar um legado cheio de altos e baixos. Ele é assombrado pela reputação de ter promovido uma política externa que era tão pragmática a ponto de ser insensível em relação a considerações morais.

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"Há 50 anos, em seu aniversário 50º aniversário, ele foi celebrado como um dos americanos mais admirados da história", lembrou à Agência EFE o professor Thomas Schwartz. "A história e os historiadores não foram exatamente gentis com ele", acrescenta o autor da biografia Henry Kissinger and American Power.

Heinz Alfred Kissinger nasceu em 27 de maio de 1923, na cidade de Fürth (Alemanha), em uma família judia que se mudou para Nova York para fugir do nazismo quando ele ainda era adolescente. Com um forte sotaque alemão ao falar inglês, e formado em Harvard, sempre negou que sua infância traumática o tenha marcado para sempre, mas muitos discordam.

O professor da Universidade do Texas Jeremi Suri, autor de Henry Kissinger and the American Century, acredita que "por ser um refugiado judeu, ele sempre se preocupou muito com o caos e queria trazer ordem ao mundo". "Ele também acredita que os EUA são uma nação superior e que têm um papel especial a desempenhar", disse Suri à EFE.

Da China para o Chile

Kissinger, que, segundo seus conhecidos, não é humilde, quer ser lembrado como o arquiteto da política de distensão com a União Soviética que mudou o curso da Guerra Fria, da normalização das relações com a China e como o intelectual que freou a proliferação nuclear. Ele quer entrar para a história como o grande mediador do Oriente Médio, bem como o ganhador do Prêmio Nobel da Paz que pôs fim à Guerra do Vietnã.

Mas ele não quer ser lembrado de que, ao contrário dele, o outro premiado, o vietnamita Le Duc Tho, devolveu o Nobel porque seu país continuou em conflito após os Acordos de Paris. Ele também não gostaria de ver escrito sobre seu apoio a ditaduras como as de Argentina e Espanha.

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"Kissinger não se importava com ditaduras. Na verdade, ele gostava delas se estivessem do lado dos EUA e mantivessem o comunismo fora da América Latina", disse à EFE Mario Del Pero, historiador da Sciences Po em Paris e autor da biografia The Eccentric Realist. "Em um país que havia perdido seu norte político e moral por causa da Guerra do Vietnã, Kissinger enviou uma mensagem clara e inequívoca: a moralidade não foi feita para as relações internacionais", acrescentou.

Até mesmo um livro best-seller do jornalista Christopher Hitchens o acusou em 2001 de crimes de guerra por suas ações em Camboja, Timor Leste e Chile (críticas impensáveis na década de 1970, quando Kissinger era o homem mais popular do país).

Construção do mito

Kissinger aparecia nas capas de jornais e revistas vestido de Super-Homem, namorou estrelas de Hollywood sem ser particularmente atraente e ofuscou o próprio presidente. "O que aconteceria se Kissinger morresse? Richard Nixon se tornaria presidente", brincava-se em Washington. Schwartz diz que "sua história pessoal o tornou uma figura muito fascinante. A cobertura da imprensa sobre ele na época era semelhante a feita sobre Barack Obama em 2008”.

Ele sobreviveu ao escândalo de Watergate e, depois de sua passagem pela política, Kissinger continuou onipresente em editoriais, livros, palestras e entrevistas, aumentando a aura de mito com o qual muitos queriam ser fotografados, de Hillary Clinton a Donald Trump, de Vladimir Putin a Xi Jinping.

Mas ele também passou muito tempo refutando as duras críticas contra ele, algo que não tolera. Sempre dizia que tinha a "pele mais fina" do governo. Kissinger demonstrou isso em uma entrevista recente à emissora americana CBS, na qual, profundamente chateado, respondeu que as acusações contra ele, taxando-o de criminoso de guerra, "são um reflexo da ignorância".

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Apesar de sua imagem teimosa, seus biógrafos dizem que Kissinger pode ser encantador pessoalmente e que uma boa maneira de quebrar o gelo é conversar com ele sobre futebol ou ópera. “Quer ser lembrado como um Mandela ou um Gorbachev, mas acho que ele será lembrado por um legado mais ambíguo", finalizou Suri.