“Quando você começou sua carreira política, em uma Venezuela livre, democrática e próspera, você conseguiria imaginar que a prisão e o exílio estariam te esperando no futuro? Quero dizer, não foi para isso que você se inscreveu, não é?” Faço essa pergunta a Leopoldo López. Ele sorri e diz que, “de uma forma esquisita”, ele podia imaginar, e se “inscreveu” mesmo assim. Ele então explica.
Quando era criança, López participava de reuniões familiares aos domingos. Parentes mais velhos falavam sobre Eudoro López, bisavô de Leopoldo. Este López era um adversário do ditador venezuelano Juan Vicente Gómez. Eudoro pagou o preço de ser oposição com prisão e exílio.
Leopoldo López nunca esqueceu esse bisavô. Certamente se lembrou dele no dia 18 de fevereiro de 2014, quando ele, Leopoldo, foi preso – detido pela atual ditadura venezuelana, iniciada por Hugo Chávez e agora comandada por Nicolás Maduro.
Como todo venezuelano sabe - e muitos no resto do mundo também -, Leopoldo López é um líder da oposição de seu país. Eu o encontrei no Fórum da Liberdade de Oslo, realizado em Miami este ano. Os exilados venezuelanos presentes o cumprimentam com entusiasmo. Você consegue entender o êxtase deles. López é bonito, carismático e articulado, sim - mas ele também é excepcionalmente corajoso.
Depois de falarmos do bisavô Eudoro, Leopoldo me fala mais uma coisa. “Ontem, alguém me perguntou: 'Você acha que valeu a pena ir para a prisão por todos esses anos e ficar separado de sua esposa e filhos?' Demorei um pouco para responder e disse: 'Sim, eu acho que valeu a pena.'” E por que isso? “Porque, embora tenha sido uma grande dificuldade para mim, e uma dificuldade ainda maior para a minha família, meus filhos agora têm algo que deve ser valorizado: um senso de propósito, a vontade de lutar por uma ideia. Não consigo pensar em uma herança melhor.”
A felicidade envolve mais do que sorrisos e bons momentos, diz López. “No final das contas, felicidade é ter um senso de propósito, e meus filhos agora fazem parte de uma experiência que os tornará pessoas mais felizes e melhores.”
Educação nos Estados Unidos
Leopoldo López nasceu em 1971 em uma das famílias mais importantes da Venezuela: uma família há muito envolvida na política, no mercado editorial, medicina, engenharia e assim por diante. Na verdade, López é descendente - um dos poucos - do próprio Simón Bolívar.
López estudou nos Estados Unidos. Ele frequentou a Escola Hun de Princeton, batizada em homenagem ao fundador John Gale Hun, que havia sido professor de matemática na Universidade de Princeton. Ele depois foi para a Kenyon College em Gambier, Ohio. E finalmente para a Kennedy School de Harvard, onde obteve um mestrado em políticas públicas.
“Você teve escolha?”, pergunto. “Você tinha que entrar na vida pública, considerando a história da sua família, ou poderia ter sido... qualquer outra coisa?” Ele sorri e se lembra das entrevistas de emprego que fez ao final do seu período em Harvard. Ele recebeu ofertas da McKinsey para trabalhar em seu escritório em Atlanta, e da J.P. Morgan, para trabalhar em Nova Iorque. A questão é: ele não queria trabalhar em consultoria nem em bancos. Ele só queria a satisfação de ter uma escolha - opções.
Ele voltou para casa, na Venezuela, e logo estava na vida pública. Aos 27 anos, foi eleito prefeito distrital de Caracas - prefeito de Chacao, um dos cinco distritos da capital. Aqueles foram “anos super felizes”, diz ele. (Oito anos, dois mandatos.) Ainda solteiro, dedicou-se ao trabalho, implementando muitas reformas, das quais se orgulha.
Naturalmente, ele queria “subir”: concorrer a prefeito geral de Caracas. Ele liderava as pesquisas. Mas o governo nacional o impediu de concorrer.
Ele levou seu caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica. Venceu o processo. Mas o governo de Hugo Chávez simplesmente torceu o nariz para o sistema interamericano.
“Tive de me reinventar”, diz López. Ele prossegue dizendo que já teve que fazer isso muitas vezes. Em 2009, fundou um movimento político, um movimento pela democracia chamado “Voluntad Popular” (“Vontade Popular”). Ao lado dele estava Juan Guaidó, que hoje é parlamentar da oposição e considerado por muitos como o legítimo presidente da Venezuela.
Em 2014, López liderou protestos em massa. O governo fez questão de tirá-lo do caminho. López tinha uma escolha: fugir do país ou se entregar para ser preso. Ele se entregou. Depois de um típico julgamento encenado, foi condenado a 14 anos de prisão. López foi encarcerado em Ramo Verde, uma famosa prisão militar.
Redescoberta da fé na prisão
Como ele manteve sua boa forma física e mental? Leu vários livros de memórias da prisão, ele me conta - como “The Road of Hope”, de Nguyen Van Thuan, o prelado católico do Vietnã. Todos esses livros de memórias diziam a mesma coisa, em alto e bom som: desenvolva uma rotina e seja absolutamente rigoroso com ela. López levou isso a sério. Decidiu fazer três coisas, todos os dias, sem falta.
“Todos os dias, eu orava”, diz ele. Antes, havia sido um “católico no piloto automático”, como descreve - meio que seguindo a onda. Mas na prisão, “aprendi a orar de uma perspectiva diferente”. Anos antes, um padre havia lhe dito que as pessoas tendem a orar em três circunstâncias: quando têm medo; quando estão em necessidade; e quando estão gratas. A oração de gratidão é muito poderosa, diz López.
Ele agradeceu pelas oportunidades em sua vida. Pelos seus pais, sua esposa, seus filhos, seus amigos, seu movimento político. Agradeceu pelas coisas mais simples, como a chance de ouvir o canto dos pássaros ou de ver a lua cheia. Ele até agradeceu pela provação de ser um prisioneiro político - porque imaginou que isso o tornaria uma pessoa melhor.
A oração, então, foi a primeira coisa. Em seguida, foi a vez da “boa forma intelectual”, como ele descreve. Ele lia tudo que podia, quando seus carcereiros permitiam que tivesse livros. Em um período, ele teve acesso apenas à Bíblia - que ele leu de Gênesis a Apocalipse. Ele também aprendeu a desenhar. E como tocar cuatro - uma pequena guitarra - antes que os carcereiros a tirassem dele.
Terceiro, a boa forma física. Ele se exercitou sempre que possível.
López ficou preso em Ramo Verde por três anos e meio. Por quase metade desse tempo, ele ficou em isolamento - na solitária.
Como seus guardas o trataram? Muito bem, a princípio. Eles gostavam dele (o que não é difícil). Desenvolveu relacionamentos com eles. Muitas vezes, lhe pediam conselhos pessoais. Chegou um momento em que López fez greve de fome - 28 dias. Depois disso, seis pessoas foram selecionadas para protegê-lo, e apenas ele. Inicialmente, eram amigáveis. Mas um dia - sem nenhum aviso - houve uma mudança. Uma mudança radical.
Os guardas passaram a ser frios e rudes. Mantinham distância do prisioneiro. Não falavam com ele, nenhum deles. Nem mesmo olhavam nos seus olhos.
Depois de alguns meses assim, López conseguiu conversar com um dos guardas. Ele disse: “Ei, o que aconteceu, meu amigo? Isto não é normal. Eu conheço você. Eu sei o nome do seu pai. Eu sei o nome do seu filho. Eu sei o quanto você ama seu filho. Eu sei o que você gosta de comer. Eu te conheço, cara. Eu sei que você não é uma pessoa ruim. O que aconteceu?” O homem disse: “Eu te conto mais tarde”.
Alguns dias depois - em outro momento furtivo -, o guarda disse: “Você pediu uma explicação e eu vou lhe dar uma”. Os guardas haviam sido treinados por cubanos. (Agentes do regime cubano são comuns no governo venezuelano.) Os cubanos enfatizaram que a função de um guarda era desumanizar o prisioneiro. E era isso que eles estavam fazendo ou tentando fazer.
“Foi difícil”, diz López, “porque, mesmo estando na solitária, pelo menos tinha guardas para dizer bom dia e boa tarde.” Depois que os guardas foram treinados pelos cubanos, “a situação ficou um pouco amarga”.
Ainda assim, López conquistou uma vitória contra a amargura e o ressentimento. Ele orou diligentemente sobre isso. “Eu sempre estava ciente de que tinha um inimigo, que era o ressentimento, e que isso podia crescer em meu coração. Posso dizer com toda a franqueza que não sinto ódio pelas pessoas que me colocaram na prisão.” Para trabalhar por uma Venezuela livre e democrática, diz López, “você precisa ter o coração no lugar certo”.
Isso não significa que ele não seja um lutador, acrescenta López. Longe disso. “Eu pratico boxe todos os dias. Vou fazer minha primeira luta amadora antes do final de novembro. Sou um lutador em todos os níveis. Mas isso é muito diferente de estar com raiva. Eu não sou uma pessoa com raiva. Eu não sou ressentido.”
A propósito, vários funcionários que processaram e prenderam López admitiram depois o que todos já sabiam: que foram pressionados a fazê-lo. Poderia ter custado a vida deles se tivessem desobedecido.
Fuga cinematográfica
Em julho de 2017, após protestos democráticos em massa no país, López foi transferido de Ramo Verde para a prisão domiciliar. Contra sua vontade: ele não queria sair da prisão enquanto outros prisioneiros políticos permanecessem encarcerados. Três semanas depois, foi levado de volta à prisão. “Era como voltar para o inferno”, López me diz. Depois de vários dias, foi devolvido à prisão domiciliar.
Os agentes da polícia cercavam sua casa constantemente. Quatro vezes ao dia - às 6 horas, meio-dia, 16 e 20 horas -, ele tinha que tirar uma foto sua segurando um jornal, mostrando a data.
Em abril de 2019, houve novamente protestos em massa. O caos envolveu o país. Parecia que o regime chavista poderia até cair. Soldados solidários liberaram López da prisão domiciliar e ele caminhou pelas ruas de Caracas por algumas horas. Apareceu diante de multidões com Juan Guaidó. Mas logo se tornou necessário buscar refúgio - o que ele fez, na embaixada espanhola. Ele ficou lá por um ano e meio.
Em outubro de 2020, ele escapou - fugiu da Venezuela. Foi uma fuga muito ousada, muito perigosa. No último momento, quase foi pego.
Os detalhes dessa fuga exigiriam outro artigo ou um filme. Basta dizer que foi inspirada por um filme de 2012, “Argo”, sobre a fuga de diplomatas americanos do Irã. López se disfarçou de eletricista. Depois de quase ter um ataque do coração ao se deparar com guardas, atravessou o rio até a Colômbia, foi levado de avião para Bogotá, depois para os Estados Unidos e, finalmente, para a Espanha - onde vive no exílio.
Tornar a democracia “atraente” outra vez
“O que será preciso?”, pergunto. “O que será necessário para derrubar o regime? Certamente, isso vai acontecer, certo? Como?” “Tentamos de todas as formas derrubar o regime”, responde López: “Eleições, negociações, protestos, levante militar, pressão internacional, sanções. Nós tentamos de tudo. Se você me perguntar, precisamos continuar tentando de tudo, e espero que a maneira como as coisas vão mudar na Venezuela seja por meio de eleições livres e justas. Será muito importante ter legitimidade democrática para realizar mudanças. A legitimidade trazida por uma eleição livre e justa é crucial, na minha opinião.”
López acredita que os democratas, em todo o mundo, devem se unir. Autocratas são muito bons em fazer alianças. Ele cita os governos da Rússia, Cuba e Turquia, entre outros. Mas democratas? Eles tendem a ficar isolados e em apuros.
“Precisamos tornar a democracia e a liberdade atraentes novamente”, diz López. Ela foi, há algumas décadas. “Precisamos recriar o entusiasmo para lutar pela liberdade.” Hoje em dia, americanos e europeus questionam seu próprio modelo, diz López: o modelo de liberdade, democracia, mercado, direitos humanos - tudo. Essa diminuição na autoconfiança precisa ser discutida, afirma ele.
“‘Liberdade’ e ‘democracia’ são palavras usadas o tempo todo aqui nos EUA”, diz López. “Para nós (venezuelanos), essas palavras não são abstratas. Para nós, essas palavras significam muito.” Ele gostaria de dizer aos americanos que “eles têm a grande responsabilidade de dar sentido a essas palavras. Os Estados Unidos continuam a ser, quer você goste ou não, o farol de luz e esperança de liberdade e democracia em todo o mundo”.
Ele ainda diz, em termos inequívocos, que se o povo dos Estados Unidos virar as costas à liberdade e à democracia no exterior, pode se ver perdendo essas coisas em casa. Uma defesa geral da liberdade e da democracia, diz López, é uma forma de autodefesa.
Por muitos anos, ele adotou um slogan: “El que se cansa, pierde” - “Quem se cansa, perde”. Eu digo a ele: “Você não se cansou, não é?” “Não, não me cansei”, ele responde. “Tive momentos de grande dificuldade, posso garantir, mas tenho um compromisso e não posso me dar ao luxo de ficar cansado. Tenho a responsabilidade de continuar, tenho um propósito. Eu sou abençoado por ter isso.”
A Venezuela, ressalta, não está apenas sob a ditadura, também está assolada pela fome. Morrendo de fome. A Venezuela é a nação mais pobre das Américas - ainda mais pobre do que o Haiti, que sofreu cruelmente por gerações.
“As pessoas encontram seu propósito de maneiras diferentes”, diz Leopoldo López, “e agradeço a Deus por me dar um propósito na vida: lutar pela liberdade de meu país.”
© 2021 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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