Seus olhos castanhos estavam cansados – Jahangir Baroch passou outra noite sem dormir no container de metal da ilha grega de Lesbos, onde já vive há mais de um ano.
"Ontem fiquei sem energia no container. Era como estar em uma geladeira", disse desesperado Baroch, de 26 anos, em um centro para refugiados, longe do campo de refugiados em Moria, onde está alojado.
"Eu quero ir para Atenas", disse Baroch, que veio do Baluquistão, uma província conturbada no Paquistão. "Se vocês não me querem, eu quero ir para outro país".
"Por que estou aqui?", perguntou em tom melancólico.
Outros se fazem a mesma pergunta dois anos após a União Europeia estabelecer um acordo com a Turquia, que se destina a fechar a rota através do mar Egeu para aqueles que pediam asilo, muitos motivados por guerras na Síria, no Iraque e no Afeganistão.
Desde então, milhares de pessoas ficaram encalhadas em Lesbos, dispostas a voltar aos países que tinham deixado, incapazes de seguir em frente, em direção às oportunidades que esperavam encontrar na Europa. Embora os números sejam menores, refugiados continuam chegando.
Os sortudos, cujos pedidos de asilo são aceitos, acabam sendo enviados para a Grécia continental. Aqueles cujos pedidos são rejeitados (é possível tentar duas vezes) são enviados de volta à Turquia, como parte do acordo com a UE.
Mas nenhum dos países, ao que parece, está motivado a aceitá-los. As autoridades gregas peneiram lentamente os casos, algumas vezes levam meses, enquanto aqueles necessitados de asilo vivem no limbo, presos a condições tão deploráveis que o Papa Francisco comparou a um campo de concentração.
Crise migratória
A escala da crise de migração que os trouxe para Lesbos pode ser medida em pilhas de coletes salva-vidas descartados que ainda apodrecem na ilha. Mas cada vez mais é contada em termos de desespero.
Por volta de 5,5 mil pessoas estão detidas em Moria, o que soma 2,5 mil pessoas a mais do que o campo foi projetado para abrigar. Funcionários públicos gregos fizeram um tour limitado e vigiado conosco em partes de Moria. Muitas pessoas descreveram as condições em que estavam vivendo.
A chuva encharca as barracas, há falta de energia elétrica generalizada e não há água quente no chuveiro, nem mesmo no inverno. Os banheiros públicos e chuveiros estão sujos de fezes. Mesmo a comida sendo ruim, frequentemente falta. As filas para qualquer coisa são infinitas. Brigas surgem constantemente. Violência, roubo e estupro são ameaças constantes.
Às vezes os homens cortam lenha e acendem o fogo em suas tendas, para tentar se aquecer, o que já levou à morte três pessoas no campo no ano passado.
"Mesmo que seja saudável, terá algum problema em Moria", disse Amir Ali, de 27 anos, proveniente da cidade afegã de Herat, que viveu em Moria por mais de 11 meses.
"Não é um lugar para se colocar pessoas. A polícia não consegue controlar o acampamento", desabafou.
Acampamento improvisado
Amir conseguiu deixar Moria, encontrou um trabalho como ajudante e depois como costureiro, alugou uma casa em Mitilene, capital de Lesbos, onde optou por ficar, depois de ter seu pedido de asilo aceito.
Outros foram colocados pelo poder público em um campo improvisado, que não é muito melhor, na periferia de Moria, em um campo de oliveiras.
Ali Zaid, 23 anos, iraquiano da Babilônia, vive já há cinco meses no acampamento improvisado. Ele deixou o Iraque para fugir do Estado Islâmico, depois que seu irmão foi morto, contou.
Ele foi nos mostrar o chuveiro no acampamento, que era basicamente uma mangueira em campo aberto, ao ar livre, no frio de rachar do inverno do mar Egeu. O espaço estava coberto de lixo, sacolas plásticas e caixas de sabonete usado.
"Muito frio, muito, muito frio", disse ele em seu inglês limitado.
Principalmente através da família e das redes sociais, alguns ainda têm notícias de sua terra natal. Os sírios recentemente protestaram contra o cerco do subúrbio de Ghouta, em Damasco, pelo governo do presidente Bashar Assad.
Mesmo tendo vivenciado a guerra, Samir Alhabr, engenheiro iraquiano de 26 anos, descreveu o acampamento improvisado como "um lugar muito perigoso".
Alhabr viu os militantes do Estado Islâmico executarem seu pai e seu irmão e testemunhou muitas outras mortes no Iraque, contou. Mas a vida dentro do campo só aumentava a lista de seus traumas.
"Este lugar não é bom", disse.
Ele passou a dormir com seus bens mais valiosos – celular, dinheiro e cigarros – todos guardados em seus bolsos, para evitar ser roubado enquanto dorme.
Insegurança
O sentimento de insegurança constante começou atormentá-lo. Temendo por sua saúde mental, foi ao médico do campo. Então apresentou alguns papeis, em grego, listando os sintomas: Humor irritável, lembranças de eventos traumáticos, alucinações auditivas, insônia ou pesadelos, distúrbio de atenção e memória, isolamento social, tendência suicida e uma tentativa fracassada de suicídio.
O diagnóstico: transtorno psicótico, indeterminado. Transtorno de estresse pós-traumático.
"Eu vi, eu vi", resmunga, seus olhos bem abertos, embora não fique claro o que exatamente ele viu. "Mas aqui não conseguimos ajuda".
Para sobreviver, alguns tentaram construir uma rotina diária com alguma aparência de normalidade.
Khalil, 13 anos, vive em Kara Tepe – mais um campo na ilha. Originalmente do Afeganistão, ele e seus amigos pegam suas bicicletas e vão pescar ao longo da costa, para passar o tempo.
Na ordem internacional para asilo, sírios, iraquianos e às vezes os afegãos têm mais chances, porque seus países estão ativamente em guerra. Ainda assim, nem todo mundo consegue e amigos são separados.
Para as mulheres no campo de Moria, a situação é muitas vezes pior.
Uma afegã de 30 anos, que pediu que seu nome não fosse publicado por medo de ser perseguida por seu ex-cônjuge, descreveu como fugiu do Afeganistão há um ano e meio, quando o marido, com quem estava há 13 anos, tentou matá-la.
Na Turquia, ela disse que foi vendida a um traficante, que a aprisionou sem comida por uma semana em um quarto sem luz, onde a estuprou.
Quando ela finalmente chegou a Moria, as coisas pioraram. "Quis me matar quando vi a situação", disse ela.
Desafios
Giannis Mpalpakakis, o diretor do campo de Moria, administrado pelo governo grego, mas em grande parte financiado pela União Europeia, reconheceu os desafios que ele e sua equipe enfrentam e insistiu que estão fazendo o melhor possível, dadas as circunstâncias extremas.
"Nós estamos nos esforçando muito para ajudar essas pessoas. Não somos indiferentes. A superpopulação é um problema enorme para nós. Moria é o lugar mais populoso no mundo, se você dividir o número de pessoas que vive aqui pelo metro quadrado", reconheceu.
É esperado que o número dos que chegam suba novamente com o fim do frio. O processamento lento dos casos reduz a população no local, mas a chegada constante de pessoas o enche novamente.
As sepulturas na ilha, antigas e novas, exibem os perigos da travessia marítima. Barcos tombam e encalham. Os socorristas patrulham as costas até hoje.
"Precisamos aumentar o fluxo de migrantes da Grécia para a Turquia e diminuir o fluxo da Turquia para a Grécia", disse Miltos Oikonomidis, funcionário de políticas públicas da União Europeia.
Desde janeiro, apenas 64 pessoas foram mandadas para a Turquia. Mesmo assim, foram 2.698 que chegaram à ilha além das 86 mil que vivem lá.
Outras 2.365 foram enviadas para Atenas, enquanto 147 deixaram Lesbos voluntariamente. Existem atualmente mais de 7,8 mil refugiados em toda ilha.
"Não importa os esforços que estão em andamento em Moria, o objetivo é reduzir o afluxo de refugiados", disse Vezyrtzis.
Mas será difícil cumprir este objetivo. Alguns não estão apenas fugindo da guerra, mas buscando oportunidade, liberdade.
"Você está apostando no futuro," disse Isaac Hielo, de 29 anos, que contou que toda sua família morreu por conta da AIDS.
Ele tem esperança?
"Sim. Amanhã é um novo dia, certo?", respondeu com um sorriso.
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