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‘Leviat㒠é desprezado em seu país

MOSCOU — Sob vários aspectos, o filme "Leviatã" é a maior conquista cinematográfica da Rússia em vários anos, quiçá décadas. Vencedor do Globo de Ouro em janeiro como Melhor Filme Estrangeiro, oferece um retrato implacável, regado a muita vodca, da corrupção que grassa em uma cidade pequena, sendo elogiado por críticos e cineastas do mundo inteiro – exceto, talvez, na própria Rússia.

Muito antes de ter sido lançado aqui, no mês passado, ele já dividia o país, aclamado por uns como o retrato fiel da vida na era Putin e condenado por outros como propaganda dos inimigos do Estado que devia ser proibida.

O blablablá nacional está sendo comparado à difamação anterior de vários artistas que ficaram famosos no exterior pelos retratos inclementes da vida russa, como Aleksandr Solzhenitsyn e Boris Pasternak.

"Um dos motivos para essa condenação praticamente universal de 'Leviatã' tem a ver com a situação geral na Rússia hoje. Muita gente acha que está sendo criticada, esnobada e deixada de lado pelo Ocidente e que tem que se proteger", explica o jornalista russo Vladimir Posner.

O filme mostra Nikolai, mecânico de uma cidadezinha que vê a vida perder o prumo ao tentar impedir um político de tomar sua casa. O diretor, Andrey Zvyagintsev, defendeu seu trabalho como uma "parábola universal". Os produtores atrasaram o lançamento na Rússia na esperança de que fosse encarado como obra de arte e não afirmação política — e, assim, foi exibido em um único cinema em São Petersburgo, em 2014, para poder concorrer ao Oscar.

A polêmica começou em meados do ano passado, depois de o longa ter ganhado em Cannes por Melhor Roteiro Original, o primeiro de uma série de prêmios internacionais.

O ministro da Cultura russo, Vladimir Medinsky, foi quem liderou os ataques, mesmo sua pasta tendo fornecido uma gorda fatia para o orçamento do filme. E depois de a obra ganhar o Globo de Ouro, o primeiro para o país desde "Guerra e Paz", em 1969, ele criticou duramente a forma como os russos foram retratados.

"Por mais que os autores tenham feito os personagens xingar e beber litros de vodca, isso não os torna russos de verdade", foi sua declaração ao jornal Izvestia. E a seguir propôs diretrizes que proibissem filmes que "manchassem" a cultura nacional.

O longa também gerou um desentendimento incomum entre os seguidores da Igreja Ortodoxa Russa por causa do destaque dado na história a um bispo corrupto. Teve quem pedisse sua proibição, mas a Metropolitana Simon de Murmansk e Monchegorsk, diocese onde o filme foi rodado, fez uma declaração em que o descreve como "honesto".

A chefe da aldeia de Teriberka, cuja população é de 957 habitantes, onde o longa foi filmado, afirmava que não valia a pena assisti-lo. "Somos mostrados como um bando de bêbados vivendo cada um no seu buraco", foi a suposta reclamação de Tatiana Trubilina — mas depois de tê-lo assistido, passou a defendê-lo.

Alexander Rodnyansky, um dos produtores, explica que o filme dá destaque para as belíssimas paisagens naturais ao longo do Mar de Barents para fazer o contraste com o comportamento humano "poluído".

Até agora nenhuma autoridade parabenizou no Twitter o diretor Zvyagintsev pelos inúmeros prêmios recebidos, em uma das esnobadas mais unânimes dos últimos anos.

Apesar disso, os círculos culturais esperam que o Kremlin ainda venha a aceitar a obra pelo menos em termos da conquista coletiva.

"Não queriam uma discussão nacional por causa do ultraje de o filme mais famoso fora da Rússia ser contra o governo — mas se ganhar o Oscar, aí a coisa muda de figura porque será 'uma glória para a Rússia' ", afirma Daniel Dondurei, um dos críticos russos mais respeitados da atualidade.

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