Um animal dócil e simpático pode se tornar o herói que vai nos salvar da pandemia. Cientistas já sabiam que anticorpos de lhamas são capazes de bloquear alguns vírus e resolveram testar se esses mesmos anticorpos poderiam combater o novo coronavírus. E descobriram que, de fato, eles podem neutralizar o vírus que causa a Covid-19, pelo menos em células de laboratório, de acordo com um estudo publicado semana passada na revista científica Cell.
Os pesquisadores, do centro de biotecnologia VIB-UGent, em Ghent (Bélgica), e da Universidade do Texas, em Austin (EUA), anunciaram que anticorpos retirados do sangue de uma lhama de 4 anos chamada Winter, que vive em uma fazenda na Bélgica, neutralizaram o novo coronavírus em testes de laboratório, impedindo que ele infectasse células humanas.
O segredo está no tamanho das células imunológicas das lhamas. Os seres humanos produzem apenas um tipo maior de anticorpo, em formato de Y com braços longos. Já as lhamas produzem dois tipos de anticorpo: um com tamanho similar ao dos humanos e um muito menor, com cerca de um quarto do tamanho dos anticorpos humanos, com os braços da molécula em Y muito mais curtos.
Esses pequenos anticorpos conseguem acessar regiões menores das proteínas dos vírus, que são responsáveis por invadir as nossas células, causando infecção. Por isso, eles conseguem neutralizar os vírus com mais facilidade.
Essa característica genética dos anticorpos das lhamas está presente em outros animais da família dos camelídeos, que inclui alpacas, guanacos e dromedários.
"Esse é um dos primeiros anticorpos que se conhece que podem neutralizar o Sars-CoV-2", disse Jason McLellan, professor de biociência molecular na Universidade do Texas e co-autor do estudo, em comunicado.
O virologista molecular Xavier Saelens, pesquisador da Universidade de Ghent e co-autor do estudo, disse ao New York Times que os anticorpos das lhamas podem ser facilmente manipulados; eles podem ser ligados ou fundidos com outros anticorpos, incluindo humanos, e permanecem estáveis mesmo com as manipulações.
Essa não é a primeira vez que as lhamas participam de pesquisas de anticorpos. Segundo o artigo publicado na Cell, esses anticorpos já foram testados para possíveis terapias contra HIV e influenza.
A equipe se prepara agora para conduzir estudos pré-clínicos em animais como hamsters e primatas não-humanos, para depois passar para os testes em humanos. Embora os resultados sejam promissores, ainda há um longo caminho até que se possa dizer se eles podem se tornar um tratamento viável. Mais estudos são necessários para verificar a segurança e o comportamento desses anticorpos em humanos.
O objetivo é criar um tratamento profilático, que possa ser aplicado em quem ainda não foi infectado pelo vírus, especialmente em profissionais da saúde. Os efeitos de um tratamento como esse não seriam permanentes, durando de um a dois meses até que novas injeções fossem aplicadas.
"As vacinas precisam ser aplicadas um ou dois meses antes da infecção para oferecer proteção. Com terapias de anticorpos, você está dando diretamente a alguém os anticorpos protetores e assim, imediatamente após o tratamento, elas devem estar protegidas", disse McLellan. Os anticorpos também poderiam ser usados para tratar alguém que já está doente para diminuir a gravidade da doença", acrescentou.
Segundo os autores, a possibilidade de aplicar essas moléculas com um spray nebulizador é interessante para o caso de patógenos respiratórios, como o novo coronavírus, porque elas poderiam ser inaladas e levadas diretamente ao local da infecção.
Winter
A participação da lhama Winter na pesquisa começou em 2016, quando ela tinha cerca de 9 meses de idade e os pesquisadores investigavam dois tipos anteriores de coronavírus, o Sars-Cov-1 e o Mers-Cov, segundo comunicado da Universidade do Texas.
A lhama recebeu injeções de proteínas estabilizadas dos dois vírus durante seis semanas. Depois, os pesquisadores coletaram amostras de sangue do animal e isolaram os anticorpos que se ligaram a cada versão da proteína. Um desses anticorpos mostrou que era capaz de impedir que o vírus Sars-Cov-1 entrasse nas células humanas.
Na época, não havia uma grande necessidade de tratamento para esse tipo de coronavírus. Mas com a chegada do novo coronavírus, a equipe decidiu ligar duas cópias desse anticorpo que funcionou para o vírus Sars anterior e testá-lo para o novo patógeno, chegando aos resultados publicados nesta semana.
Os pesquisadores conseguiram concluir e publicar a pesquisa em questão de semanas porque já haviam trabalhado durante anos com os tipos anteriores de coronavírus.
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