As primárias argentinas realizadas no último domingo (13) tiveram como grande vencedor o economista Javier Milei, que lidera a coalizão Liberdade Avança. Milei, formado em economia pela Universidade de Belgrano, é o favorito para levar as eleições do dia 22 de outubro, quando a população argentina votará para escolher de forma definitiva o novo chefe de Estado do país vizinho.
Tendo suas raízes fincadas no pensamento libertário, Milei já revelou em entrevistas sua admiração e seu desejo de alcançar o sistema anarcocapitalista.
Apesar desse desejo, em uma entrevista concedida ao jornal equatoriano La Hora, em 2022, Milei reconheceu que a transição completa para um sistema anarcocapitalista não é viável a curto prazo. Portanto, ele acredita que a batalha para se alcançar uma sociedade mais livre deve ser travada dentro do atual sistema político vigente, começando desde já.
“Na vida real, você ainda não consegue se livrar do Estado e dos políticos profissionais como hoje. A única forma de travar essa batalha é dentro do sistema, não fora dele, e é por isso que entrei na política”, disse.
Tanto no pensamento libertário quanto no anarcocapitalismo, a ideia central defendida é a mesma: a redução do Estado ou até mesmo a extinção dele e a promoção da liberdade individual e da propriedade privada como o principal guia para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social de uma sociedade.
Partindo dessa premissa, o pensamento político e econômico de Milei, ligado ao libertarianismo, tem uma forte presença em suas propostas para um eventual governo na Argentina. Seu plano de governo, divulgado pelo jornal argentino La Nacion, deixa clara sua intenção de reduzir o peso, os gastos e a burocracia do Estado argentino.
As principais semelhanças entre as propostas de Milei e os princípios do pensamento libertário incluem a defesa enfática do livre mercado como a base para a organização da sociedade, a rejeição da intervenção estatal na economia e na vida dos cidadãos, a valorização da propriedade privada e dos direitos individuais, a confiança na cooperação voluntária e na autorregulação dos mercados para resolver desafios sociais, além da preferência por uma moeda forte e estável que não esteja sujeita a manipulações governamentais.
O principal ponto do plano de Milei é a economia, campo que será o grande desafio para qualquer um que for o próximo governante da Argentina. O peronista Alberto Fernández, que está deixando o poder, entregará um país mergulhado em uma grave crise econômica, que afeta diariamente a vida dos cidadãos.
Para tentar resolver este problema, Milei propõe reformas que atingem o campo monetário e tributário. Sua principal proposta é a redução radical do peso do Estado, por meio de privatizações, corte de gastos excessivos e a dolarização da Argentina. Para ele, a dolarização da economia deve servir como uma forma de conter a gastança governamental e alcançar o equilíbrio monetário.
Em um vídeo divulgado nas redes sociais, Milei expressou firmemente seu desejo de reduzir o atual número de ministérios, que é de 18 pastas, para somente oito, sendo essa uma das formas de eliminar os gastos da máquina pública.
Junto a isso, seu plano de governo também aborda a introdução de moedas que possam permitir que os cidadãos escolham livremente o melhor sistema monetário a ser utilizado no país.
“A responsabilidade pelo ajuste [econômico] recairá sobre a classe política”, disse Milei, em entrevista concedida ao La Nación nesta segunda-feira (14), reforçando que seu plano de governo para a área será abrangente e buscará alinhar as políticas econômicas à realidade do país.
Além dos planos citados acima, o economista ainda defende uma forte diminuição de impostos e a abertura do mercado para as importações e exportações. Milei quer também a extinção do Banco Central, para tirar assim o controle monetário das mãos do governo, outra ideia que é fruto do seu pensamento libertário.
“Estamos dedicados a analisar uma reforma do Estado em que seja possível alcançar maior eficiência e custos menores. O gasto público total precisa ser reduzido, mas não por cortes abruptos, e muito menos por diluição com a inflação, mas sim dando prioridade a certos gastos”, disse ao La Nación Diana Mondino, economista e membro da equipe de Milei.
Aborto, educação, drogas e segurança pública
No campo social e de costumes, Milei adiciona uma pitada de conservadorismo ao seu pensamento libertário. Para o argentino, a tríade “vida, liberdade e propriedade” são os seus principais valores.
Diferente de alguns outros libertários e anarcocapitalistas, Milei é um ferrenho defensor da vida desde a concepção, portanto, é contra o aborto. No entanto, ele também defende a legalização das drogas e trouxe à tona a polêmica discussão sobre a possibilidade da venda de órgãos humanos, tema que é discutido por grupos ligados ao pensamento libertário.
Já no campo da segurança, o argentino adota uma abordagem firme, com foco principal no combate à corrupção e na profissionalização das forças policiais.
Em seu plano de governo, ele propõe a liberação das armas de fogo, medida defendida por todos os libertários como um pilar da liberdade de defesa. Para Milei, os cidadãos devem ter o direito de se defender e até mesmo o direito de gerir sua própria proteção.
Além disso, ele também quer a construção de novos estabelecimentos penitenciários (cadeias e presídios) por meio de parcerias público-privadas.
Já na área da saúde, o candidato à Casa Rosada destaca em seu plano de governo a importância de se garantir a qualidade e a quantidade dos serviços hospitalares, mesmo diante das medidas de ajuste econômico.
Milei quer otimizar os recursos do Estado para melhorar a infraestrutura hospitalar com a implementação definitiva de soluções tecnológicas, como a telemedicina.
Além disso, ele quer que os serviços de saúde pública sejam geridos em colaboração com o setor privado e que os hospitais se comprometam a proteger os argentinos da concepção até a morte natural, expressando seu desejo de revogar a lei que permite o aborto na Argentina durante as 14 primeiras semanas de gestação. Junto a isso, Milei também quer desenvolver e promover diversos programas de atendimento a pessoas com deficiência.
Para a educação, Milei defende a descentralização dos recursos públicos e o investimento nas habilidades dos estudantes. Ele quer repassar o orçamento da educação diretamente para os pais por meio de um sistema de vouchers, para que eles possam investir na educação básica de seus filhos da melhor forma possível.
Aliado a isso, Milei também prega a competição entre as instituições educacionais como uma forma de melhorar a qualidade do ensino ofertado e o aumento das horas de disciplinas como matemática, gramática e ciências e tecnologia, como uma via de potencializar o desenvolvimento e a qualificação do mercado de trabalho a longo prazo.
Apesar dessas propostas, o objetivo principal de Milei é que no futuro os sistemas de saúde e educação sejam privados na Argentina.
“Devemos mirar a longo prazo para os sistemas privados de saúde e educação e devemos aspirar a eliminação da assistência social direta”, disse ele na apresentação de seu plano de governo, ressaltando que não haverá reduções imediatas de políticas públicas na área “até que o modelo econômico de liberdade seja adotado, permitindo a criação de riqueza, emprego e bem-estar”.
Relações internacionais
Por último, nas relações internacionais, o candidato do Liberdade Avança quer estreitar os laços da Argentina com os Estados Unidos e Israel. Milei inclusive expressou na entrevista ao La Nacion na segunda-feira que deseja transferir a embaixada argentina de Tel Aviv para Jerusalém, destacando Israel como um aliado importante.
“Considero Israel um aliado tão importante que já afirmei que planejo transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém”, afirmou.
Para alguns analistas, o candidato do Liberdade Avança desponta neste momento como o favorito a chegar à Casa Rosada porque se apresenta como uma alternativa viável para uma Argentina que se encontra cansada do longo domínio do peronismo e anseia por uma mudança substancial em relação às políticas tradicionais.
“Os resultados [das primárias] evidenciam a frustração dos argentinos com a sensação de fracasso dos governos recentes, tanto do peronismo quanto de alternativas não peronistas. As duas principais coalizões tradicionais estão lutando para capturar esse sentimento, mas Milei provou que se conectou com ele”, disse o diretor administrativo do Grupo Cefeidas, Juan Cruz Díaz, ao site Americas Quartely.
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