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Revolta árabe

Líbia enfrenta risco de lutas sectárias na era pós-Kadafi

Boneco de Kadafi é enforcado em rua de Trípoli. Ditador manteve o país unido – à força – por quatro décadas | Youssef Boudlal /Reuters
Boneco de Kadafi é enforcado em rua de Trípoli. Ditador manteve o país unido – à força – por quatro décadas (Foto: Youssef Boudlal /Reuters)

Trípoli - O cenário da Líbia após Muamar Kadafi é bastante incerto. Tanto pode haver um quadro de relativa estabilização, com os rebeldes à frente de um governo interino e posterior elaboração de uma Cons­­tituição e convocação de eleições, como o país do norte da Áfri­­ca po­­de submergir no caos e em lu­­tas sectárias, observam especialistas em relações internacionais entrevistados pela Agência Esta­­do.

"No geral, o Conselho Nacional de Transição (CNT) parece no poder", afirma, por telefone, o professor George Joffe, especialista em Oriente Médio e norte da África da Universidade de Cam­­bridge, apesar de reconhecer problemas e desafios para essa liderança. Já o professor Heni Ozi Cu­­kier, da Escola Superior de Pro­­pa­­ganda e Marketing (ESPM) de São Paulo, diz que há o risco de o país se fragmentar em várias unidades. "Isso vai depender dos insurgentes que partiram da Cirenaica conseguirem ou não exercer o po­­der sobre as outras duas regiões lí­­bias, a Tripolitânia e o Fezzan", diz.

Vitoriosos

Os vencedores, diz Cukier, foram a França, a Itália e os países da Or­­ganização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que apostaram na rebelião que começou em Ben­­ghazi, na Cirenaica. "Em algum momento, a França colherá seus benefícios. Não houve custo hu­­mano para os europeus. Para a França, foi uma aposta. Paris arriscou seu capital político", diz Cu­­kier. Insuflado pelo filósofo Ber­­nard-Henri Lévy, o presidente fran­­­cês Nicolas Sarkozy pressionou as Nações Unidas a aprovarem a resolução 1973, a qual autorizou os bombardeios da Organi­­zação do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para proteger os civis revoltados em março.

No caso da Itália, o apoio aos insurgentes "foi meio constrangedor. Silvio Berlusconi era amigo de Kadafi. Mas, se a Itália não apoiasse os rebeldes, suas empresas poderiam ser excluídas da Líbia", diz Cukier.

Joffe acredita na possibilidade de os rebeldes instituírem um governo provisório e de fato controlarem o país. Segundo ele, há muitas incertezas, mas pode ha­­ver um quadro similar ao do Egito e da Tunísia, países árabes do norte africano onde governos foram derrubados este ano. Cukier é mais pessimista, notando que a Líbia ainda é um país com muitas lideranças de origem tribal e sem instituições.

Petróleo

Há uma forte expectativa tanto dos países da Otan que apoiaram os insurgentes, quanto das companhias petrolíferas em geral, so­­bre a retomada da produção pe­­tro­­lífera do país.

Antes de estourar o conflito civil, em 17 de fevereiro, a Líbia produzia 1,48 milhão de barris diários de petróleo, dos quais ex­­portava 1,1 milhão, segundo in­­formações da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). A produção de petróleo, que era quase toda exportada pa­­ra Espanha, Fran ça, Suíça, Itália e Grã-Bretanha, foi suspensa, en­­quanto o gasoduto foi fechado.

Paolo Scaroni, dirigente da es­­tatal de energia da Itália, ENI, acredita que até 15 de outubro o gasoduto será reaberto.

Novo Iraque?

Cukier acredita que a exportação não será retomada no curto prazo. "A sociedade líbia agora é uma sociedade armada pela Otan e pelos saques feitos aos arsenais do Kadafi. É provável que aconteça uma situação anárquica como ocorreu no Iraque após a invasão norte-americana de 2003. No Ira­que, a violência não acabou até hoje", lembrou.

"No Iraque existem três grandes grupos, que são os árabes sunitas, os árabes xiitas e os curdos, que são muçulmanos mas não são árabes. Na prática, também existem dois países: o Iraque dos árabes e o Curdistão iraquiano, uma região semiautônoma no norte. O Iraque tinha instituições como o Exército, que foram destruídas na invasão e logo após. A Líbia nunca teve instituições, Kadafi nunca deixou o exército se fortalecer", diz Cukier.

O professor de Cambridge, por sua vez, vê uma preocupação das potências em evitar novos desastres. "Não há dúvida de que eles não devem intervir, pois não querem repetir o Iraque ou o Afega­­nistão. Não é uma intervenção di­­­­­re­­ta", compara Joffe.

Cukier lembra que existem 140 tribos árabes e berberes na Líbia, e mesmo entre esses povos há diferenças significativas entre os que vivem no leste do país, a Cirenaica, os que vivem no oeste, onde está Tripoli, e os que vivem na região desértica do interior, o Fezzan, onde é extraído grande parte do petróleo e do gás. "As três regiões sempre foram separadas. A Líbia só foi unificada pela força, primeiro pelos italianos e depois por Kadafi", diz.

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