Liberdade
Deputada alerta para o risco de retrocesso nos direitos das mulheres
Fawzia Koofi, eleita deputada em 2005 e reeleita em 2010, foi alvo de várias tentativas de assassinato, a última delas em 8 de março de 2010, quando pistoleiros dispararam contra o carro em que ela viajava com suas filhas, Shuhra e Shaharzad.
Durante a entrevista em São Paulo, Koofi usava na cabeça o hijab, tipo de véu usado por mulheres muçulmanas nos países islâmicos mais liberais, como Malásia e Tunísia. Segundo ela, no Afeganistão muitas mulheres ainda se veem obrigadas a vestir a burca, uma vestimenta que cobre as mulheres da cabeça aos pés, para evitar serem agredidas por fundamentalistas. A burca afegã é ainda mais restritiva do que a saudita por cobrir os olhos com uma rede.
Informada sobre o recente movimento das Marchas das Vadias quando mulheres saíram às ruas em várias cidades do Brasil para protestar contra a violência sexual machista, pelo direito de decisão sobre questões reprodutivas e pelo direito de vestir-se como quiserem sem sofrer assédios , Koofi disse que a diferença em relação ao movimento das mulheres no Afeganistão "não é de substância, mas de grau. Nosso nível de expectativas é que é muito mais baixo", afirmou a deputada.
Receio
Para ela, o maior perigo para as mulheres afegãs seria a volta do Taleban ao poder. Koofi lembra que o Taleban estabeleceu três condições para participar de conversações de paz com o governo Karzai e com os Estados Unidos: a retirada das tropas estrangeiras, a libertação de militantes da organização presos e o restabelecimento do sistema islâmico de justiça que, segundo Koofi, anularia todos os direitos conquistados pelas mulheres afegãs nos últimos anos.
Números
550 escolas foram fechadas em 11 províncias afegãs no mês de maio, depois de dois incidentes em que militantes islâmicos envenenaram 270 alunas para impedi-las de frequentar as aulas.
Fawzia Koofi nem sabe ao certo se nasceu em 1975 ou 1976, mas é a atual vice-presidente da Assembleia Nacional do Afeganistão e se prepara para disputar a Presidência do país em 2014. Num país em que mulheres vítimas de estupro são presas sob a acusação de adultério, uma vitória eleitoral de Koofi poderá dar início a uma revolução.
Embora a Constituição de 2004 tenha concedido à mulher afegã uma série de direitos inexistentes anteriormente, inclusive a exigência de que pelo menos 25% dos membros da Assembleia Nacional sejam mulheres, Koofi ressalva que há uma grande distância entre o que a lei determina e a realidade do Afeganistão. Violência sexual, casamentos arranjados e restrições ao acesso de mulheres à educação e a serviços médicos ainda persistem.
"A mortalidade entre as mulheres diminuiu e hoje há mais acesso à educação, mas é preciso acabar com a cultura da impunidade", diz Koofi. Ela cita um episódio no fim de maio, quando o Ministério da Educação se viu obrigado a fechar 550 escolas em 11 províncias afegãs, depois de dois incidentes em que militantes islâmicos envenenaram 270 alunas de duas escolas na província de Takhar.
A deputada Koofi esteve em São Paulo para um seminário internacional e afirmou à Agência Estado que desconfia das negociações que estão em andamento para uma reconciliação entre as diversas facções afegãs, entre outros motivos por causa da falta de participação de mulheres nas conversações.
Em contraste com muitos ativistas pacifistas, que defendem uma saída rápida das tropas dos EUA e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) do Afeganistão, Koofi defende uma redução gradual do que ela chama de "envolvimento da comunidade internacional" no país.
Koofi é da etnia tajique, uma das várias que compõem a população do Afeganistão. Ela nasceu na província do Badaquistão, no norte do país, em uma família poligâmica na qual o pai tinha sete esposas. Dos 23 filhos que seu pai teve, ela foi a 19ª a nascer. No livro Cartas às Minhas Filhas, lançado em 2011, ela relata que ao nascer foi abandonada para morrer ao sol escaldante, mas sua mãe mudou de ideia ao ouvir seus gritos e a acolheu.
Dois anos depois de Koofi nascer, em 1978, os comunistas afegãos tomaram o poder no país e tentaram impor à força modernidades como um Estado laico e direitos iguais para as mulheres. O divórcio entre aquelas políticas e as realidades de um país com raízes profundas nas versões mais ortodoxas do Islã se tornou insustentável e, em 1979, a União Soviética invadiu o Afeganistão.
Os afegãos resistiram e a guerra que se seguiu deixou cerca de 1 milhão de mortos, entre eles 15 mil soldados soviéticos, e pelo menos 5 milhões de afegãos se tornaram refugiados nos países vizinhos. A invasão também colocou o Afeganistão no mapa da Guerra Fria: os EUA passaram a armar diversos grupos de mujahedin ("combatentes pela liberdade"), que combatiam a União Soviética não só pela independência nacional, mas também em nome do Islã.
Koofi foi beneficiada pela relativa liberalização das condições das mulheres afegãs durante a ocupação soviética; foi capaz de ir à escola e de se formar em Ciência Política, passando a trabalhar para o Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. Em 1989, entretanto, os soviéticos se viram obrigados a tirar suas tropas do Afeganistão e o governo comunista de Najibullah Amin caiu em 1992, criando um vácuo de poder no qual várias facções islâmicas disputavam a preponderância. O vencedor da guerra civil emergiu em 1996, quando o movimento de extrema direita Taleban (plural de "talib," ou "estudante", na língua pashtu) estabeleceu o chamado Emirado Islâmico, sob a liderança do mulá Mohammed Omar.
No poder, o Taleban favoreceu as forças políticas e as milícias que o haviam apoiado, entre elas um grupo liderado pelo engenheiro saudita Osama bin Laden, que, de aliado dos EUA, se tornou inimigo do governo de Washington e criou a rede terrorista Al-Qaeda.
Koofi lembra que não apenas mulheres e crianças foram vítimas da intolerância religiosa do Taleban: "Homens que não usassem a barba no comprimento certo corriam o risco de ser espancados na rua ou presos."
Depois dos ataques terroristas da Al-Qaeda contra Nova York e Washington, em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos invadiram o Afeganistão e derrubaram o regime do Taleban, instalando Hamid Karzai, um ex-funcionário da CIA norte-americana, como presidente, e passando a promover reformas políticas. Com a relativa liberalização que se seguiu, a jovem Fawzia Koofi trabalhou em campanhas de vacinação, criou a organização "De Volta à Escola", para promover o direito das mulheres à educação, e entrou para a política.
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