O Arcebispo da Cantuária, Justin Welby, que foi responsável pela coroação do Rei Charles III, anunciou nesta terça-feira (12) sua renúncia ao cargo de líder da Igreja da Inglaterra, após a divulgação de um relatório que revelou omissões graves no tratamento de denúncias de abuso sexual contra John Smyth, um advogado e voluntário da Igreja acusado de violentar dezenas de jovens em acampamentos religiosos no Reino Unido e no continente africano. A decisão de Welby ocorre em meio à pressão pública e à reação das vítimas, que criticaram a falta de ação do arcebispo para enfrentar as denúncias.
Em seu comunicado de renúncia, Welby declarou ter solicitado "a gentil permissão de Sua Majestade, o Rei" para deixar o cargo, reconhecendo que o relatório, publicado na última quinta-feira (7), "expos uma conspiração de silêncio mantida por anos em relação aos crimes hediondos de Smyth". O documento revelou que Smyth, falecido em 2018, abusou de mais de 100 jovens na Inglaterra, Zimbábue e África do Sul, durante as décadas de 1970 e 1980, usando a religião para justificar também agressões físicas e psicológicas.
Welby afirmou que foi informado das acusações contra Smyth em 2013, poucos meses após assumir o posto de arcebispo, e disse ter acreditado na época que a polícia havia sido notificada. "Foi um erro acreditar que uma resolução adequada seria tomada", declarou. Ele admitiu que as denúncias deveriam ter sido investigadas "com rigor" e lamentou a "longa e traumatizante" espera entre 2013 e 2024, período em que a igreja não tomou medidas firmes contra o agressor.
O caso Smyth veio à tona quando uma investigação independente apontou que líderes da Igreja Anglicana ocultaram os resultados de uma apuração interna feita em 1982, na qual as agressões de Smyth foram documentadas. A investigação apontou que, em vez de alertar as autoridades, a Igreja optou por proteger o voluntário, que se mudou para o Zimbábue em 1984 e continuou cometendo abusos. A investigação também cita que Welby não notificou as autoridades quando assumiu como líder em 2013, embora o arcebispo tenha dito o contrário. De acordo com o relatório, por cerca de 40 anos os casos ficaram encobertos.
Para Andrew Morse, uma das vítimas de Smyth, a renúncia de Welby representa "uma oportunidade para a Igreja iniciar a reparação dos erros históricos". Em entrevista à BBC antes do anúncio oficial sobre a renúncia de Welby, Morse declarou que acreditava que agora o arcebispo terá a oportunidade de se posicionar ao lado das vítimas de Smyth e de todas as vítimas que “não foram tratadas de forma adequada pela Igreja da Inglaterra".
O escândalo é mais um capítulo na longa crise enfrentada pela Igreja da Inglaterra em relação ao tratamento de casos de abuso sexual. Em 2022, uma comissão independente havia concluído que a cultura de deferência à autoridade clerical e a proteção dos abusadores criaram um ambiente permissivo dentro da igreja. Em resposta, Welby declarou que, em seus quase 12 anos no cargo, buscou implementar melhorias na política de segurança, embora reconheça que os resultados podem ser questionados.
Welby, que assumiu a responsabilidade pelas falhas institucionais, anunciou que permanecerá no cargo até que sejam finalizadas as revisões de suas obrigações constitucionais. Ele também prometeu se reunir com vítimas e se afastar de suas responsabilidades relacionadas à segurança da igreja até que um processo de avaliação de riscos seja concluído.
Em um gesto final, pediu orações por sua família, especialmente por sua esposa, Caroline, e se despediu dizendo que sua decisão visa ao bem da Igreja da Inglaterra, à qual tem “profunda afeição e honra de servir”.
"Acredito que me afastar é o melhor para a Igreja da Inglaterra, que amo profundamente e que tive a honra de servir. Oro para que esta decisão nos guie de volta ao amor que Jesus Cristo tem por cada um de nós. Acima de tudo, meu compromisso mais profundo é com a pessoa de Jesus Cristo, meu salvador e meu Deus; aquele que carrega os pecados e fardos do mundo e é a esperança de cada pessoa”, cita o comunicado.
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