O Talibã está dando as cartas no Afeganistão mais uma vez, quase 20 anos depois de ver seu regime cair pelas mãos de milícias afegãs apoiadas pelos Estados Unidos após os ataques de 11/09. Para muitos afegãos, esse desfecho mostra que os 20 anos da ocupação militar americana no país foram um fracasso.
As cenas das retiradas às pressas do pessoal diplomático dos EUA de Cabul colaboraram para construção de narrativas sobre uma "derrota americana", que na verdade foi uma desistência em continuar empregando recursos em uma guerra rejeitada pelos eleitores americanos combinada com a subestimação da força do Talibã e da fragilidade do governo afegão.
Confira nesta linha do tempo os principais momentos da Guerra dos EUA no Afeganistão. A fonte das informações é o Council on Foreign Relations.
Cronologia da Guerra do Afeganistão
Antes dos ataques de 11 de Setembro, a comunidade internacional sabia da parceria entre a al-Qaeda e o Talibã, que entre 1996 e 2001 governava grande parte do Afeganistão. Em outubro de 1999, o Conselho de Segurança da ONU impôs sanções contra ambos. Nesta época, a organização de Osama bin Laden estava em ascensão e o Afeganistão serviu de base para suas operações terroristas.
Membros da al-Qaeda sequestraram quatro aviões comerciais nos EUA. Dois deles foram lançados contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Outro, contra o Pentágono, em Washington. O quarto avião caiu em um campo em Shanksville, na Pensilvânia. Quase três mil pessoas morreram.
Após os ataques, o presidente americano George W. Bush prometeu “vencer a guerra contra o terrorismo” e pediu que o Talibã entregasse a localização de bin Laden e outros líderes da al-Qaeda que estavam escondidos no Afeganistão.
"O Talibã deve agir e agir imediatamente. Eles entregarão os terroristas ou compartilharão de seu destino", disse Bush em um discurso em 20 de setembro de 2001.
Dois dias antes ele já havia assinado uma resolução conjunta (em acordo com o Congresso) autorizando o uso das Forças Armadas dos EUA contra os responsáveis pelos recentes ataques lançados contra o país.
Os EUA, apoiados pelo Reino Unido, começaram a bombardear o Talibã no Afeganistão no dia 7 de outubro de 2001. Depois, outros países da Otan se juntam à operação “Liberdade Duradoura”. Os primeiros dias da guerra foram marcados por ataques aéreos da coalizão liderada pelos EUA a posições do Talibã.
A invasão por terra veio dez dias depois, com cerca de mil militares americanos. Mas a maioria dos combates ocorreu entre o Talibã e a Aliança do Norte, um grupo anti-Talibã que passou a receber suporte dos EUA.
Ao longo de novembro 2001, o Talibã foi perdendo território para a Aliança do Norte. Cabul foi tomada no dia 13. A situação ficou crítica para o grupo fundamentalista e, em 9 de dezembro, o mulá Mohammed Omar, na época líder do Talibã, fugiu do Afeganistão.
Osama bin Laden fugiu do Afeganistão para o Paquistão. Acredita-se que ele tenha fugido a cavalo no dia 16 de dezembro de 2001, após um combate entre milícias afegãs e terroristas da al-Qaeda perto de um complexo de cavernas ao sudeste de Cabul.
Críticos questionaram a decisão do governo americano de enviar ao local milicianos afegãos despreparados, já que tinham informações de inteligência que apontavam que bin Laden estaria no local.
Hamid Karzai, líder da tribo pashtun Durrani, assume como chefe interino do Afeganistão, após um acordo com facções tribais da Aliança do Norte, endossado pelas Nações Unidas. Na mesma ocasião, foi criada uma força internacional de paz para manter a segurança na capital afegã. Em junho do ano seguinte, Karzai assumiu o governo de transição.
Os EUA lançaram a maior operação de combate em solo contra militantes da al-Qaeda e do Talibã. Cerca de dois mil soldados americanos e mil afegãos anti-Talibã participaram do ataque na província de Paktia.
O então secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, declarou, em 1º de maio, o fim das grandes operações de combate no Afeganistão. Na época, havia apenas 8 mil soldados americanos no Afeganistão.
Com o fim da fase, os esforços de guerra dos EUA se voltaram ao Iraque, e no Afeganistão iniciou-se um período de “reconstrução”, com o envio de ajuda financeira e apoio humanitário.
Em agosto de 2003, a Otan assumiu controle sobre as forças de segurança internacionais que fazem a segurança de Cabul – ao longo dos anos o papel dessas tropas aumentou, passando dos iniciais 5 mil homens para cerca de 65 mil soldados de 42 países em 2006.
O Afeganistão promulgou sua constituição em janeiro de 2004, criando um sistema presidencial. Muitos viram isso como um passo do país rumo à democracia.
“Os afegãos aproveitaram a oportunidade oferecida pelos Estados Unidos e seus parceiros internacionais para lançar as bases para instituições democráticas e fornecer uma estrutura para eleições nacionais”, declarou o embaixador dos EUA no Afeganistão, Zalmay Khalilzad, na época.
Karzai foi eleito primeiro presidente do Afeganistão, sob a nova Constituição, em 9 de outubro de 2004, com 55% dos votos. Foi a primeira vez que os afegãos voltaram às urnas desde 1969.
Dias após as eleições no Afeganistão e pouco antes das eleições presidenciais americanas, o líder da al-Qaeda reapareceu em um vídeo provocando o presidente americano George W. Bush e assumindo a autoria dos ataques de 11 de setembro.
Bush e Karzai firmam uma parceria que permite que os EUA usem as instalações militares do Afeganistão para combater o terrorismo. Neste acordo, os EUA se comprometem a ajudar as forças de segurança afegãs com organização, treinamento e equipamentos.
A primeira eleição local do Afeganistão, em setembro de 2005, foi marcada pela participação feminina: quase metade dos eleitores eram mulheres e cerca de um quarto das cadeiras do Congresso afegão foram ocupadas por mulheres.
O então presidente dos EUA, Barack Obama anunciou em fevereiro de 2009 o envio de mais 17 mil soldados americanos ao Afeganistão para combater o ressurgimento do Talibã. Nessa época, havia 37 mil militares dos EUA no país.
A administração Obama adotou nova estratégia na guerra do Afeganistão: desmantelar e derrotar a al-Qaeda e seus refúgios seguros no Paquistão, e para impedir seu retorno ao Paquistão e ao Afeganistão. Com isso, mais ajuda foi enviada aos dois países. Aliados da Otan também se comprometem a enviar mais soldados ao Afeganistão para treinar as forças de segurança afegãs.
Em julho de 2009, os fuzileiros navais dos EUA lançaram uma grande ofensiva contra os talibãs que estavam ganhando terreno no sul do Afeganistão. Nesta época, cerca de 60 mil soldados americanos estavam no país.
A segunda eleição presidencial foi marcada por denúncias de fraudes. Houve uma nova votação, mas o rival de Karzai, Abdullah Abdullah, desistiu de concorrer. Preocupações sobre a legitimidade de Karzai como líder do país aumentaram.
Obama anunciou, em 1º de dezembro, o envio de mais de 30 mil militares dos EUA ao Afeganistão, elevando o número de soldados no país para 100 mil, além de 40 mil militares da Otan.
“Essas forças aumentarão nossa capacidade de treinar as Forças de Segurança afegãs e de fazer parceria com elas para que mais afegãos possam entrar na luta”, disse Obama em discurso televisionado.
Osama bin Laden foi morto em 1º de maio em uma operação das forças americanas no Paquistão.
Após a morte do terrorista mais procurado do mundo, o presidente Barack Obama anunciou um plano para reduzir a presença militar americana no Afeganistão: até meados de 2012, 33 mil soldados voltaram para casa. O restante sairia do país até 2014, apesar das dúvidas sobre a capacidade das forças afegãs de proteger o país. Nessa época, o governo americano já conversava com lideranças do Talibã para negociar a paz.
Quando a invasão dos EUA ao Afeganistão completou dez anos, 1.800 soldados americanos haviam morrido e cerca de US$ 440 bilhões tinham sido gastos. Os americanos não mais apoiavam a guerra. E diante da ineficiência e corrupção do governo afegão, o Talibã ia ganhando espaço pelo interior do Afeganistão.
As forças afegãs passaram a ser responsáveis pela segurança do país em junho de 2013. Nesta época, EUA e Talibã retomaram negociações em Doha, no Qatar, mas em retaliação o governo afegão suspendeu negociações com os EUA para um acordo de segurança que permitisse a presença militar americana no Afeganistão.
Em 2014, Obama anunciou o fim das operações de combate no Afeganistão e uma redução significativa da presença militar dos EUA no país. A ideia era que cerca de nove mil soldados continuassem lá com missão única de treinar as tropas afegãs.
Ashraf Ghani foi eleito presidente em 2014 e assinou um acordo para dividir o poder com Abdullah Abdullah, que estava contestando o resultado das eleições.
Em 13 de abril de 2017, já sob a liderança de Donald Trump, os EUA lançaram a sua mais poderosa bomba não nuclear contra militantes do Estado Islâmico que estavam em um complexo de cavernas na província afegã de Nangarhar.
Nessa época, o Talibã já tinha controle sobre mais de um terço do Afeganistão – as forças afegãs, deixadas por sua conta e risco, não conseguiam conter os avanços do grupo fundamentalista no interior do país.
Em seu primeiro ano de mandato, Trump afirmou que a retirada das tropas remanescentes ocorreria baseada nas condições do campo e que o objetivo naquele momento era seguir com um compromisso militar ilimitado para evitar o surgimento de "um vácuo para terroristas". Um acordo político com o Talibã “está longe” de acontecer, disse ele na época.
Diante da postura mais agressiva do novo governo americano, com o envio de mais tropas para o interior do Afeganistão, o Talibã lançou uma série de ataques terroristas em Cabul que matou mais de 115 pessoas em janeiro de 2018.
Os EUA iniciaram conversas de alto nível com o Talibã em fevereiro de 2019, que culminaram, um ano depois, em um acordo de paz com o grupo fundamentalista.
Neste acordo, o governo Trump prometeu retirar as tropas americanas do território afegão dentro de 14 meses e o Talibã concordou em negociar com o governo afegão e não cooperar com grupos terroristas.
Elas começaram em setembro de 2020, entre o governo de Ghani e o Talibã, mas nenhum dos lados parecia realmente disposto a chegar a um entendimento. Apesar disso, os EUA mantiveram o cronograma para retirada de tropas do Afeganistão.
Em novembro de 2020, os EUA afirmaram que, até o fim do mandato de Trump, planejavam reduzir o número de soldados americanos no Afeganistão para 2.500. Naquele momento, centenas de tropas já haviam retornado aos EUA ou reposicionadas em outros países.
O secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, advertiu que a retirada prematura das tropas poderia permitir que o Afeganistão se tornasse um paraíso para terroristas.
O novo presidente americano, Joe Biden, decidiu manter o compromisso assumido por seu antecessor e disse que todas as tropas americanas sairiam do país até 31 de agosto, independentemente do andamento das negociações de paz intra-afegãs.
“É hora de acabar com a guerra mais longa da América”, disse Biden em abril, quando havia cerca de três mil soldados dos EUA no Afeganistão.
Em 15 de agosto, o Talibã entrou na capital Cabul e, sem resistência, tomou o poder sobre as instituições do país. Ghani fugiu para os Emirados Árabes Unidos. EUA e aliados tiveram que retirar de Cabul às pressas milhares de diplomatas e pessoas que trabalhavam para seus governos. O medo de retaliação levou milhares de afegãos ao aeroporto da cidade para tentar fugir do país.