Todas as noites, o presidente dos EUA, Barack Obama, recebe o que chama de "lição de casa": uma pastinha com dez cartas de norte-americanos, numa amostra sem vernizes sobre quem são seus governados.
Obama pediu para receber essas cartas sem triagem no segundo dia de mandato, e as usa para moldar suas políticas e burilar seus discursos, agregando-lhes histórias de pessoas reais.
Essa correspondência, agora reunida no livro "Ten Letters" (dez cartas), mostra os EUA em dificuldades.
"A única maneira pela qual Obama ainda tem alguma interação íntima com os norte-americanos comuns é por meio dessas dez cartas", disse à Reuters o autor do livro, Eli Saslow, que cobre a rotina da Casa Branca como repórter do jornal The Washington Post.
O livro sai nesta semana pela editora Doubleday.
Ler as cartas enviadas pela população não é novidade para os presidentes norte-americanos, sejam eles democratas ou republicanos. O primeiro presidente dos EUA, George Washington, recebia cerca de cinco cartas por dia, que ele abria e respondia pessoalmente. No final do século 19, William McKinley contratou um assistente para lidar com o "dilúvio de cem cartas" diárias.
O hábito ganhou força na década de 1930, quando pelo rádio Franklin Roosevelt convidou a população a partilhar suas preocupações em meio à Grande Depressão. Recebeu 450 mil cartas depois do primeiro programa.
Em 1998, Bill Clinton recebeu 2,26 milhões de cartas e mais de 1 milhão de emails. Na época do escândalo sexual envolvendo a estagiária Monica Levinsky, ele recebia muitos charutos - uma piada maldosa envolvendo detalhes do relacionamento dos dois.
No mesmo registro irônico, George W. Bush recebeu centenas de sapatos pelo correio na época em que foi alvejado por um calçado atirado por um jornalista iraquiano.
Mas, ao contrário dos seus antecessores, Obama formalizou o processo de examinar a correspondência. Segundo Saslow, ele criou um "sistema científico" para isso, o que "é típico da sua personalidade".
Diariamente, 50 funcionários de baixo escalão e mil voluntários examinam cerca de 20 mil correspondências, separando-as por categorias - justiça, desemprego, reforma da saúde, imigração - e também pelo sentimento que expressam.
A composição do pacote que chega a Obama seis noites por semana reflete o conteúdo geral da sua caixa postal, tanto em termos de assunto quanto do sentimento que expressam.
O livro revela que Obama muitas vezes se comove com as cartas, e que em média responde a uma ou duas por noite. O jornalista disse que o presidente lhe contou que às vezes envia um cheque ou faz uma ligação para ajudar a resolver algum problema.
A maioria das cartas trata de problemas pessoais. A primeira carta selecionada é de uma mulher que conta que perdeu o emprego, que a empresa do namorado faliu, que ela foi despejada da sua casa e que ficou sem seguro-saúde - e ainda descobriu, dias depois, que estava grávida do segundo filho.
O livro termina com a revelação de que a mulher vendeu a resposta de Obama a um negociante de autógrafos, por 7.000 dólares. "As coisas vão melhorar", prometia o presidente na carta.