Bruxelas A guerra de nervos estabelecida entre o Ocidente e o Irã desde a posse do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2005, fez que viesse a público informação que, se não é nova, causou espanto: a de que livros escolares iranianos ensinam a crianças e jovens entre 6 e 17 anos a odiar a civilização ocidental, aceitar o martírio e crer que a guerra santa é inevitável.
Desde muito cedo crianças e adolescentes iranianos aprendem na escola a se preparar para se sacrificar pelo Estado e a lutar contra os "opressores", de acordo com a ONG Centro para o Monitoramento do Impacto da Paz (CMIP, na sigla em inglês). O estudo baseado na avaliação de 95 livros escolares distribuídos aos alunos iranianos da rede pública e 20 guias do professor foi apresentado pela CMIP a deputados, jornalistas e diplomatas no Parlamento Europeu. Também está sendo divulgado em outras capitais européias.
"O currículo de guerra do Irã é um perigo para a paz mundial, para a segurança e a estabilidade. As crianças são ensinadas a ter ódio. O alvo é o Ocidente, a cultura ocidental", afirma o diretor de pesquisas da CMIP, Arnon Groiss.
Khomeini
Os livros destinados a alunos de todas as séries refletem os ensinamentos do aiatolá Ali Khomeini, líder da Revolução Islâmica no país no final da década de 70. O mais curioso é que os livros foram editados sob o regime aparentemente moderado de Mohammed Khatami.
Num dos trechos apresentados por Groiss, os EUA são apontados como país imperialista, "que faz intervenções militares onde quer que veja seus interesses em perigo", que "não se furta a massacrar pessoas, enterrar vivos os soldados do outro lado e usar armas de destruição em massa (como fez no Iraque)", que "lança mão de armas atômicas (o bombardeio no Japão)", entre outras acusações mais ou menos refutáveis. O texto, usado para o ensino de jovens de 16 e 17 anos, termina com a seguinte pergunta: "Sendo este o caso, qual seria, ou deveria ser, a sua reação diante dos Estados Unidos?".
Um dos resultados da "educação da guerra" é o número de crianças que foram enviadas ao "front" contra o Iraque. Dados exibidos aos próprios alunos nas apostilas para jovens entre 15 e 16 anos mostram que, durante os oito anos da chamada Guerra Santa (19801988), 500 mil estudantes foram mandados para o front, 36 mil foram feitos mártires e milhares de outros, dados como desaparecidos em ação ou que ficaram inválidos, "foram oferecidos à Revolução Islâmica".
Desconfiança
Especialistas não deixam de ver com desconfiança a divulgação do estudo, num momento em que o Irã está no centro das atenções mundiais, dadas a insistência do país em manter seu programa nuclear e as declarações controvertidas de Ahmadinejad. Mesmo assim, concordam com o fato de que os ensinamentos são um problema.
"O Irã pode ser um perigo hoje, mas já era antes. Os textos apresentados no país são reflexo de uma ideologia vigente desde 1979", afirma a especialista em Oriente Médio e diretora do Instituto de Sociologia da Universidade Livre de Bruxelas (ULB), Firouzeh Nahavandi.
Segundo ela, é comum que os regimes usem livros escolares para contar a sua versão da história. Não se trataria de fenômeno particular ao Irã.
"O teor dos textos de história nos países tem como orientação os interesses nacionais", afirma.