O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, saiu-se bem em sua primeira crise política, mas a manobra que fortaleceu a liderança dele anuncia a eclosão de novos conflitos em um país tradicionalmente instável.
Nesta semana, Lugo precisou administrar um embate responsável por dividir o Senado e que pareceu intensificar-se após a denúncia dele sobre um complô para derrubá-lo do poder, supostamente orquestrado pelo ex-presidente Nicanor Duarte e pelo general aposentado Lino Oviedo, dois personagens impopulares e tradicionais da cena política paraguaia.
Com o apoio do grupo liderado por Oviedo, Duarte pretendia tomar posse como senador ativo apesar do rechaço dos parlamentares leais a Lugo, que se opunham a uma manobra considerada inconstitucional.
Apesar de o presidente ter tentado distanciar-se publicamente da disputa argumentando se tratar de um problema do Legislativo, a intervenção dele ao denunciar a conspiração motivou uma onda de apoio internacional e manifestações de rua favoráveis ao dirigente.
Todos os países latino-americanos e a maior parte dos organismos internacionais da região saíram em defesa de Lugo, enquanto milhares de pessoas ocupavam a região central de Assunção exigindo a punição dos homens identificados como conspiradores.
"Acho que o presidente saiu fortalecido disso tudo porque a denúncia, elaborada de forma estratégica pelo governo, permitiu-lhe romper vínculos com pessoas que o ligavam ao passado", afirmou à Reuters o analista político e ex-senador Gonzalo Quintana, que já ocupou o posto de presidente do Congresso.
"Tanto o conflito no Senado como a crise advinda da denúncia de golpe foram resolvidos. O governo precisa agora orientar seus esforços para melhorar o padrão de vida dos paraguaios. Se conseguir sair-se bem nessa tarefa, conseguirá manter-se no poder", acrescentou.
A crise foi considerada superada na quinta-feira, quando o Senado ratificou como senador o suplente de Duarte e concedeu a esse o cargo de senador vitalício, com voz mas sem direito de voto no plenário.
Nova hegemonia à vista
Na opinião da analista política Milda Rivarola, apontada por Lugo como chanceler, mas que rejeitou o convite pouco antes de tomar posse, a coalizão de governo que substituiu no poder o Partido Colorado (conservador) enfrentará no futuro, necessariamente, dificuldades semelhantes a essa.
"Vamos ter que nos acostumar com o fato de que a transição, este período que estamos atravessando, será construída sobre a crise. O importante é encontrar mecanismos de solução pacífica e legal", afirmou Rivarola, ao jornal La Nación.
"Acredito que a hegemonia colorada destruiu-se e que se está construindo uma hegemonia distinta, com muita dificuldade. E isso supõe que haverá crises. A crise, segundo vejo, ainda não chegou ao fim e o novo ainda não se estabeleceu", acrescentou.
Os colorados governaram o Paraguai nas últimas seis décadas, incluindo aí 35 anos da ditadura comandada pelo general Alfredo Stroessner, período durante o qual construíram um Estado baseado em um esquema clientelista e de sinecuras.
Lugo tomou posse prometendo lutar contra os velhos vícios do passado, combater a pobreza e a corrupção e melhorar o padrão de vida de uma população sedenta por mudanças.
O ex-chanceler Diógenes Martínez disse que o conflito conferiu a Lugo a chance de confirmar sua liderança e sedimentar a governabilidade em uma nação marcada historicamente por tentativas de golpe de Estado e atos violentos no cenário político.
"Ele teve sorte. Em meio a essa situação, Lugo pôde aproveitar uma chance de formar uma maioria parlamentar da qual nunca dispôs. E isso lhe garantiria a possibilidade de governar com tranquilidade", disse Martínez.