O Peru entrou nesta segunda-feira (30) em uma grave crise constitucional após o presidente do país, Martín Vizcarra, anunciar a dissolução do Congresso unicameral. A decisão foi tomada em meio ao processo de escolha pelos parlamentares de seis dos sete integrantes do Tribunal Constitucional, a Suprema Corte do Peru. Vizcarra é contra a nomeação, argumentando que os magistrados seriam designados pelo fujimorismo para abafar os casos de corrupção.
Os congressistas responderam, apresentando moção de vacância da presidência por "incapacidade moral" do chefe de Estado e agora decidem quando votarão a medida.
Em pronunciamento na TV, o presidente justificou sua decisão. "Estou dando uma solução democrática e constitucional ao impasse que enfrentamos há meses ao permitir que os cidadãos definam nas urnas o futuro do país", justificou Vizcarra.
Fechamento do Congresso
O presidente assumiu o cargo em 2018, após a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, envolvido em esquemas com a Odebrecht. Com um forte discurso anticorrupção, Vizcarra tenta evitar que o Parlamento, dominado pela oposição liderada pela direitista Força Popular, de Keiko Fujimori, indique quase a totalidade do Tribunal Constitucional.
Candidata derrotada nas eleições presidenciais de 2016 e filha do ex-presidente Alberto Fujimori, Keiko está presa e sob investigação por sua ligação com o escândalo de corrupção envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht.
Nesta segunda, antes da decisão de Vizcarra, o primeiro-ministro do Peru, Salvador del Solar, havia apresentado um pedido para votar uma chamada "questão de confiança" para alterar o processo de escolha dos integrantes do Tribunal Constitucional. Segundo Vizcarra, a intenção era deixar a escolha mais transparente. Na prática, porém, a votação forçaria uma interrupção do atual processo de substituição dos juízes.
Vizcarra decidiu pela manobra do voto de confiança depois que sua proposta de antecipar para o ano que vem as eleições gerais - previstas para 2021 - foi engavetada pelo Congresso. O presidente acusou o Parlamento de bloquear seu trabalho com sucessivas manobras, questionamentos a seus ministros e pressão para renúncia de integrantes do gabinete.
Pela Constituição peruana, um presidente pode fechar o Congresso e convocar novas eleições legislativas se o Parlamento rechaçar duas vezes o governo por meio do mecanismo constitucional chamado "questão de confiança", negando respaldo a seu gabinete, a um projeto de lei ou a uma política governamental.
Segundo o presidente peruano, essa confiança já havia sido negada duas vezes anteriormente, quando o Parlamento rejeitou projetos de reforma política apresentados este ano, e novamente nesta segunda com o início da votação para escolha dos novos integrantes do Tribunal Constitucional, mesmo sob ameaça de dissolução.
"O congresso realmente mereceu essa dissolução", disse Carlos Rivera, diretor do Instituto de Defesa Legal, um grupo de direitos de Lima. "É uma decisão irreversível politicamente. É um ato que deve marcar o fim de uma era em nosso país e abrir uma nova, menos contaminada".
A última vez que um presidente do Peru fechou o Congresso foi em 1992, quando Alberto Fujimori alegou obstrução a temas de segurança e economia. Seus opositores, no entanto, afirmam que ele fez isso para barrar investigações de corrupção.
A reação dos parlamentares
Logo após o presidente do Peru, Martín Vizcarra, anunciar a dissolução do Congresso, parlamentares fujimoristas realizaram uma nova sessão e aprovaram a suspensão de Vizcarra da presidência por um ano. O parlamento também nomeou como presidente interina a vice-presidente Mercedes Aráoz.
A moção para suspender o mandatário por 12 meses foi aprovada por unanimidade em uma sessão em que estiveram presentes 86 dos 130 parlamentares. O pedido foi apresentado por legisladores da aliança opositora Fuerza Popular, os fujimoristas.
O pedido se divide em dois artigos: no primeiro, os parlamentares propõem que o Congresso concorde em declarar a "permanente incapacidade moral" do mandatário peruano. No segundo, que se admita a "vacância da presidência da República".
Nesse jogo de forças entre o Executivo e o Legislativo, na terça-feira (1º) o Peru tinha dois presidentes: Vizcarra e Aráoz.
Embora a legislação determine que a "suspensão temporária" seja usada em situações de doença do presidente, Aráoz imediatamente jurou como presidente interina perante o chefe da legislatura, o oponente Pedro Olaechea, segundo informa o site Infobae. "É meu dever como cidadã, mulher, mãe e vice-presidente assumir este mandato. O mais fácil seria desistir. Não fujo de minhas responsabilidades, por mais difíceis que sejam as circunstâncias", disse Aráoz, que descreveu a dissolução do Congresso como "inconstitucional", disse ela na segunda.
Mas um dia depois ela parece ter mudado de ideia. No final da noite de terça-feira (1º), Araóz renunciou ao cargo de vice e declinou das funções de presidente interina que havia assumido ao ser nomeada pelo Congresso. "Decidi renunciar irrevogavelmente ao cargo de Vice-Presidente Constitucional da República. Espero que minha demissão leve à convocação de eleições gerais no menor prazo para o bem do país", escreveu no Twitter. Ela justificou sua decisão dizendo que a "ordem constitucional no Peru foi rompida".
A decisão de Araóz está ligada ao pedido da Organização dos Estados Americanos (OEA) para que o Tribunal Constitucional do Peru se posicione em relação à crise.
As Forças Armadas e a Polícia do Peru já haviam expressado apoio ao governo de Vizcarra.
Corrupção no Peru
O escândalo da Odebrecht atingiu quatro ex-presidentes do Peru: Pedro Pablo Kuczynski, que cumpre prisão domiciliar; Alejandro Toledo, que aguarda decisão sobre sua extradição dos EUA; Ollanta Humala, que responde em liberdade após a promotoria do Peru pedir pena de 20 anos de prisão; e Alan García, que se suicidou em abril antes de ser preso preventivamente por envolvimento no escândalo. (Com agências internacionais).
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