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Argentina

Macri, a promessa liberal que se perdeu no caminho

Visita Oficial do Presidente da Argentina, Maurício Macri, ao Brasil, em 2017
Visita Oficial do Presidente da Argentina, Maurício Macri, ao Brasil, em 2017 (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Eleito em 2015 com a promessa de recuperar a economia da Argentina, Mauricio Macri vê a inflação disparar, o crescimento estagnar e enfrenta protestos cada vez maiores da população.

A campanha de Macri era apoiada na promessa liberal de reformar a economia e tirar o país da crise, mas nenhum dos dois pontos se cumpriu: o presidente desviou na direção contrária do liberalismo, adotando políticas de controle da economia e a Argentina continua em recessão.

A promessa de renovação também não se cumpriu: pela primeira vez desde que se instituíra o voto direto no país, um candidato de direita liberal foi eleito sem apoio da ditadura, fraudes ou candidatos proscritos. Antes da eleição, o país havia passado por um período de 12 anos do kirchnerismo, regime comandado pelo casal Néstor e Cristina Kirchner, que deixou o país com baixo índice de crescimento econômico, inflação crescente e alta rejeição popular.

Um passado presente

“É um dia histórico. Uma mudança de época. Um tempo que não pode deter-se em revanches ou ajustes de contas. Construir uma Argentina com pobreza zero, derrotar o narcotráfico e melhorar a qualidade democrática são os objetivos”, afirmou Macri em discurso após a confirmação da vitória nas urnas. Entre as propostas do novo presidente para alavancar a economia estavam a abertura a investimentos estrangeiros, redução da inflação para um dígito em dois anos e o aumento das exportações do setor agropecuário.

Quatro anos depois, o país enfrenta inflação acima de 50%, taxa de juros elevada recentemente para 70% e o peso argentino acumula desvalorização de 13,56% no primeiro trimestre de 2019, após perda de 51% em 2018. Na expectativa de um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para tentar estancar o caos, a Argentina teme reviver a crise de 2001, que provocou violentos protestos nas ruas e levou à queda de dois presidentes.

“Desde o fim do ano passado as políticas cambial e monetária entraram em um período errante e o dólar não parou de subir, o que levou a uma aceleração de preços e consecutivas corridas contra o peso”, diz um relatório do Observatório de Políticas Públicas da Universidade de Avellaneda.

Na prática, enquanto os preços sobem, os salários caem: segundo o mesmo relatório, entre 2015 e 2018, o salário mínimo sofreu desvalorização de 54%, enquanto o salário médio apresentou redução de 17%.

“Tecnicamente, o macrismo é um governo de centro-esquerda, eu não diria que é um governo de centro-direita porque não adotou nenhuma das medidas que a centro-direita costuma adotar no mundo, como reduzir impostos”, avalia o pesquisador e doutor em Teoria Política Julio Montero.

Um liberal anti-liberal

O cenário de estagnação econômica acompanhada de inflação foi o pano de fundo para a campanha de Mauricio Macri, que criticou o cenário econômico do kirchnerismo e prometeu medidas liberais para recuperar a economia. Com o mandato chegando ao fim neste ano, o legado de Macri está longe da promessa liberal: o presidente adotou política de controle de preços como estratégia para conter a inflação.

“A verdade é que o governo fez um diagnóstico otimista, acreditando que com a reinserção no mundo e com uma política mais razoável rapidamente teria também o controle da inflação. Mas neste caso não teve os resultados esperados. Isso é lento. E as pessoas têm razão de reclamar”, diz o economista argentino Bernardo Kosacoff em entrevista ao Clarín.

Sem a recuperação prometida por Macri, a economia argentina passa a depender novamente do Fundo Monetário Internacional (FMI), em mais uma virada que remete à maior crise já enfrentada pelo país. Com empréstimos de US$ 57 bilhões previstos para o biênio 2022/2023, o peso argentino precisa evitar o colapso e desacelerar a escalada da inflação, que já passa de 50% ao ano.

“A questão da confiança passa a ser tema central no diagnóstico dessa nova crise. O presidente Mauricio Macri trouxe um receituário clássico de liberalismo, imaginando que isso seria o suficiente para fazer o país decolar e atrair investimentos estrangeiros”, explica o cientista político e diretor da consultoria Arko Advice, Thiago de Aragão, que destaca ainda que o governo de Macri não levou em consideração que a memória coletiva do investidor externo ainda é forte e negativa quando se trata de Argentina.

Derrota no horizonte

O agravamento da crise é uma ameaça iminente conforme se aproximam as próximas eleições para a presidência da Argentina. Em outubro, os argentinos vão às urnas e Macri tentará a reeleição. Mas os números não estão a seu favor: hoje o presidente perde para a chapa de Cristina Kirchner, que confirmou recentemente que disputará a vice-presidência.

Para Luis Fernando Ayerbe, professor de História e Relações Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Macri se elegeu com uma promessa “demasiado otimista”.

“Ele passou a confiabilidade de que resolveria rapidamente um dos grandes problemas da Argentina, que é a inflação alta. Acontece que os investimentos estrangeiros não vieram, a inflação não foi controlada e a economia cresceu pouco”, observa.

Já o Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Andrés Ernesto Ferrari Haines, acredita que o atual governo “vendeu promessas fáceis” e acabou se iludindo.

“A partir do momento em que não conseguiu adiar a adição de medidas econômicas mais duras, Macri optou por escolher a quem sacrificar e, por decorrência, a quem pouparia. Sua opção foi por beneficiar a especulação financeira, particularmente a cambial, em detrimento da produção e do emprego, que ficaram mais expostos às pressões competitivas externas em um momento especialmente complexo e incerto da economia mundial.”

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