Nas próximas semanas, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, receberá a visita oficial do primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, e do presidente francês, François Hollande, enquanto planeja seu primeiro encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ainda sem data marcada. Dias atrás, passou por Buenos Aires Kristie Kenney, principal assessora do secretário de Estado americano, John Kerry, que pediu aos empresários locais “ajuda para que o novo governo argentino possa fazer as mudanças necessárias”.
Esta ativa agenda internacional, que incluiu reuniões com o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, e até com o primeiro-ministro britânico, David Cameron, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, representa uma mudança de 180 graus em relação à política externa cultivada durante quase 13 anos pelo kirchnerismo. Macri está decidido, segundo confirmou ao GLOBO o secretário de Planejamento Estratégico do governo, Fulvio Pompeo, a “equilibrar as relações com as grandes potências e a apelar para o diálogo em todas as nossas relações externas”.
A recomposição com “as grandes potências” é acompanhada por uma clara política de “limpar a mesa” com os vizinhos e sócios da região, principalmente Brasil, Uruguai, Paraguai e Chile. O acúmulo de conflitos externos foi uma das heranças deixadas pelo governo Kirchner que Macri já começou a encarar.
— Temos uma agenda do século XXI. Nosso principal objetivo é que a inserção internacional nos permita alcançar nossas metas internas, como a pobreza zero — assegurou Pompeo, que ocupa uma sala na Casa Rosada próxima a do presidente.
Foco no diálogo
O secretário é peça central na construção da nova política externa argentina. Ele negou a tentativa de “diferenciar-se do kirchnerismo” e disse que “as mudanças ocorrem porque naturalmente faz as coisas de outra maneira, acreditando que a política de confronto permanente não serve a ninguém”.
— Baseamos nossa construção no diálogo com todos — enfatizou Pompeo.
Mas, embora não tenha como prioridade mostrar-se como o oposto do kirchnerismo, Macri chegou ao poder marcando claras divergências. O presidente aproveitou sua primeira participação numa cúpula do Mercosul, em meados de dezembro passado, em Assunção, para questionar a existência de presos políticos na Venezuela, um dos mais fortes aliados dos três mandatos consecutivos dos Kirchner. O novo governo também anulou o memorando de entendimento com o Irã, que tantas dores de cabeça trouxe à ex-presidente Cristina Kirchner, acusada pelo promotor Alberto Nisman (morto em janeiro de 2015) de ter selado um pacto secreto com aquele país para acobertar funcionários iranianos acusados de participação no atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que matou 85 pessoas em 1994.
— Com Macri, a Argentina passou a ter uma política de inserção internacional definida, deixando de lado as característica fundamentais do kirchnerismo, que foram o isolamento e a decisão de dar prioridade à acumulação de poder político doméstico — apontou o analista Jorge Castro, diretor do Instituto de Planejamento Estratégico.
Para ele, “o conflito permanente com os Estados Unidos, a parceria com a Venezuela, tudo era parte de uma agenda que tinha como eixo central atender às demandas do público interno”.
— O vínculo do país com o mundo não era considerado importante — frisou Castro.
No primeiro mandato do kirchnerismo, de 2003 a 2007, o então chefe de Estado Néstor Kirchner viveu momentos de forte tensão com a Casa Branca, com destaque para a cúpula da fracassada Área de Livre Comércio das Américas (Alca), no balneário de Mar del Plata, em 2005. Durante o encontro, Kirchner formou uma tropa de choque com os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, para enfrentar as posições defendidas pelo então chefe de Estado americano, George W. Bush. Com Cristina também ocorreram atritos memoráveis, o último deles em setembro passado, quando a ex-presidente acusou, em visita a Nova York, o governo dos Estados Unidos de proteger um ex-agente de inteligência argentino, Jaime Stiusso, suspeito de estar envolvido na morte de Nisman.
— Queremos uma relação madura com os Estados Unidos, não uma relação adolescente — alfinetou Pompeo.
Macri e Obama já conversaram por telefone e poderão se encontrar no mês de março. O presidente argentino está avaliando a possibilidade de participar da cúpula de segurança nuclear, que será realizada em Washington. Paralelamente, ambos os governos estão conversando sobre uma possível visita do presidente americano à capital argentina.
Avanço nas relações
Macri avançou, ainda, na recomposição do relacionamento com o Reino Unido. Durante o kirchnerismo, o conflito pela soberania das Ilhas Malvinas impediu qualquer tipo de cooperação entre os dois países. Cristina e Cameron trocaram afiadas acusações, principalmente em 2012, quando se completaram 30 anos da guerra.
— O novo governo mantém a reivindicação da soberania, mas busca melhorar a relação. Foi enviado a Londres como embaixador um diplomata de carreira (Carlos Sersale di Cerisano). A ex-embaixadora (a dirigente kirchnerista Alicia Castro, que passou antes por Caracas) deteriorou muito o vínculo — opinou Ignácio Labaqui, professor da Universidade Católica Argentina (UCA).
Política de boa vizinhança
De acordo com o secretário argentino, a proposta é dialogar sobre todos os assuntos com o Reino Unido.
— A defesa da soberania é um mandato constitucional que vamos respeitar, mas isso não deve impedir a cooperação bilateral — disse Pompeo.
Na região, Macri quer deixar para trás os curtos-circuitos permanentes com os vizinhos, em matéria econômica, política e até mesmo ambiental. Com o Uruguai, foi criada uma comissão para monitorar a eventual contaminação do Rio Uruguai em consequência da instalação de uma fábrica de celulose no país, iniciativa que provocou agressivas discussões entre os governos Kirchner e as autoridades uruguaias. Com o Brasil, este mês será iniciado um trabalho intenso do novo secretário de Comércio, Miguel Braun, para discutir e resolver uma série de conflitos que afetam os dois países. Nos últimos anos, o comércio no Mercosul despencou, entre outros motivos, pelas medidas de controle cambial kirchneristas.
— Macri tem um enfoque mais pragmático e menos ideológico — resumiu Labaqui.
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