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Em 2017, a disputa de Emmanuel Macron e Marine Le Pen no segundo turno da eleição presidencial da França representou o triunfo dos “antissistema”, candidatos que não faziam parte dos grupos políticos predominantes do país.
Pela primeira vez desde a fundação da 5ª República, em 1958, as duas grandes correntes políticas francesas – a socialista e a gaullista – ficaram de fora da segunda votação para presidente do país.
O centrista Macron não representava uma ruptura radical, já que havia sido ministro da Economia do presidente socialista François Hollande, mas rompeu com este em 2016 e fundou seu próprio partido, Em Marcha! (depois rebatizado de República em Marcha!), pelo qual venceu a eleição do ano seguinte.
Já a direitista Le Pen deu continuidade ao programa político de seu pai, Jean-Marie Le Pen, na Frente Nacional (que depois passou a se chamar Reagrupamento Nacional), com uma plataforma anti-imigração e eurocético. Na sua terceira tentativa de chegar ao Palácio do Eliseu, ela adota um discurso mais brando em relação às campanhas anteriores.
Os resultados do primeiro turno da eleição presidencial francesa, realizada neste domingo (10), indicam que Macron (27,4% dos votos com 96% das urnas apuradas) e Le Pen (24%) já protagonizam uma polarização própria, pois farão o segundo turno novamente e porque as correntes políticas tradicionais do país naufragaram nas urnas: o último resultado parcial mostrava a candidata de centro-direita Valérie Pécresse, do grupo dos ex-presidentes Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy, com 4,7% dos votos, enquanto a socialista Anne Hidalgo, prefeita de Paris, somava apenas 1,7%.
“Os partidos tradicionais da França, tanto à esquerda quanto à direita, ficaram à margem do processo, com candidatas inexpressivas e baixa porcentagem dos votos. A terceira via que apareceu nesse processo eleitoral foi o [esquerdista] Jean-Luc Mélenchon, que teve uma votação representativa [21,6% na última parcial], mas que não faz parte do grupo histórico socialista francês”, explica Igor Lucena, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Chatham House/The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política.
Esta é a terceira vez que a família Le Pen chega ao segundo turno na eleição presidencial francesa: além da derrota de Marine em 2017 para Macron, Jean-Marie perdeu para Chirac em 2002.
Há 20 anos, o pai de Marine Le Pen obteve um resultado surpreendente no primeiro turno, mas depois os candidatos derrotados se aliaram a Chirac e este obteve uma reeleição tranquila, com 82% dos votos. Em 2017, Macron venceu em segundo turno com 66%.
Este ano, porém, as pesquisas realizadas antes do primeiro turno apontavam um empate técnico entre o atual presidente e Le Pen na segunda votação, o que indica que será uma disputa acirrada.
“Acho que será um resultado mais apertado, até porque tivemos outro candidato mais à direita que a Le Pen, que foi o [Éric] Zemmour, que começou bem, mas depois foi caindo [quarto colocado, com 7% na última parcial]. O Macron pode se beneficiar com os outros candidatos se posicionando contra a Le Pen. Devem ocorrer conversas nas próximas horas e nos próximos dias para uma aliança contra sua adversária”, afirma Lucena.
“Mas um ponto importante é que a França sempre teve um modelo reformista [em política], o que favorece a Le Pen para o segundo turno, por ela ser uma novidade, ser uma mulher, o que seria inédito na França [uma presidente do sexo feminino]”, acrescenta o analista.