Com popularidade em baixa, o presidente da França Emmanuel Macron tenta conter a onda de protestos que se espalhou pelo país. A “rebelião dos coletes amarelos”, como ficou conhecido o movimento, começou com protestos contra o aumento do preço dos combustíveis. Hoje, o manifestantes também expressam seu descontentamento com outras questões, como o salário mínimo e o custo de vida no país.
Como começou o movimento?
Os protestos tiveram início no dia 17 de novembro, contra o aumento dos impostos sobre diesel e gasolina. A taxação sobre os combustíveis fósseis faz parte do plano de Macron para reduzir a emissão de gases poluentes e combater as mudanças climáticas.
Na França, o preço do diesel nas bombas aumentou 16% neste ano, para uma média de 1,48 euro por litro (R$ 6,46). Já a gasolina subiu 5%, para 1,47 euro por litro (R$ 6,41), em média. Os impostos equivalem a cerca de 60% do preço dos combustíveis nas bombas do país.
O diesel é o combustível mais usado na França, o que faz com que muitos vejam as políticas recentes mais como um ataque aos trabalhadores do que como uma medida para proteger o meio ambiente.
Quem são os coletes amarelos?
O movimento adotou como símbolo o colete amarelo, que é uma peça usada para que os motoristas fiquem mais visíveis em caso de acidente na estrada.
Não existe uma liderança clara no movimento, que se organiza por meio de redes sociais, estando desvinculado de qualquer comando político ou sindical – o que torna difícil para o governo negociar soluções.
Grupos disputam a prerrogativa de representar os mais de 280 mil que foram às ruas e rodovias no último dia 17 (e ainda 130 mil no último sábado) com uma pauta que costura várias declinações de um só clamor: a recomposição do poder de compra do cidadão médio.
Segundo a chefia de polícia de Paris, o “colete amarelo” padrão é homem, com idade entre 30 e 40 anos, vindo do interior do país – regiões onde a rede de transporte público possui inúmeros pontos cegos, o que deixa milhões dependentes de carros particulares, daí o descontentamento com o reajuste da tarifa sobre a gasolina.
O que eles reivindicam?
O estopim do movimento popular foi o aumento de imposto sobre combustíveis. Mas a agenda do movimento rapidamente se expandiu e hoje abarca reivindicações como o aumento do salário mínimo, a diminuição da taxação das aposentadorias e a melhoria dos serviços públicos.
Para além da questão dos combustíveis, muitos aproveitaram para expressar seu descontentamento com o que consideram “o presidente dos ricos”, visto cada vez mais distante das preocupações dos cidadãos comuns.
Como têm sido os protestos?
Os protestos já são considerados os mais violentos das últimas décadas. Um total de 136 mil pessoas participaram de manifestações em toda a França. A violência deixou 263 feridos, sendo 133 na capital, e 378 pessoas foram detidas, segundo balanço oficial divulgado neste domingo, dia 2.
No primeiro sábado de protestos, em 17 de novembro, uma pessoa morreu, em Pont-de-Beauvoisin, na região de Savoie. O manifestante, de 63 anos, foi atropelado por um motorista que entrou em pânico ao ver a manifestação e acidentalmente acelerou em direção à multidão.
Neste sábado (1º), o país teve a terceira jornada de protestos dos coletes amarelos. As manifestações levaram menos gente às ruas, mas os confrontos foram mais violentos do que no sábado anterior (24 de novembro).
Manifestantes fizeram uma série de pichações no Arco do Triunfo, um dos monumentos mais visitados de Paris. Algumas lojas do centro da capital tiveram vidros quebrados.
Houve confronto entre manifestantes e policiais, e ao menos 122 pessoas foram presas, segundo o jornal francês Le Monde. Os manifestantes construíram barricadas no meio das ruas, atearam fogo e lançaram pedras contra os policiais, que dispararam bombas de gás lacrimogênio e canhões d’água para tentar dispersar o grupo.
O confronto deste sábado deixou pelo menos 80 pessoas feridas, incluindo 16 policiais.
No mesmo dia, houve protestos em outras regiões da França. No entanto, as manifestações e bloqueios de estradas foram em grande medida pacíficos. Autoridades francesas disseram ter contado 36 mil manifestantes em todo o país, incluindo 5,5 mil em Paris.
Qual tem sido a resposta de Macron?
Em Buenos Aires para a cúpula do G20, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que os manifestantes violentos que atacaram policiais e picharam o Arco do Triunfo seriam denunciados e prometeu que eles serão “responsabilizados por seus atos”. Segundo ele, os protestos “não têm nada a ver com a expressão pacífica de uma raiva legítima”. Para Macron, “nenhuma causa justifica” os ataques contra a polícia ou saques a lojas e edifícios em chamas.
Macron voltou à capital francesa no domingo e visitou o Arco do Triunfo, horas depois dos protestos. Ele convocou uma reunião de emergência com membros do poder executivo para tentar conter a onda de protestos.
Após o encontro, Macron não descartou decretar estado de emergência, regime de exceção que reforça os poderes da polícia, da Justiça e do Ministério Público – o mesmo decretado após os atentados de novembro de 2015.
A pedido de Macron, o primeiro-ministro Edouard Philippe recebeu para consultas líderes dos partidos com representação parlamentar, quase todos sugerindo o congelamento ou a total revogação do reajuste do imposto que é o estopim do movimento popular.
Quais são as propostas para resolver a crise?
Ao longo de toda a segunda, a sede da chefia de governo francesa foi palco de um cortejo de líderes partidários. “As soluções [para a crise sociopolítica] precisam ser vigorosas, audíveis e imediatas”, disse à saída Marine Le Pen, da ultradireitista Reunião Nacional, que afirmou ter recomendado a Philippe a redução das tarifas de luz e água e o aumento do salário mínimo, entre outras medidas.
Na outra ponta do espectro, a França Insubmissa aventou até a possibilidade de uma dissolução da Assembleia Nacional (Câmara dos Deputados) em prol de eleições legislativas antecipadas.
Os direitistas d'Os Republicanos, por sua vez, pediram, pela voz de seu presidente, Laurent Wauquiez, um referendo popular sobre a política de transição energética do governo (a taxa que é o pomo da atual discórdia deve financiar investimentos em fontes limpas ou menos poluentes).
“Não há mais tempo para debate. É hora de agir e de fazer um gesto de apaziguamento”, disse ele, referindo-se a um possível recuo sobre a imposição da nova taxa.
Quais são os prejuízos até o momento?
Associações de empresários e comerciantes e governantes locais se reuniram nesta segunda-feira para fazer a conta dos estragos e do prejuízo causados pelo bloqueio de estradas e centros de compras – e também pela irrupção da violência.
A Associação Nacional das Indústrias Alimentícias, por exemplo, projeta perdas de até 13 bilhões de euros (R$ 56 bilhões) no setor se o nó rodoviário em alguns pontos do país não se desfizer logo.
As transações feitas por ocasião das festas natalinas respondem por 20% do faturamento anual desse segmento, informou o grupo, e o baque pode ser especialmente duro (e talvez incontornável) para pequenos e médios empresários.
De seu lado, as firmas de logística e de transporte de carga avaliam já ter amargado juntas prejuízo de 400 milhões de euros (R$ 1,7 bilhão), o que põe em risco postos de trabalho, segundo as federações respectivas.
Uma das mercadorias que não chegaram a seu destino foi justamente o combustível. Com centrais de distribuição isoladas por manifestantes, uma centena de postos de gasolina estava a seco na segunda, mas o impacto nacional ainda é limitado.
Ainda na segunda, a Prefeitura de Paris estimou que gastará, só para recuperar o mobiliário urbano vandalizado no último sábado, entre 3 milhões (R$ 13 milhões) e 4 milhões de euros (R$ 17,3 milhões).
Os pequenos comerciantes viram sua arrecadação cair entre 20% e 40% nas últimas duas semanas, segundo cifras transmitidas ao Ministério da Economia. Nos grandes supermercados e lojas de departamento, a queda varia entre 15% e 25%, enquanto nos shoppings e galerias comerciais, a clientela encolheu 14%.
Já o turismo sente os efeitos da difusão nacional e internacional das cenas em que a sofisticada avenida Champs Elysées e suas adjacências surgem transfiguradas em praças de guerra. As reservas para as próximas semanas sofreram retração de até 20%, o que repercute no setor de restaurantes, no qual há casos em que 50% dos comensais desapareceram.
Qual é o objetivo dessa política para combustíveis fósseis?
O presidente francês não está sozinho na defesa de maiores impostos para combustíveis fósseis. A Organização das Nações Unidas argumenta que taxar as emissões de carbono é um componente essencial para conter o constante crescimento das temperaturas globais. Esse foi um elemento-chave do relatório do painel intergovernamental mundial, divulgado em outubro, que prevê que a média da temperatura mundial vai aumentar 1,5º C já em 2040, potencialmente iniciando uma crise global décadas antes do que era esperado.
Estima-se que 48 mil pessoas morram na França todos os anos por causa de problemas relacionados à poluição. De acordo com o órgão francês de monitoramento da saúde.