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Como Maduro usa a ameaça de guerra com o Brasil para tentar conter a crise venezuelana

Como Maduro usa a ameaça de guerra contra o Brasil para conter a crise venezuelana
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, tem apontado o Brasil como uma ameaça militar contra seu país. (Foto: AFP)

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O ditador venezuelano Nicolás Maduro está usando uma suposta ameaça de guerra com o Brasil como recurso para tentar salvar a pouca popularidade que ainda lhe resta dentro de seu país. A recente acusação de que o presidente Jair Bolsonaro estaria “arrastando as forças militares do Brasil para um conflito armado” com a Venezuela, na sexta-feira retrasada (14) é mais um capítulo da estratégia de buscar inimigos externos para desviar a atenção da crise interna que enfrenta o país.

Um dia depois, as forças venezuelanas iniciaram exercícios militares. Isso é prática comum em qualquer país do mundo e na própria Venezuela. No ano passado, o governo Maduro fez três vezes esses exercícios: um no primeiro semestre e dois no segundo.

Mas, desta vez, as circunstâncias em que os exercícios militares se deram tornam a situação distinta do usual, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. “O Maduro tem dito que os exercícios militares neste momento são necessários para responder a uma suposta invasão que está prevista ou que é intenção do governo brasileiro, o que não é um fato. Ele está apenas utilizando isso como um argumento para justificar uma mobilização”, explica Marcelo Suano, professor de relações internacionais do Ibmec-SP.

Antes de que os exercícios se iniciassem, Maduro fez declarações contundentes contra os governos de Colômbia e Brasil, seus principais opositores na América do Sul. Além disso, as demonstrações de poderio bélico foram feitas logo depois de uma viagem internacional do presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, que buscava apoio estrangeiro contra a ditadura em seu país. Outro fator que torna os últimos exercícios diferentes dos anteriores é o volume militar utilizado nas demonstrações, maior do que o normal.

Ideia do inimigo estrangeiro alimenta popularidade de Maduro

A ideia de que há inimigos estrangeiros à espreita, ameaçando a soberania da Venezuela, sempre foi usada como tática pelo chavismo e alimenta sua popularidade desde o fim do século passado, quando Hugo Chávez se elegeu presidente do país. Até pouco tempo atrás, a grande ameaça apontada pelos chavistas eram os EUA. Com a ascensão de governos de direita em nações vizinhas na América do Sul, Nicolás Maduro ganhou novos elementos para sustentar uma velha narrativa.

“O que a gente percebe em várias das declarações do Nicolás Maduro, já há muitos anos, é que, mesmo quando elas são direcionadas para o exterior, acusando outros países, ele quer na verdade fazer uma demonstração ao público interno, à população da Venezuela, de que há uma interferência estrangeira que tem prejudicado os interesses do país”, afirma Manuel Furriela, especialista em relações internacionais do Centro Universitário FMU.

Marcelo Suano compara essa estratégia do chavismo com a de regimes fascistas. “O fascismo, e várias outras formas de autoritarismo e totalitarismo, precisam de uma mobilização constante da sua sociedade contra um inimigo que é comum a todos eles. O que faz com que eles estejam sempre ativos e trabalhando um ao lado do outro não é a simpatia pessoal ou a crença num futuro melhor, apenas. É o fato de existir um inimigo contra o qual eles devem se preparar e devem combater. É necessária essa mobilização para o regime Maduro”, explica.

De acordo com Suano, Maduro enxergou que “Colômbia e Brasil se apresentam neste momento da história como aquele inimigo capaz de mobilizar a sociedade”. Mas, segundo o professor, o ditador venezuelano não tem conseguido vender essa narrativa para a sociedade de seu país, que “está dividida e, majoritariamente, é contra o governo Maduro”. Por outro lado, o chavismo ainda tem o apoio expressivo das Forças Armadas, “que tem poder de fogo para garantir Maduro no poder”, diz Suano.

Maduro também tem o objetivo de deslegitimar Juan Guaidó

As demonstrações contra Jair Bolsonaro e os vizinhos de direita têm como alvo principal, ainda que indireto, o atual presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, visto como a principal ameaça real ao governo de Maduro. Suano afirma que as declarações feitas antes dos exercícios militares tentam mobilizar uma “unidade contra o inimigo interno, que é o Guaidó”.

“Maduro alega constantemente que o Juan Guaidó está numa situação de criminalidade, está na ilegalidade, e o ameaça, a qualquer momento, de prisão. Se ele tivesse força suficiente, já teria dado ordem de prisão para o Guaidó. Ele não o faz porque não tem força, inclusive dentro das Forças Armadas, que começam, de alguma maneira, a questionar o Maduro”, diz Suano.

Segundo o professor, as declarações recentes servem justamente para unir os militares que são fiéis a Maduro contra aqueles que tendem a reconhecer Juan Guaidó como líder legítimo da Venezuela. O presidente interino retornou em 11 de fevereiro de uma viagem internacional em que tentou angariar apoio político contra Maduro.

Para Manuel Furriela, o governo Maduro quer sugerir para a população que Guaidó não foi arregimentar apoio político, mas sim mobilizar nações estrangeiras para uma possível intervenção militar. “O que o Maduro tenta é desconstruir essa viagem internacional do Guaidó, tentando associá-la à intenção de arregimentar tropas de países estrangeiros para invadir a Venezuela, o que é completamente inverossímil.”

Demonstração de poderio militar foi maior desta vez que em outras

Outro aspecto que torna os últimos exercícios distintos dos anteriores é o volume do poderio militar envolvido. Maduro articulou, pela primeira vez, não apenas as três Forças Armadas (Marinha, Aeronáutica e Exército), mas também a Guarda Nacional e a Milícia Bolivariana – este último um exército popular composto por civis voluntários que participam de treinamentos voltados à defesa do regime de Maduro.

“A novidade é que, muito recentemente, a Milícia Bolivariana foi incorporada como força armada, coisa que ela não era. Ela foi institucionalizada”, explica Suano. Integrada às Forças Armadas pelo governo de Maduro no início de fevereiro, a Milícia tem agora um orçamento para adquirir armamentos e passa a receber treinamento oficial.

Além disso, durante os exercícios militares, os venezuelanos pela primeira vez em anos testaram, no domingo (16), um míssil antinavios – que poderia servir para enfrentar outros países em batalhas marítimas.

A Venezuela tem força suficiente para enfrentar o Brasil?

Boa parte do poderio militar venezuelano provém da ajuda que a ditadura de Maduro recebeu do governo russo.

De acordo com os analistas, os venezuelanos têm bons equipamentos, sobretudo pela ajuda da Rússia, e um grande efetivo militar – menor que os 2 milhões alardeados pelo governo Maduro, mas significativo ainda assim. De qualquer forma, o efetivo brasileiro é maior: o Brasil tem mais de 330 mil militares na ativa, enquanto a Venezuela tem em torno de 120 mil.

No setor aéreo, os venezuelanos estariam à altura de enfrentar a Força Aérea Brasileira. “Diz-se que, inclusive, eles teriam superioridade nesse sentido, apesar de nós termos mais aviões de combate que os venezuelanos”, afirma Suano. “As Forças Armadas venezuelanas têm alguns equipamentos militares que são de alto nível tecnológico – por exemplo, o caça Sukhoi Su-30 russo; eles têm 24", diz o especialista, que faz uma ressalva: "Mas diz-se que apenas metade está operacional; e que eles não têm tantas peças de reposição”.

Tendo em vista que um eventual conflito se daria na região amazônica, o Brasil também levaria vantagem por causa do tipo de treinamento de seu efetivo. Segundo Suano, os brasileiros têm um dos melhores cursos de guerra na selva do mundo, em Manaus. “Os nossos combatentes são muito bem treinados.”

Até que ponto a possibilidade de conflito é real?

A crise econômica vivida pela Venezuela, no entanto, atrapalharia uma eventual intenção real de Maduro de atacar o nosso país. As Forças Armadas da nação vizinha contam com muito menos recursos financeiros que as do Brasil. A escassez de recursos também torna pouco provável que a Venezuela se arrisque em uma guerra no meio da selva (o front mais provável), que demandaria gastos altos.

“A questão não é fazer a invasão, mas ter condições de suportar em longo prazo uma invasão como essa”, diz Suano. “Dificilmente eles invadiriam o território brasileiro. Na perspectiva do Maduro, eles estão se preparando para a defesa de um suposto ataque do Brasil. Ou seja: bravata. O que eles querem é um argumento para unificar segmentos em torno de um inimigo comum.”

Para o professor, é ainda mais difícil conceber que o Brasil tenha a intenção de invadir a Venezuela. “Não está no escopo do governo brasileiro, menos ainda das Forças Armadas brasileiras, menos ainda do Exército brasileiro. A perspectiva brasileira é de diplomacia, de solucionar o problema da Venezuela política e diplomaticamente, dando apoio e, inclusive, recebendo os refugiados”, afirma Suano.

De acordo com Manuel Furriela, a chance de um conflito armado pode ser praticamente descartada porque nenhuma das três potências mais envolvidas na crise da Venezuela tem interesse em um embate militar. Do lado contrário ao regime de Maduro, os Estados Unidos nunca falaram na possibilidade de usar seu poderio bélico para combater a ditadura venezuelana. Já russos e chineses, que são favoráveis a Maduro, mostram-se dispostos a proteger a Venezuela de um eventual ataque.

“A Rússia e a China apoiam o governo do Maduro. Esse é um apoio que afasta qualquer possibilidade de uma interferência externa. A China chegou a expressar que, caso algum país interferisse em interesses venezuelanos ou invadisse o país, se posicionaria. E a Rússia também fez essas indicações”, diz Furriela.

Atualmente, o governo brasileiro mantém boas relações tanto com russos como com chineses. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, e o volume das transações comerciais entre os dois países girou em torno de US$ 100 bilhões em 2019.

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