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Estudante da Universidade Central de Caracas durante manifestação pelo Dia dos Estudantes, em 21 de novembro | YURI CORTEZ/AFP
Estudante da Universidade Central de Caracas durante manifestação pelo Dia dos Estudantes, em 21 de novembro| Foto: YURI CORTEZ/AFP

Imagine um governo que aumente o salário mínimo em 150%, dê um bônus de dois mil aos trabalhadores e ainda distribua toneladas de carne de pernil para a ceia de Natal. Parece um sonho, só que não é. É a ditadura de Nicolás Maduro tentando, à sua maneira, compensar a hiperinflação que assombra a Venezuela. 

Exatamente 100 dias depois que anunciou o novo plano econômico para a Venezuela, Maduro fez uma dupla jogada que o permitiu melhorar sua imagem perante seus apoiadores e desvalorizar a nova moeda nacional, o bolívar soberano. 

Na quinta-feira passada, o regime anunciou que elevaria o valor do Petro, a criptomoeda estatal lastreada em petróleo e minerais, de 3.600 para 9.000 bolívares soberanos, o que consequentemente elevou o salário mínimo nacional na mesma proporção, já que depois da reforma econômica ele ficou ancorado ao Petro. Ou seja, a renda mensal mínima de um trabalhador venezuelano passou de 1.800 para 4.500 bolívares soberanos a partir de 1º de dezembro. 

“A chegada do Natal é muito emocionante, então essa medida corretiva vem como um presente para grandes famílias trabalhadoras", disse Maduro. 

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Mas a notícia passou longe de ser comemorada. Para Marco Aponte-Moreno, professor de Negócios Globais na Faculdade Saint Mary's da Califórnia (EUA), a medida foi utilizada com o intuito de mascarar uma desvalorização da moeda nacional – e não de valorizar o Petro, que continua com seu valor de mercado em torno de US$ 60 dólares. Isso porque, no dia seguinte ao anúncio, o bolívar soberano sofreu uma forte queda frente ao dólar, no câmbio oficial, ao passo que o valor do Petro se manteve estável. O dólar Dicom (sistema monetário de taxa de câmbio flutuante de mercado complementar) subiu de 96,84 para 171,67 bolívares soberanos. 

Traduzindo os valores para uma moeda estável, o salário mínimo vale cerca de US$ 26 de acordo com a taxa de câmbio oficial, ou US$ 11 no câmbio paralelo (considerando a taxa desta segunda-feira, 3 de dezembro, no site DolarToday), que é como a maioria das pessoas consegue ter acesso à moeda estrangeira. 

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Apesar do 6º aumento salarial no ano – e do 25º desde 2013, quando Maduro assumiu o seu primeiro mandato – o poder de compra da população tem se deteriorado rapidamente. “Em agosto eles multiplicaram o salário mínimo por 80 e o rendimento mínimo por 35. Tudo isso se perdeu, mas foi clara a evidência de que não importa o quanto o aumentem nominalmente, o poder de compra não se recuperará sem maior produção - produtividade”, escreveu o economista Henkel Garcia, diretor da consultoria Econométrica, em um tuíte após o anúncio da reposição salarial. 

Uma reportagem do jornal venezuelano El Nacional, publicada nesta segunda-feira, conta como está sendo para a população de Caracas fazer compras para este Natal: uma blusa custa 9.499 bolívares soberanos, uma camisa masculina por 8.151 bolívares. Um salário mínimo não chega perto de bancar esses preços, nem se forem somados aos dois mil bolívares de abono que serão dados aos trabalhadores e pensionistas. 

Mas estes itens, ainda que necessários, não estão na lista de prioridades. “Agora só pensamos na comida, quando antes o dinheiro sobrava para guardar até fevereiro”, disse a idosa Miriam Cedeño à reportagem do El Nacional enquanto estava em uma sapataria. 

“Na Venezuela, a figura social do salário não funciona. Os aumentos são discricionários, não têm nada a ver com produtividade e na hiperinflação, não há como recuperar o poder de compra”, comentou no Twitter Asdrubal Oliveros, economista e diretor da consultoria Ecoanalitica. 

100 dias de plano econômico 

Em 20 de agosto, entrou em vigor na Venezuela o Plano de Recuperação, Crescimento e Prosperidade Econômica. O bolívar soberano surgiu com cinco zeros a menos do que o bolívar forte, houve a implementação da criptomoeda estatal Petro à economia, e também foi feito um corte dos subsídios da gasolina para aqueles que não possuem o famigerado Carnê da Pátria, um instrumento de identificação usado pelo chavismo para controlar, por exemplo, a participação dos inscritos em eleições por meio de oferecimento de subsídios e bonificações. 

“Não houve nada de positivo neste plano para a economia venezuelana. A hiperinflação continuou, o poder de compra continua a diminuir, a produtividade não aumentou e a escassez de produtos continua. O plano de Maduro foi um fracasso”, conclui Aponte-Moreno. 

Nem mesmo a vinculação do salário mínimo ao Petro (um salário mínimo equivale a meio Petro) foi uma boa jogada econômica na visão do professor. “Petro carece de confiança, não só pela falta de credibilidade do governo (que o criou), mas também porque seu valor está supostamente ancorado nas reservas de petróleo do país. No entanto, a alegada relação entre a petro e as reservas não é clara”, diz Aponte-Moreno, salientando que isso tem minado os esforços do regime em gerar confiança ou interesse na criptomoeda estatal. 

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Durante este período de 100 dias, a hiperinflação não deu sinais de que vai arrefecer. Pelo contrário: está cada vez mais intensa. Somente no mês de outubro, segundo dados compilados pela Comissão de Finanças da Assembleia Nacional venezuelana, os preços registraram um aumento de 148,2%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta uma hiperinflação de mais de 1.300.000% para 2018. Enquanto isso, o regime madurista segue imprimindo notas de bolívares, sem qualquer valor real, para financiar o déficit fiscal do estado - uma atitude contrária à que havia prometido em agosto, quando lançou seu plano econômico.

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