O ditador venezuelano Nicolás Maduro discursa em Caracas nesta terça-feira (12)| Foto:  ORANGEL HERNANDEZ / AFP

O ditador venezuelano Nicolás Maduro deu uma entrevista à jornalista Orla Guerin, da rede de notícias BBC, publicada nesta terça-feira (12). Mais uma vez, ele usou a sua tática discursiva de enquadrar os males sociais e econômicos da Venezuela como produto de uma batalha ideológica com os Estados Unidos. Ele reafirmou que o país norte-americano inventou a crise humanitária na Venezuela para justificar uma intervenção militar.

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Maduro negou a  hiperinflação da Venezuela, questionou o número de países que reconheceram Juan Guaidó como presidente interino do país e afirmou que não houve questionamentos sobre a eleição presidencial do ano passado.

Mas o discurso do ditador tem feito menos sucesso, enquanto a vida na Venezuela fica cada vez mais dura e aumenta a indignação internacional sobre um regime que tem escalado a repressão.

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Confira as mentiras e exageros ditas por Maduro na entrevista.

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BBC - Enquanto conversamos aqui, há ajuda americana esperando na fronteira com a Colômbia. Encontrei muita gente que necessita dela desesperadamente. Por que não permite que passe?

Nicolás Maduro - Esse é um show montado pelo governo dos Estados Unidos com a complacência do governo colombiano para humilhar os venezuelanos. A Venezuela tem os problemas que qualquer outro país pode ter. 

Os Estados Unidos tentaram criar uma crise humanitária para justificar uma intervenção militar. Nós dizemos não às migalhas que pretendem trazer, uma comida intoxicada vinda das sobras que eles têm. Nosso povo não precisa ser mendigo de ninguém. 

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Quando Maduro fala que os EUA tentaram criar uma crise humanitária:

Um dos principais fatores que contribuíram para que a Venezuela chegasse a essa situação foi a desestruturação do setor produtivo. Três em cada quatro empresas estatais foram criadas, expropriadas ou confiscadas durante os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, mas a maioria delas não trouxe benefícios para o país, nem em forma de dividendos, royalties ou impostos para o Tesouro Nacional, nem bens e serviços para a sociedade. Pode-se observar um exemplo na importação de alimentos. Segundo o Ministério da Alimentação, em 2005, 63,9% dos alimentos comprados pelo governo venezuelano eram de origem interna. Dez anos depois – último dado disponível – esse percentual tinha caído para 9,97%. 

O agravamento da crise sob o governo de Maduro deve-se ainda à queda no preço internacional do petróleo, ao sucateamento da produção petrolífera (que levou a uma queda de 50% na produção diária), à fuga de cérebros e a políticas econômicas populistas que só fizeram agravar a hiperinflação, como os seguidos aumentos salariais, cortes de zero e a criação do Bolívar Soberano e emissão de moeda sem lastro. 

As sanções americanas também enfraquecem a economia da Venezuela. Entretanto, medidas mais fortes foram tomadas apenas recentemente. A primeira contra a economia venezuelana foi adotada em agosto de 2017, quando os EUA proibiram pessoas físicas e empresas americanas de comprar títulos da dívida pública da Venezuela, interrompendo canais de financiamento do regime. Antes disso, haviam sido aplicadas sanções apenas contra indivíduos, como Maduro e membros do regime chavista. Em janeiro de 2019, os EUA impuseram sanções contra a gigante venezuelana PDVSA, a ação mais dura até agora. Com isso foram bloqueados US$ 7 bilhões em ativos e US$ 11 bilhões em exportações devem ser perdidos pela Venezuela. 

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SAIBA MAIS: Cinco gráficos que explicam a crise da Venezuela 

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BBC - O senhor afirma que a ajuda é um show, mas também diria que a fome é um show? Eu vi com meus próprios olhos. No caminho até aqui vimos gente que buscava comida no lixo com as próprias mãos. 

Maduro - Vocês produzem um estereótipo na BBC e na imprensa americana de uma Venezuela que não existe. Temos cerca de 4,4% de pobreza extrema. Claro que falta superá-la. Mas antes ela atingia 25%, e reduzimos todos os índices de desigualdade. 

O governo Donald Trump sequestrou US$ 10 bilhões de contas bancárias e outros bilhões em ouro em Londres que são nossos, dinheiro com que iríamos comprar alimentos, remédios e insumos. Se querem ajudar a Venezuela, que liberem os recursos. 

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Quando Maduro fala que reduziu a pobreza:

Os venezuelanos emagreceram, em média, 11 Kg e a pobreza subiu para 87% na Venezuela em 2017, segundo a Pesquisa Nacional de Condições de Vida, realizada pela Universidade Católica Andres Bello (UCAB). A estimativa é que 8,13 milhões de habitantes, cerca de um quarto da população, comam duas ou menos refeições por dia. Dados divulgados por agências da ONU apontam que a crise na Venezuela deixou 3,7 milhões de pessoas passando fome. Em 2011, eram 900 mil famintos - número quatro vezes menor. 

Além disso, a mortalidade infantil na Venezuela retrocedeu 40 anos e já é duas vezes maior que a média da América Latina. Um levantamento realizado a partir de banco de dados do Unicef e do Banco Mundial, revela que as taxas registradas em 2017 são equivalentes aos índices do país em 1977. Em 2017, uma vez mais, a taxa havia chegado próximo a 20 mortes por mil nascimentos. Em números absolutos, significa que, no ano passado, 12 mil crianças morreram no primeiro mês de vida, uma morte a cada 20 minutos. Em 1990, por exemplo, o total era de 7 mil mortes. 

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BBC - Se não há uma crise humanitária aqui, por que mais de 3 milhões de pessoas abandonaram o país? Isso é cerca de um décimo da população. 

Maduro - Sem dúvida, como produto da guerra econômica, há um fenômeno novo de migração. Nós temos números oficiais, e não passam de 800 mil os venezuelanos que saíram nos últimos anos buscando alternativas. Muitos deles depararam com situações que não esperavam e estão voltando. A Venezuela segue sendo um país receptor de migrantes. Em dezembro de 2018, tivemos 120 mil chegadas de colombianos. 

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Quando Maduro fala que a Venezuela é um país receptor de migrantes:

Em dezembro, a Organização das Nações Unidas afirmou que o número de venezuelanos que fogem da crise do país deve chegar a 5,3 milhões até o fim de 2019. É o maior êxodo na história moderna latino-americana. A estimativa até então era de que 5 mil pessoas saíam do país diariamente, com um pico de 13 mil fugas diárias em agosto de 2018.

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Cerca de metade dessas pessoas rumou para a Colômbia, outros foram para Equador, Peru e Cone Sul.

O Alto Comissariado das Nações Unidas (Acnur) estima que mais de 3,3 milhões de pessoas tenham deixado a Venezuela desde 2015, por causa de fome, violência, falta de segurança, desemprego, entre outros. A situação foi comparada a um “terremoto humanitário”.

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BBC - Muita gente questiona sua vitória eleitoral do ano passado, e mais de 50 países reconhecem Juan Guaidó como o presidente. 

Maduro - Cinquenta? De onde tirou esse número? Você é uma jornalista de verdade ou só veio verificar sua campanha de guerra, a campanha de guerra do Ocidente e da BBC de Londres contra a Venezuela? 

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BBC - Mas o senhor questiona o número de países que reconhecem Juan Guaidó? 

Maduro - É que você está mentindo. Não são 50. É uma dezena de governos, não de países, que estão alinhados com a política de Donald Trump. Os extremistas da Casa Branca querem impor um golpe de Estado na Venezuela. 

Na Venezuela, o povo decide e, de acordo com a Constituição, só o povo põe e tira. 

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Quando Maduro questiona o número de países que não reconhecem o seu governo:
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Juan Guaidó, que era praticamente desconhecido no exterior dois meses atrás, hoje é reconhecido como presidente interino da Venezuela pela maioria dos países ocidentais. No dia 4 de fevereiro, uma dúzia de países europeus, incluindo potências como Reino Unido, França e Alemanha, declarou apoio a Juan Guaidó.

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BBC - Se cabe ao povo decidir, por que não convocar novas eleições presidenciais críveis? Parece que seu país está muito divivido sobre quem deve ser presidente. 

Maduro - Nos últimos 18 meses, a Venezuela teve seis eleições para eleger seus 23 governadores, ganhamos 19, e ganhamos eleições em 307 dos 335 municípios. A eleição que está pendente e certamente será adiantada é a do Parlamento. É a única instituição que não se relegitimou. 

Nossa Constituição contempla a figura do referendo revogatório. À oposição resta a opção de ativar um referendo revogatório em 2022. 

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BBC - Muitos dizem que as eleições, especialmente as últimas, não foram limpas. 

Maduro - Não houve um só questionamento legal interno perante o Conselho Nacional Eleitoral nem perante o Poder Judiciário. 

É uma guerra política do império americano, da extrema direita e da Ku Klux Klan que hoje governa a Casa Branca para se apoderar da Venezuela. 

BBC - O senhor acha que o presidente Trump é um supremacista branco? 

Maduro - Ele é, pública e abertamente. E estimulou as correntes fascistas, neonazistas dentro dos EUA, na Europa e na América Latina. 

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Quando Maduro fala que as eleições presidenciais de 2018 foram limpas:

As eleições realizadas em 2018, que elegeram Maduro como presidente, são consideradas fraudulentas pela opinião pública internacional. É com base nesse argumento que a comunidade internacional se recusou a reconhecer Maduro como líder legítimo do país e passou a apoiar Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, órgão considerado legítimo pelos países.

A Organização dos Estados Americanos, além de diversos países, mencionam fatores como a perseguição à oposição (prisão de Leopoldo López, por exemplo), e denúncias de fraude para justificar a falta de reconhecimento internacional das últimas eleições.

Além disso, Maduro usou a máquina pública a seu favor nestas eleições, comprando votos ao fazer entrega de casas e usando o chamado Cartão da Pátria como moeda de troca e forma de intimidação aos eleitores.

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BBC - A ONU diz que ao menos 40 pessoas morreram em protestos recentes, 26 delas nas mãos das forças de segurança. 

Maduro - Que protestos? Não nos mostraram uma só prova em uma campanha que durou quase 15 dias. 

Só um grupo de pequenos delinquentes saiu às ruas e foi capturado em suas ações de violência. 

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Quando Maduro fala que não houve protestos:

A Venezuela testemunhou dias de protestos desde o começo do ano. Nos dias entre 21 e 26 de janeiro, as manifestações foram acompanhadas por uma onda de repressão das forças do regime chavista. Segundo o porta-voz do Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU, Rupert Colville, pelo menos 40 pessoas morreram e mais de 850 foram presas. Entre as vítimas fatais, 26 foram assassinadas pelas forças do governo, 5 morreram em invasões de casas e 11 durante assaltos.

Manifestantes contrários ao regime de Maduro foram às ruas em Caracas e outras cidades pedir a entrada de ajuda humanitária no país nesta terça-feira, 12 de fevereiro 

Apenas no dia 23 de janeiro, dia da grande mobilização nacional que terminou com a juramentação de Guaidó como presidente interino, o número de prisões chegou a 696, segundo Colville.

A imprensa estrangeira também foi alvo de perseguição. Um jornalista brasileiro foi detido pela polícia de Maduro e teve que deixar o país. O mesmo aconteceu com jornalistas franceses e chilenos.

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Quando jovens e moradores das favelas se juntaram ao movimento que pede a saída de Maduro do poder, o regime respondeu com a ação repressiva mais impiedosa desde que Maduro chegou ao poder em 2013. Operações das temíveis Forças de Ações Especiais (FAES) chegaram aos bairros - que um dia foram fiéis a Maduro - e invadiram casas, torturaram e mataram pessoas.

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