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Mapa em repartição pública na Venezuela mostra o Essequibo (à direita) como parte do território venezuelano
Mapa em repartição pública na Venezuela mostra o Essequibo (à direita) como parte do território venezuelano| Foto: EFE/Rayner Peña R

Um relatório do think tank americano Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês) divulgado em maio apontou a possibilidade de a Venezuela invadir a vizinha Guiana após a eleição presidencial de 28 de julho, com o objetivo de tirar do foco a indignação nacional e internacional diante de um (provável) resultado fraudulento.

A Venezuela alega ter soberania sobre o Essequibo, uma região de quase 160 mil quilômetros quadrados que corresponde a 70% do território da Guiana.

Analistas ponderam que o ditador Nicolás Maduro dificilmente teria condições de promover uma guerra contra os guianenses, mas a escalada da retórica do regime chavista vem aumentando a preocupação de que ocorra uma ofensiva militar.

O relatório do CSIS descreve a hipótese levantada por muitos analistas de que o discurso agressivo pela tomada do Essequibo visa desviar a atenção da crise política, social e econômica na Venezuela.

“A partir desta premissa, [especialistas] argumentam que a importância do Essequibo pode diminuir após a ‘reeleição’ de Maduro. Pelo contrário, o curso de ação que Maduro seguirá depois de 28 de julho pode revelar-se ainda mais perigoso”, alertou o think tank americano.

“Em vez de moderar a retórica, Maduro pode se sentir tentado a intensificar tanto a retórica como a ação relacionadas ao Essequibo, numa verdadeira estratégia para fabricar uma crise regional no rescaldo de uma eleição roubada”, afirmou o CSIS.

“Num tal cenário de crise pós-eleitoral, a retórica da Venezuela corre o risco de cruzar um Rubicão para além do qual não poderá regressar sem tomar algum tipo de ação contra a Guiana”, acrescentou.

No mesmo relatório, o CSIS disse que o inflamado discurso chavista sobre o Essequibo, a construção de infraestruturas e a alocação de tropas e equipamentos militares que a Venezuela está realizando perto da fronteira com a Guiana estão “colaborando para institucionalizar um sentimento de perpétua posição pré-guerra”.

Tensão com a Guiana aumentou em maio

Uma decisão internacional do final do século XIX determinou que o Essequibo era do Reino Unido, de quem a Guiana obteve independência em 1966. Nesse ano, foi assinado um acordo para que a disputa com a Venezuela fosse resolvida por uma corte internacional, o que nunca aconteceu.

Uma demanda da Guiana para que o caso seja decidido pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) tramita desde 2018.

A disputa se tornou mais tensa a partir de dezembro do ano passado, quando, num referendo questionado, a Venezuela aprovou medidas para a anexação do Essequibo. Desde então, o chavismo aprovou a criação de um estado venezuelano e de uma área de segurança na área, entre outras medidas.

Em maio, o ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, anunciou o envio de “patrulhas aéreas” depois que os Estados Unidos anunciaram o sobrevoo de dois aviões da Marinha sobre Georgetown, capital da Guiana, e seus arredores. O governo guianense em seguida colocou suas agências em alerta.

O relatório do CSIS apontou que a Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb), as forças armadas da Venezuela, acumularam muito poder sob o chavismo, e que Maduro “espera receber várias coisas em troca” dessa proeminência.

Essas “recompensas” incluiriam a repressão de opositores e “garantir a segurança do seu regime” após uma provável vitória eleitoral fraudulenta em 28 de julho. Por outro lado, retroceder na demanda pelo Essequibo poderia fazer a Fanb se voltar contra ele, argumentou o CSIS.

“Mesmo que Maduro conseguisse um acordo desigual com a Guiana para o acesso a blocos petrolíferos offshore, provavelmente não conseguiria desescalar facilmente e desmantelar rapidamente instituições como a nova Zona de Operações de Defesa Integral encarregada de gerir o Essequibo”, explicou o think tank.

“Fazer isso provocaria uma resistência feroz por parte das forças armadas, que viram a sua estatura crescer na política e na sociedade venezuelanas, ao mesmo tempo que abraçaram avidamente o seu papel como vanguarda das reivindicações de soberania da Venezuela sobre um território há muito negado”, afirmou.

Ou seja, mesmo que estivesse disposto a reconsiderar a questão, o ditador ainda poderia ser empurrado para o conflito. “Ele despertou paixões nacionalistas sem fornecer uma válvula de escape”, justificou o CSIS.

Analista militar não acredita que Venezuela invadirá a Guiana

Porém, analistas militares discordam do think tank americano e seguem céticos sobre a possibilidade de a Venezuela invadir a Guiana.

No ano passado, quando o referendo sobre a anexação do Essequibo foi anunciado pela ditadura chavista, o coronel da reserva e analista militar Paulo Roberto da Silva Gomes Filho disse à Gazeta do Povo que não acreditava numa ofensiva venezuelana por três razões principais: a estrutura sucateada da Fanb, a provável reação dos Estados Unidos em caso de invasão e o fato de dois grandes aliados de Maduro (Rússia e Irã) estarem focados em outros conflitos, na Ucrânia e no Oriente Médio.

Em nova entrevista à reportagem, Gomes Filho manteve essa avaliação. “Não acredito que a Venezuela tenha a intenção de invadir a Guiana, uma vez que as condições não se alteraram significativamente desde o ano passado”, explicou.

Sobre a mobilização descrita no relatório do CSIS, o analista afirmou que ela “tem o objetivo de apresentar as forças armadas da Venezuela, perante a opinião pública do próprio país, como um instrumento militar capaz de atuar em consonância com a retórica do regime”.

“Ou seja, como um instrumento militar capaz de garantir a anexação da região do Essequibo. Não faria sentido que a retórica inflamada dos líderes políticos não fosse acompanhada de uma atuação militar correspondente”, disse Gomes Filho. Ou seja: o objetivo seria fazer propaganda, não preparativos reais para uma guerra.

Embora não acredite numa invasão, o especialista apontou que há chance de o chavismo tentar emplacar algum factoide relacionado ao Essequibo antes da eleição.

“Não descarto a possibilidade de, durante a campanha eleitoral, haver algum anúncio bombástico, ou a exploração/fabricação de algum incidente que possa gerar uma movimentação militar – a exemplo do que se viu no ano passado – de modo a galvanizar o sentimento patriótico/nacionalista às vésperas do pleito eleitoral”, explicou.

Com as pesquisas e a pressão internacional gerando ao chavismo o maior risco em anos de finalmente ser destronado, a disputa pelo Essequibo pode ter capítulos decisivos nas próximas semanas.

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