Nicolás Maduro criou as regras do jogo e deu as cartas. E, sem sombra de dúvidas, está ganhando. Nesta semana, marcou mais um ponto ao usar uma jogada já bastante conhecida: a libertação de presos de políticos. O regime chavista solta os inimigos políticos - presos arbitrariamente - para demonstrar que está cooperando com a oposição e atendendo aos clamores das organizações de direitos humanos, quando na verdade o objetivo é apenas parecer que está cedendo a fim de legitimar as eleições parlamentares que estão chegando.
Não que o indulto neste caso seja algo ruim, pelo contrário. É um grande avanço e todos os presos políticos deveriam ser libertados. É difícil não se emocionar com o reencontro do deputado Juan Requesens com seus filhos depois de dois anos preso injustamente. Mas a realidade é que se ele e os outros derem um passo fora da linha, Maduro não pensará duas vezes antes de colocá-los detrás das grades de novo. Diosdado Cabello, número dois do chavismo, ameaçou prender novamente quem “inventasse” ter sido torturado sob custódia do Estado. Analistas políticos da Venezuela há tempos já adotam o termo “porta-giratória” para descrever o entra e sai de presos políticos nas prisões venezuelanas.
Desta vez Maduro teve ainda mais êxito com sua jogada porque conseguiu um bônus: aprofundar as divisões da oposição e escancarar isso para a sociedade. Uma das principais vozes da oposição e rival de Maduro nas eleições presidenciais de 2013, Henrique Capriles foi a público defender a participação da oposição nas eleições parlamentares - contrariando Juan Guaidó e o restante do bloco opositor que se comprometeram a boicotar o pleito devido às fraudes do processo - e reivindicando para si o indulto aos 110 presos políticos, anunciado pelo regime na semana passada.
“Hoje, com o meu ‘esforço pessoal’, estamos satisfeitos com a liberdade de 110 presos políticos. Meu único interesse é defender os venezuelanos e conseguir a liberdade da Venezuela. Não vamos nos resignar, como nenhum venezuelano, até que vejamos a mudança no país!”, tuitou nesta quarta-feira (2).
Capriles e Stalin González, que trabalhava com Guaidó, estavam conversando com a ditadura chavista por intermédio do chanceler turco Mevlut Cavusoglu. Cavusoglu disse que os dois opositores conversaram com autoridades turcas para garantir a presença de observadores internacionais na votação das eleições parlamentares, e que Maduro teria concordado. De fato, Jorge Arreaza, chanceler do regime, enviou uma carta ao secretário-geral das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, e ao representante de Política Externa da União Europeia, Joseph Borrel, convidando as duas organizações a participarem das eleições parlamentares de 6 de dezembro como “observadores e acompanhantes”. Uma das promessas de Maduro é permitir que os observadores internacionais tenham acesso aos registros de votação.
Contudo, é difícil acreditar nas boas intenções do ditador. Benigno Alarcón Deza, diretor do Centro de Estudos Políticos e Governamentais da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, afirma que o regime tem se esforçado para dar um verniz de legitimidade às eleições que estão por vir, mas que, no fundo, tudo não passa de manipulação. A começar pela nomeação do novo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que foi escolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça após um impasse na Assembleia Nacional. Apesar da renovação, sua composição continua majoritariamente pró-Maduro, com participação de uma ex-embaixadora do regime na Espanha e da ex-vice-presidente do STJ, uma corte totalmente tomada pelo chavismo.
Soma-se a isso o sequestro dos partidos políticos da oposição. O mesmo STJ que nomeou o CNE decidiu interferir nos principais partidos opositores, removendo os seus diretores e colocando no lugar pessoas dispostas a participar das eleições parlamentares. Ao fazer isso, o regime consegue que siglas bastante conhecidas da oposição, como o Primero Justicia e o Acción Democrática, participem das eleições, mas sem correr o risco de atrair um grande número de votos como em eleições passadas já que as lideranças desses partidos foram afastadas. Sob o comando do deputado José Brito, este “novo” Primero Justicia tem até generais chavistas em suas listas eleitorais.
“Isso é feito para dar impressão que estamos em uma eleição pluripartidária, onde todos os partidos estão participando”, afirmou Alarcón.
Partidos de esquerda e que seriam pró-Maduro também foram tomados pela justiça porque estavam querendo concorrer com candidatos próprios e não os indicados pelo partido do poder, o PSUV. Se isso acontecesse, segundo Alarcón, os votos da situação poderiam ficar diluídos.
“Obviamente o que o governo está tentando fazer é que não se repita a história da eleição presidencial de 2018, quando ninguém quis participar. Nesta eleição o governo está obrigando a participar por bem ou por mal”, afirmou.
Outra fraude apontada pela oposição: o “novo” CNE aumentou, ilegalmente, o número de assentos da Assembleia Nacional, que passou de 167 para 277. O objetivo, de acordo com Alarcón, é gerar um “clientelismo competitivo”, aumentando a competição entre os políticos da oposição, o que resultaria em uma pulverização dos votos, tornando mais difícil para que um opositor consiga uma cadeira no parlamento.
Os governos dos Estados Unidos e de outros países já disse que não vão reconhecer o resultado das eleições parlamentares venezuelanas se não houver "condições livres ou justas."
Oposição dividida
O confronto público com Capriles foi mais um baque para a já desgastada liderança de Juan Guaidó, presidente interino da Venezuela reconhecido pelo Brasil e por mais de 50 países desde janeiro de 2019, mas que não detém o poder de facto. Poucos dias antes um desentendimento com Maria Corina Machado, já demonstrava que as coisas não iam bem internamente. A líder do movimento Vente Venezuela, de direita, disse que restam a Guaidó apenas “120 dias para fazer o que não fez em 17 meses”.
“Juan, há oportunidades perdidas. O país deu a você uma tarefa que você não pôde ou não quis cumprir. Essa tarefa se limitava a sair do regime. O tempo perdido causou retrocessos: assim como vários países que votaram pela ativação do TIAR hoje estão revendo sua decisão, há alguns dos 60 países que o reconheceram como presidente interino que estão propondo falsas soluções com diálogos impossíveis ou eleições com as máfias no poder", disse Maria Corina em uma carta em que defendeu uma intervenção estrangeira no país com ativação do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar).
Capriles puxa para o outro lado e propõe diálogo com Maduro.“Esgotou-se o que havia [na estratégia de Guaidó], a agenda proposta não deu resultado. É preciso abrir caminho”, disse em uma live transmitida nesta quarta-feira (2), chamando a gestão do opositor de “governo de Internet”.
“Este não é um regime democrático, mas se deixarem uma pequena fenda temos que colocar a mão, para depois colocar o pé”, continuou. “Na medida em que as pessoas ficam mais pobres, a única coisa que vai lhes restando é o voto, e o que os políticos precisam fazer é brigar para que existam as condições para exercer esse direito. É o mínimo que podemos fazer”.
“Acredito que Capriles está negociando com a ditadura porque ele sente que o capítulo Guaidó vai se encerrar em janeiro. Capriles quer voltar a recuperar sua liderança e a maneira de recuperar sua liderança é diferenciar-se de Guaidó”, analisou Alarcón, citando também que ele pode estar tentando reativar o ativismo que tinha no partido Primero Justicia, cuja diretoria foi destituída, em uma legenda chamada Fuerza del Cambio, criada por ele há dois anos.
Enquanto que o boicote de Guaidó às eleições parlamentares de 6 de dezembro conta com o apoio de 27 partidos da oposição, Capriles tem o apoio de poucos deputados do Primero Justicia, mas conta com a fidelidade de alguns prefeitos e governadores, até mais do que se esperava, segundo o jornal argentino La Nacion. Capriles ainda não anunciou se vai participar das eleições parlamentares, mas sua candidatura só seria possível se ele recebesse um indulto de Maduro, porque atualmente está inabilitado.
“Para a ditadura não funcionou nem a 'mesinha da noite' (o falso diálogo travado por Maduro com grupos de oposição) nem os escorpiões (os deputados 'traidores' comprados pelo milionário colombiano Alex Saab). Não podemos perder o foco. Nossa proposta política é salvar vidas e que renasça a República”, declarou Guaidó, em resposta a Capriles.
Na opinião de Alarcón, embora a liderança de Guaidó não tenha a mesma força de quando ele assumiu a presidência, seu nome ainda é o mais relevante entre os líderes opositores. “Ele tem muito mais apoio do que Capriles e Maria Corina Machado”, disse, notando porém que o apoio a Capriles pode aumentar.
O problema do atual presidente é que, além do boicote à eleição, ele não apresentou nenhuma proposta para derrubar ou enfraquecer Nicolás Maduro e alguns setores estão mais insatisfeitos com essa situação do que outros e começam a descolar de sua liderança. Estratégias estão sendo discutidas, mas até agora, nenhum caminho foi apresentado. No fim das contas, é Maduro quem se fortalece.
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