Horas antes da cerimônia de posse dos membros da Assembleia Nacional, dominada pela oposição, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tirou do Legislativo o poder de indicação da diretoria do Banco Central do país.
Itamaraty pede respeito à democracia na Venezuela
No dia da posse da nova Assembleia Nacional da Venezuela, de maioria oposicionista, o governo brasileiro pediu respeito à democracia e ao Estado de Direito.
Em nota divulgada nesta terça-feira, o Itamaraty afirmou que acompanha com atenção e interesse os desdobramentos das eleições legislativas realizadas no último dia 6 de dezembro e saudou o novo Parlamento venezuelano, instando “todos os atores políticos a manterem e aprimorar o diálogo e a boa convivência, que devem ser a marca por excelência das sociedades democráticas”.
“Não há lugar, na América do Sul do século 21, para soluções políticas fora da institucionalidade e do mais absoluto respeito à democracia e ao Estado de Direito”, destaca o comunicado.
Ainda na nota, o Itamaraty lembrou que as eleições contaram com expressiva participação dos eleitores e foram atestadas pela Missão Eleitoral da Unasul — União de Nações Sul-Americanas.
Os resultados oficiais, segundo o comunicado, foram divulgados e validados pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela e prontamente reconhecidos por todas as forças políticas do país.
“O governo brasileiro confia que será plenamente respeitada a vontade soberana do povo venezuelano, expressada de forma livre e democrática nas urnas. Confia, igualmente, que serão preservadas e respeitadas as atribuições e prerrogativas constitucionais da nova Assembleia Nacional venezuelana e de seus membros, eleitos naquele pleito”, concluiu.
Para mudar a regra, Maduro usou a Lei Habilitante, que lhe deu poderes temporários de legislar até a última quinta-feira (31). A decisão foi publicada no diário oficial de quarta (30), mas só foi divulgada pela imprensa nesta terça (5).
Com a mudança, caberá ao mandatário indicar o presidente e os seis diretores do Banco Central sem ter que submeter os nomes a aprovação prévia da Assembleia Nacional. Um dos membros da diretoria será o ministro das Finanças do país.
Maduro também limitou o acesso a informações econômicas e documentos secretos e confidenciais do Banco Central. Todas as solicitações, inclusive de parlamentares, terão que ser deferidas ou indeferidas pelo presidente do Banco Central.
O Executivo ainda poderá ordenar a suspensão temporária da divulgação dos dados “pelo período pelo qual existam situações externas e internas que representam uma ameaça à segurança nacional e à estabilidade econômica”.
Isso prejudicará a capacidade do Legislativo de alterar a política econômica do país, que passa por uma crise financeira e de desabastecimento. A solução da crise foi uma das principais promessas de campanha eleitoral da oposição.
Maduro considera que a Venezuela passa por uma “guerra econômica”, liderada por empresários e opositores locais e que teria o apoio dos Estados Unidos e de detratores do chavismo, como o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe.
O mandatário afirma também que a queda brusca do preço do petróleo, principal produto venezuelano, no mercado internacional foi provocada pelos americanos para prejudicar o país e outras nações contrárias a Washington.
Para conter a crise de desabastecimento, Maduro limitou a venda de artigos em falta, provocando filas nos mercados, e fechou a fronteira com a Colômbia como uma forma de evitar o contrabando de produtos.
Posse conturbada
Policiais da Venezuela tentaram barrar a entrada de um grupo de deputados da oposição ao presidente Nicolás Maduro à sede da Assembleia Nacional, onde eles tomam posse nesta terça-feira (5).
Segundo relatou à Folha de S.Paulo o deputado Daniel Guzmán, os policiais bloquearam o acesso sob a justificativa de que eles não tinham pedido credenciamento. Um dos parlamentares tentou cortar a passagem, o que gerou tumulto.
Guzmán disse ter sido agredido pelas forças de segurança e mostrou à reportagem um sangramento em um dedo da mão e um botão arrancado de seu terno.
“Isso mostra o que vem pela frente. Não nos deixaram passar hoje e não medirão esforços para atrapalhar o nosso trabalho, mas estamos conscientes da nossa responsabilidade e do apoio popular que obtivemos”, disse.
Do lado de fora da sede, milhares de aliados da oposição recebiam os deputados com gritos e aplausos. Parlamentares chavistas foram vaiados, entre eles Hugo Carvajal, que tem mandado de busca internacional por tráfico de drogas.
Tensão
A cerimônia foi precedida pela tensão entre militantes chavistas e da oposição. Na tarde de segunda (4), aliados de Maduro impediram o acesso do opositor Henry Barros Allup ao prédio administrativo da Assembleia Nacional.
Barros Allup, que pede a renúncia do presidente, será o presidente da Assembleia Nacional, substituindo o chavista Diosdado Cabello. À noite, os aliados do governo fizeram uma vigília em frente ao prédio do Parlamento.
Pela manhã, foi possível ver pichações de defesa do chavismo e que chamavam Barros Allup de fascista. Pouco depois, milhares de policiais começaram a cercar as ruas próximas à Assembleia Nacional.
Nesta terça-feira, tomam posse os 167 deputados venezuelanos eleitos em 6 de dezembro. Pelos resultados do pleito, a oposição obteve 112 cadeiras e o chavismo, 55, o que daria maioria qualificada aos adversários de Maduro.
Na semana passada, no entanto, a Justiça impugnou quatro deputados do Estado de Amazonas -- três opositores e um chavista. Se a decisão judicial for mantida, a oposição perde os poderes de ter mais de dois terços do Parlamento.