Líder do Zimbábue, Emmerson Mnangagwa, disse que vai encontrar os culpados pela repressão violenta das forças de segurança| Foto: JEKESAI NJIKIZANA/AFP

Era meia-noite quando soldados ameaçaram queimar Jennifer Mutobaya e seus três filhos adolescentes vivos dentro de sua casa na cidade de Kadoma, no Zimbábue. Mais cedo, manifestantes haviam tomado as ruas, gritando slogans e queimando pneus, juntando-se a uma demonstração de fúria devido a uma alta nos preços dos combustíveis, mais uma consequência de um colapso econômico mais amplo neste país do sul da África.

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A cena na casa de Jennifer foi repetida centenas de vezes em todo o Zimbábue na semana passada, quando as forças de segurança lançaram sua maior repressão aos dissidentes em anos. 

"Eles levaram meus dois filhos e ordenaram que eles limpassem a estrada que estava barricada com pneus em chamas usando suas próprias mãos", disse Jennifer, que é vendedora ambulante. "Eu tentei intervir e eles me bateram com um cabo elétrico". 

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Elvis, um carpinteiro no bairro de Highfields da capital, Harare, está cheio de cicatrizes depois de um ataque semelhante. 

"Eles bateram em mim e na minha esposa com um sjambok na frente de nossos filhos, dizendo que fazíamos parte dos tumultos", disse ele. Um sjambok é um chicote geralmente feito de couro. Os soldados, armados com rifles automáticos, o fizeram rolar na lama. 

Ele pediu que seu sobrenome não fosse usado por medo de represálias. 

A operação porta-a-porta levou a 12 mortes, 78 ferimentos de tiros, centenas de casos de agressão ou tortura e prisões suficientes para preencher as prisões além da capacidade, segundo a ONG Fórum de Direitos Humanos do Zimbábue, organização que compila relatórios de observadores em todo o país. 

Nesta terça-feira (22), o líder do Zimbábue Emmerson Mnangagwa disse que a violência das forças de segurança são “inaceitáveis e uma traição”. Ele acrescentou ainda que a “má conduta será investigada” e “se necessário, cabeças vão rolar”. 

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Esta violência vem em resposta à inquietação e a um apelo por uma "paralisação" nacional provocada pelo aumento de 150% nos preços do combustível. A fé no governo de Mnangagwa, aplaudido quando depôs o ditador Robert Mugabe em 2017, está diminuindo rapidamente. O potencial para mais desassossego e relatos generalizados de saques que acompanharam os protestos apenas mergulharão o Zimbábue em uma miséria econômica mais profunda. 

Mnangagwa deixou o país assim que anunciou os novos preços dos combustíveis, embarcando em uma série de visitas de estado à Rússia e aos antigos estados soviéticos. Ele deixou um vice conhecido por sua mão pesada, o ex-comandante do exército Constantino Chiwenga, no comando. 

"Deixar o país depois de tal anúncio, que ele sabia que seria como acender um fósforo perto do gás – é difícil não questionar seu julgamento", disse Piers Pigou, analista sul-africano do International Crisis Group. 

A polícia e o exército do Zimbábue realizaram uma coletiva de imprensa conjunta no sábado em que registraram a repressão aos ladrões que roubaram uniformes das forças de segurança. E o presidente do partido no poder culpou os protestos pela "agenda terrorista" do principal partido de oposição. 

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George Charamba, porta-voz do governo, falou aos manifestantes quando fez uma parada no Azerbaijão, onde ele estava viajando com Mnangagwa. 

"A resposta até agora é apenas uma amostra do que está por vir", disse ele. Mnangagwa estava no Cazaquistão em uma visita oficial de estado na segunda-feira, mas cancelou os planos de participar da cúpula econômica anual em Davos, na Suíça, para retornar ao Zimbábue. 

Um porta-voz do Movimento pela Mudança Democrática, o partido da oposição, disse que cinco de seus parlamentares estavam presos e outros quatro não foram encontrados. 

Contexto 

Mnangagwa foi eleito presidente em uma eleição contestada em julho passado. Ele prometeu devolver o investimento estrangeiro ao Zimbábue, que havia passado mais de uma década sob amplas sanções internacionais devido ao regime repressivo de Mugabe. 

Mas ele tem sido lento em eliminar a corrupção, o que faz com que muitos investidores desistam de entrar no mercado do Zimbábue, e seu fracasso em atrair moeda estrangeira contribuiu para o contínuo declínio da economia. 

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O país não tem uma moeda própria, e grande parte do dinheiro das pessoas está trancado em contas que não têm reservas estrangeiras para respaldá-las. A inflação está subindo, e novas etiquetas de preço são impressas todos os dias, provocando escassez de tudo, de óleo de cozinha a remédios, e dizimando as economias das pessoas. 

"Há um acordo geral de que o Zimbábue tem potencial para se recuperar de forma relativamente rápida", disse Pigou. "Mas também um entendimento crescente de que é a estrutura política predatória que polui a arena econômica." 

A última vez que os soldados estiveram ruas do Zimbábue foi em 1º de agosto, logo após a eleição, para reprimir protestos pró-oposição que se transformaram em tumultos no centro de Harare. Seis foram mortos. 

O perigo aumenta 

A repressão que está em andamento agora, muito mais ampla, aterrorizou muitos zimbabuanos e os deixou imaginando quem é o responsável pelo seu governo. 

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"A grande questão é: temos um lento golpe se desenrolando de novo?", perguntou Frances Lovemore, diretora da Unidade de Serviços de Aconselhamento, organização que trata vítimas de violência organizada. 

“Há claramente uma enorme quantidade de tensão entre os militares e o partido governante sobre como responder [aos protestos]", disse ela. "Enquanto isso, todo mundo tem medo de sair de suas casas. Ativistas e líderes da oposição estão escondidos porque estão sendo acusados de traição. Pessoas estão sendo presas, julgadas e sentenciadas em 24 horas, algo inédito". 

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A África do Sul, vizinha do Zimbábue e há muito tempo desempenhando um papel de destaque em seus assuntos, tem se mantido em silêncio sobre a agitação. No passado, a África do Sul emprestou grandes quantias de dinheiro ao governo do Zimbábue para aliviar a turbulência econômica. Milhões de migrantes do Zimbábue vivem na África do Sul. 

O governo do Zimbábue desabilitou o acesso à internet na maior parte do país desde o início dos protestos. Charamba, o porta-voz do governo, disse que é para evitar a violência coordenada dos manifestantes, enquanto os críticos do governo dizem que é para evitar que evidências de suas atrocidades surjam. 

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Advogados em Harare estão tendo problemas para acompanhar as prisões que estão enchendo os presídios. Beatrice Mtetwa, uma das mais renomadas advogadas de direitos humanos do país, disse que todos os juízes que ela conhecia estavam se recusando a julgar pedidos de fiança, aparentemente sob ordens. Na frente dos repórteres no domingo, ela perguntou em voz alta se deveria simplesmente desistir. 

"Nossa presença faz parecer que há, na verdade, um estado de direito no Zimbábue", disse ela, "quando tudo o que está acontecendo mostra que há uma tentativa orquestrada e deliberada de negar a qualquer pessoa associada à paralisação seus direitos básicos".