Gérard Depardieu pôs em evidência as tentativas de aumento de impostos na França, ao pedir cidadania russa| Foto: Tobias Schwarz/Reuters

Fiscalização

Em busca de arrecadação, governos miram em empresas dos EUA

Como parte dos esforços para ampliar a arrecadação e sair da grave crise que assola suas economias, os governos da zona do euro voltaram sua atenção também para multinacionais norte-americanas, em especial gigantes da internet, que pagam valores irrisórios em impostos na Europa, apesar de gerarem bilhões de dólares em receita no continente.

Um exemplo é o gigante das buscas online Google, que pagou menos de US$ 10 milhões em impostos no Reino Unido no ano passado, embora as vendas locais tenham ultrapassado US$ 4 bilhões. "Por que vocês manipulam as contas de forma a não pagar impostos no Reino Unido?", questionou a parlamentar britânica Margaret Hodge a representantes do Google, Amazon e Starbucks, durante uma acalorada audiência em Londres, em novembro, relatou o The New York Times.

As multinacionais na mira dos governos europeus, de sua parte, alegam não estar fazendo nada de ilegal, mas apenas utilizando complexas estratégias contábeis para explorar as diferenças entre impostos corporativos cobrados por toda a Europa, que variam de menos de 10% a mais de 30%, além de brechas legais que podem praticamente anular suas pendências com o fisco. É o caso do Google, que registra a maior parte de sua receita europeia na sede irlandesa, onde o imposto sobre empresas é de 12,5%.

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"Por que vocês manipulam as contas de forma a não pagar impostos no Reino Unido?"

Margaret Hodge, parlamentar britânica, questionando representantes do Google, Amazon e Starbucks, durante audiência em Londres, em novembro.

A tentativa do governo da França de taxar 75% das rendas acima de 1 milhão de euros ganhou as manchetes após o ator francês Gérard Depardieu criticar publicamente a medida e pedir cidadania na Rússia em protesto contra a nova alíquota do imposto de renda. A iniciativa do governo de François Hollande acabou não passando pelo Judiciário francês, mas o episódio envolvendo Depardieu chamou a atenção para uma nova realidade tributária na Europa: governos de vários países estão elevando impostos para enfrentar a crise da dívida na zona do euro.

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Itália, Portugal, Grécia e Espanha também se viram obrigados a criar novos impostos e aumentar alíquotas nos últimos meses, cumprindo exigências da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) em troca de ajuda financeira. A medida, entretanto, tem sido criticada nas ruas de capitais europeias e também entre analistas.

Enquanto os contribuintes protestam nas ruas de Madri, Lisboa e Atenas contra as medidas de austeridade, que incluem ainda cortes de gastos em serviços públicos, especialistas têm alertado que a velha receita do FMI para tempos de crise prejudica a demanda interna e novas contratações pelas empresas, desacelerando o crescimento e aumentando o desemprego. "As estimativas do FMI subestimaram o impacto da austeridade na atividade econômica, mas o Fundo foi mudando um pouco a sua política quanto ao que seria mais correto", afirma Ricardo Santos, economista do BNP Paribas em Londres. Segundo ele, o FMI já começou a mudar o tom, tornando-se mais flexível ao aliviar a pressão sobre medidas de austeridade. "Ele só não alivia nas reformas estruturais", explica.

Para Santos, no entanto, alguns países não tinham alternativa viável para reduzir o déficit que não passasse por um aumento de impostos, como no caso de Portugal. "O país não teve opção devido ao altíssimo nível da dívida em relação ao PIB [Produto Interno Bruto]", afirmou. No caso da Espanha, ele avalia que ainda havia espaço para manobra, já que a dívida do país está em menor nível. No fim do ano passado, o FMI revisou para cima sua previsão para a dívida pública de Portugal em 2014, de 115% para 124% do PIB.

Para Kevin Kaiser, professor de gestão da escola francesa de negócios Insead, a receita de austeridade do FMI está ultrapassada. "Elevar impostos pode não funcionar no longo prazo e o benefício dos cortes de gastos depende fortemente das áreas nas quais eles são aplicados", observa

Onda arrecadadora

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O "novo Estado arrecadador" pode ser identificado especialmente nos países em maior dificuldade financeira da região, que concentraram o esforço de arrecadação tributária na elevação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que incide sobre a venda de mercadorias e serviços, afetando diretamente o consumo e o nível de atividade nas economias.

O Parlamento da Grécia, epicentro da crise europeia, aprovou recentemente um projeto de lei tributária com o objetivo de impulsionar a receita com impostos, simplificar o sistema atual e combater a evasão. O projeto, que visa ampliar a arrecadação federal em 2,3 bilhões de euros, faz parte das exigências feitas pelos credores internacionais do país para continuar liberando ajuda para Atenas.

Alta em tributos para renda e consumo

O imbróglio da crise na Grécia também expôs os problemas estruturais da união monetária no continente europeu e gerou uma reação em cadeia que alcançou Irlanda e Portugal, igualmente resgatados por fundos da UE e FMI, e chegou também à Itália e Espanha.

Na Itália, o primeiro-ministro interino Mario Monti assumiu o país à beira da bancarrota e não hesitou em tomar duras decisões. Em dezembro de 2011, ele anunciou um pacote de 30 bilhões de euros em austeridade fiscal, incluindo aumento no IVA, cujas alíquotas subiram dois pontos porcentuais, de 10% e 21% para 12% e 23%. O governo anunciou também a duplicação das alíquotas sobre carros de luxo, barcos e aviões particulares e criou um inédito imposto imobiliário, semelhante ao IPTU brasileiro.

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Na Espanha, o pacote de austeridade anunciado pelo primeiro-ministro, Mariano Rajoy, foi de 65 bilhões de euros e incluiu o aumento do IVA de 18% para 21% sobre o valor das vendas. Para o IVA reduzido, cobrado sobre alguns produtos, o aumento foi de 8% para 10%. Rajoy anunciou ainda novos impostos indiretos sobre energia.

Em Portugal, entraram em vigor na semana passada novas tabelas para as alíquotas de imposto de renda, cuja alíquota média subiu dois pontos porcentuais, para 11,8%, e que reduzem ainda mais o poder de compra de trabalhadores e pensionistas. As medidas fiscais de Lisboa incluem também novos impostos sobre ganhos de capital e residências com valor de mercado superior a 1 milhão de euros.

O governo da também resgatada Irlanda anunciou no mês passado um rígido orçamento para 2013, com o objetivo de, como outros países da zona do euro, reduzir seu déficit orçamentário, condição embutida no acordo com credores internacionais. Para o FMI, que orienta e aconselha os países em crise na zona do euro, o cenário de crescimento para 2013 é pessimista. O Fundo reduziu recentemente sua previsão de expansão de 0,2% da zona do euro para contração de 0,2% no PIB da região.