As crises políticas libanesas são freqüentes. A origem disso remonta à própria suposta democracia libanesa. Parece estranho falar em suposta democracia pois, isso significa que se coloca em dúvida que haja tal regime no Líbano. A bem da verdade, o Líbano, principalmente o de hoje, sofre as conseqüências da "democracia" que veio junto com a sua independência da França, em 1943. Naquela época, ficou acertado que o presidente da República deveria ser cristão maronita; o primeiro-ministro, muçulmano sunita; o presidente do parlamento, muçulmano xiita e outros cargos ficariam para os cristãos ortodoxos e para os druzos. Poderia citar muitos outros detalhes mas, fiquemos por aqui. Isto já mostra o quanto é pífia esta divisão.
À época pode até ter sido uma solução para o Líbano. Porém, jamais poderia ser estabelecida como regra definitiva pois, faz parte da democracia o dinamismo, as reavaliações sociais, o retrato do momento histórico e, portanto, as mudanças. Assim sendo, vê-se que, se por um lado a França concedeu a independência aos libaneses, por outro, semeou a divisão e a fragmentação. Parece que os franceses da época esqueceram os anseios de liberdade que motivou a Revolução Francesa. É lamentável dizê-lo mas, as identidades dos cidadãos libaneses trazem explicitamente a indicação de seu credo. Só este fato já é indício de uma crise latente, subliminar, que mexe psicologicamente com o cidadão e sua liberdade. Este tipo de democracia depois de mais de 50 anos de independência é excludente, inviável, tendencioso e efêmero.
A crise política atual estabeleceu-se a partir da renúncia de seis ministros do bloco Hezbollah; some-se a isto a aprovação pela ONU, que invariavelmente faz o jogo dos interesses norte-americanos no mundo, a instalação de uma Corte Penal Internacional na capital libanesa para julgar os assassinos de Rafic Hariri, grande líder libanês.
Na opinião de muitos libaneses, o resultado já pode ser previsto: o comitê da ONU apontará o governo da Síria como culpado, mesmo que não haja provas. Mais do que investigar o assassinato de Hariri, o governo norte-americano quer desestabilizar o governo sírio.
Lembro aqui que a ONU demorou 33 dias para decidir pelo cessar-fogo na recente guerra do Líbano, oportunidade em morreram centenas de civis, mulheres e crianças inocentes. Isto ficou marcado tragicamente na memória dos libaneses. Com o recente e lamentável assassinato de Pierre Gemayel que ocupava o cargo de Ministro da Indústria, o gabinete libanês fica, então, sem sete ministros.
De acordo com a constituição do país, se oito ministros renunciarem, todo o gabinete perde a sua legitimidade e deverá cair. Isto contribui muito para a fragilidade do atual governo do primeiro ministro Fuad Siniora.
O líder do Hezbollah, Sayed Hassan Nasrallah, junto com o líder do Grupo Amal, Nabih Bery, defendem a formação de um novo governo de unidade nacional, sem influências do governo norte-americano, e que a Síria seja considerada um país amigo. É interessante observar que o Hezbollah tem cristãos aliados, como o general Michel Aoun e Suleiman Frangie, além de outros.
No entanto, grande parte dos druzos, liderados por Walid Jumblat, cristãos falangistas e grupos de direita fazem parte da coligação anti-Síria e representam a maioria no governo. Esta situação gera um delicado impasse no Líbano, sobretudo por interferências externas.
Hoje há milhares de cristãos e muçulmanos acampados no centro de Beirute e nas imediações do Parlamento exigindo a renúncia do primeiro-ministro. No meio de tudo isso há também políticos aliados de Israel. Outro detalhe: o presidente libanês Emil Lahud, que é cristão maronita, é pró-Síria e defende a causa do Hezbollah. É lamentável ter quer nominar as pessoas e dizer a sua religião. O Líbano é um dos raros países onde a religião é um elemento de identidade formal.
Não creio ser fácil resolver a questão. Caso não haja um consenso nacional, um governo de unidade nacional, o Líbano caminha para um convulsão sem precedentes.
Talvez este seja o desejo de alguns governos da Europa, assim como de Israel e dos Estados Unidos. O primeiro passo para uma paz duradoura é estabelecer uma democracia onde o cidadão possa ocupar qualquer cargo, independentemente de seu credo religioso; em que haja eleições verdadeiramente democráticas em todos os níveis, que deixem cristãos, muçulmanos e ateus resolverem suas diferenças com o diálogo.
É necessário abolir o sectarismo que reina nas mentes de muitos libaneses. Só assim haverá entendimento entre pessoas que se dizem civilizadas e querem viver a plena democracia.