• Carregando...
 | Ilustração/ Robson Vilalba
| Foto: Ilustração/ Robson Vilalba

Pele artificial de tubarão torna navios mais eficientes

Em relação aos tubarões, há também os dentículos dérmicos – pequenos dentes na pele –, que cobrem seus corpos. Feitos de coroas cobertas de esmalte rí­­gido, eles reduzem a fricção ao for­­çarem a água a fluir por ca­­nais, o que permite ao tubarão se deslocar rapidamente pela água.

O tipo de dentículos que o tu­­barão tem depende da espécie. Dentículos mais leves maximizam a velocidade do tubarão, mas fornecem uma proteção um pouco me­­nor a um ataque predatório.

Eles são fortes co­­mo aço e carregam um be­­­­­­nefício extra: ao mi­­nimizarem a turbulência da água, permitem aos tubarões caçarem melhor, por se deslocarem pela água em quase completo silêncio.

Ralph Liedert, pesquisador da Universidade de Ciências Apli­­cadas em Bremen, na Alemanha, foi pioneiro na ideia de cobrir na­­vios com uma pele de tubarão artificial para ajudá-los a ter um deslocamento mais suave reduzindo dramaticamente o fenômeno da bioincrustação.

A bioincrustação, que ocorre quando cracas, mexilhões e al­­gas grudam nos navios, aumenta a resistência do deslocamento do navio em até 15%. Liedert produziu uma imitação de pele de tubarão a partir de um silicone elástico que reduziria a incrustação em até 67%, e ele estima que, uma vez que o navio atinja a velocidade de qua­­tro ou cinco nós, quase todas essas criaturas se­­riam arremessadas do casco do navio.

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Tubarões do La­­bo­­ratório Marinho de Mote observam outros aspectos de como operam os tubarões.

Junto de cientistas do programa marinho da Universidade de Boston, eles aprenderam que tu­­barões caçam suas presas sentindo as diferenças quando o cheiro delas atinge cada uma das narinas – o que chamam de "olfato em estéreo".

Embora vários charlatões te­­nham tentado ganhar dinheiro com o fato de que tubarões raramente desenvolvem câncer (cartilagem de tubarão pode muito bem ser a "banha de co­­bra" mo­­derna, especialmente considerando sua provavelmente alta concentração de to­­xinas), o cien­­tista veterano da Mote, Carl Luer, estuda uma substância de­­rivada do tubarão que mata células cancerígenas na placa de Petri.

Quando as pessoas, em sua ma­­i­­o­­ria, veem um tubarão, elas têm dificuldades para ver algo de bom neles. Muitos têm mandíbulas ferozes, uma pele que pa­­rece uma lixa e sentidos assustadores que os permitem capturar mesmo as presas mais escondidas. Em ou­­tras palavras, suas melhores ca­­racterísticas são ameaças à nossa existência.

Mas essas vantagens predatórias carregam em si promessas de soluções de engenharia que poderiam ajudar a manter – em vez de matar – os humanos. Sua pele enrijecida já inspirou navios mais velozes; sua habilidade de detectar pequenas vibrações de­­baixo d’água poderá, uma hora, levar a baterias melhores.

O filme Tubarão (1975), de Ste­­ven Spielberg, nos convenceu de que esses animais são caçadores sem igual, mas não conseguiu cap­­tar como essas habilidades po­­deriam ser aplicadas à nossa vida cotidiana.

O campo da biomimética – imitar um processo natural para propósitos humanos – existe há décadas. Em 1948, o inventor suíço George de Mestral fez uma caminhada nos Alpes com seu cão, e, depois de ambos voltarem cobertos com as sementes de uma planta (Arctium) semelhante ao carrapicho, de Mestral examinou os sacos de semente de­­baixo de um microscópio. Ele imitou o mecanismo que eles utilizam para grudarem em su­­perfícies macias – ganchos firmes emparelhados com voltas – para criar o Velcro, a invenção que em todas as partes praticamente eliminou a necessidade das crianças de países desenvolvidos de aprenderem a amarrar seus cadarços.

Mas nos últimos anos, a ideia tem assumido uma maior urgência, especialmente entre am­­bi­­entalistas. De acordo com registros fósseis, a taxa histórica de ex­­tinção era mais ou menos de uma espécie por milhão antes de os humanos começarem a ter um grande impacto no planeta; especialistas, como o biólogo E. O. Wilson, estimam que os hu­­manos aceleraram essa taxa a um fator de pelo menos 1.000, se não de 10.000. Cerca de um terço de todas as espécies de tubarão no mundo inteiro estão sob al­­gum grau de ameaça de extinção, de acordo com a União In­­ternacional para Conservação da Natureza.

As pessoas se comovem com a situação de animais ameaçados, mas essa compaixão não costuma dar muitos resultados. A biomimética oferece um novo mo­­wdo de salvar animais como os tubarões – recorrendo ao gosto pelo lucro na natureza humana. Se espécies de plantas e animais podem inspirar inovações tecnológicas, segundo Nick Nuttal, do Programa Ambiental da ONU, eles podem garantir sua sobrevivência: "Num mundo fascinado pelo PIB, se você não demonstrar o valor da natureza, ela sempre acabará sujeita às altas e baixas e caprichos das economias das na­­ções", ele afirma.

A lista de possíveis inovações inspiradas pela fisiologia do tu­­barão é das mais lon­­gas.

Além de ostentar todos os sentidos comuns que os humanos possuem, o tubarão tem algo chamado eletro-recepção, uma fileira de pequenos furos que correm da cabeça à cauda que captam pequenas vibrações. Essa rede, junto com seus focinhos e queixos, que contém minúsculos sacos cheios de fluido conhecidos como ampolas de Lo­­renzini, ajuda os tubarões a encontrar peixes enterrados na areia, porque po­­dem detectar os campos eletromagnéticos gerados pelo batimento cardíaco ou pela pulsação das guelras dos peixes.

Outros peixes têm uma linha lateral para sentir movimentos, mas eles não têm esse material gelatinoso que serve de condutor para vibrações elétricas, irradiando esses sinais para o sistema nervoso do tubarão.

Cientistas em todos os EUA esperam poder lucrar com o em­­prego do gel eletricamente carregado exclusivo do tubarão para usos médicos. O professor de física da Universidade de San Fran­­cisco, Brandon R. Brown, extraiu esse material de tubarões mortos para medir sua sensibilidade térmica, enquanto o professor de nanoengenharia da Universi­­da­­de de Case Western, Alexis Abram­­son, explorou a ideia de desenvolver um gel sintético com propriedades termoelétricas semelhantes, que possam ser utilizadas para converter o calor desperdiçado, de aparelhos co­­mo um motor de carro, em eletricidade aproveitável.

*Juliet Eilperin, repórter am­­biental nacional do Washington Post, é autora do livro Demon Fish – Travels Through the Hidden World of Sharks ("Peixes-Demônio – Via­­gens ao Mundo Oculto dos Tu­­barões", ainda sem tradução pa­­ra o português). (Este artigo provém da Future Tense, uma colaboração entre a Universidade Es­­tadual do Arizona, a Fundação Nova América e a revista eletrônica Slate, onde este artigo apa­­receu originalmente.)

Tradução de Adriano Scandolara.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]