A Argentina encerrará os quatro dias de feriado do Carnaval, nesta quarta-feira, com manifestação que provoca forte temor na Casa Rosada: a "marcha do silêncio". Convocada por promotores, a passeata é uma homenagem ao colega Alberto Nisman, encontrado morto no banheiro de seu apartamento em 19 de janeiro passado, poucos dias depois de ter apresentado uma denúncia contra a presidente Cristina Kirchner, pela negociação de um suposto pacto secreto com o Irã. A marcha, que promete atrair uma multidão, contará com a presença de políticos (até mesmo candidatos à Presidência), personalidades da cultura, funcionários do Judiciário e familiares de Nisman. Ciente do impacto que a iniciativa terá, nos últimos dias o governo e seus aliados tentaram deslegitimar o protesto afirmando, principalmente, que trata-se de uma jogada política da oposição.

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— Alguns querem que a marcha seja por Nisman, outros aproveitam a onda — declarou o deputado kirchnerista, Juan Cabandié.

Para o também deputado kirchnerista Carlos Heller, a "marcha busca instalar a ideia de que o governo é o culpado pela morte de Nisman".

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— Trata-se, claramente, de uma ação opositora — enfatizou Heller.

Os organizadores esperam contar com a participação de mais de 400 mil pessoas, que partirão às 18h (19h do Rio) da Praça do Congresso e marcharão até a Praça de Maio, onde está a Promotoria Federal do caso AMIA, comandada por Nisman durante mais de dez anos. O promotor estava encarregado das investigações sobre o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), ocorrido em julho de 1994, que matou 85 pessoas. Em sua denúncia contra Cristina, o chanceler Héctor Timerman e outros dirigentes kirchneristas, Nisman acusava a chefe de Estado de ter sido a cabeça de uma "confabulação criminal" destinada a acobertar funcionários iranianos supostamente responsáveis pelo ataque à AMIA. Em troca, assegurou o promotor em sua denúncia, a Argentina venderia grãos e compraria petróleo iraniano.

Semana passada, o promotor Gerardo Pollicita, agora encarregado da denúncia apresentada por Nisman antes de morrer, decidiu indiciar a presidente e avançar com uma "investigação pertinente com o objetivo de verificar, com base nos elementos de convicção que sejam incorporados, a existência do fato e, consequentemente, se o mesmo pode ser penalmente imputado aos responsáveis".

A marcha desta quarta ocorrerá num clima de forte indignação mas, também, ceticismo no país. Para 55% dos argentinos, as acusações de Nisman são verdadeiras, apontou pesquisa realizada pela empresa de consultoria Management & Fit. A mesma pesquisa mostrou, também, que 70% dos entrevistados afirmaram que a morte do promotor nunca será esclarecida e o caso, assim como sua denúncia, terminarão impunes.

Atravessando uma de suas maiores crises políticas desde que o kirchnerismo chegou ao poder, em maio de 2003, Cristina, como de costume, tentou mostrar-se tranquila diante das críticas e denúncias judiciais. A presidente passou os primeiros dias de Carnaval na província de Santa Cruz, onde disse, em cadeia nacional, que "algumas pessoas se assombram por como aguento tudo".

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Domingo passado à noite, a chefe de Estado trocou o Sul pela residência presidencial de Chapadmalal, próxima ao balneário de Mar del Plata, a 400 quilômetros da capital, onde descansou com seus filhos, Máximo e Florencia, sua nora, Rocio, e seu pequeno neto, Néstor Iván. Nesta quarta-feira, Cristina participará de um grande ato político no município de Zárate, na província de Buenos Aires, onde espera-se que faça alguma referência à "marcha dos promotores".

Na terça, o jornal "Clarín" publicou uma entrevista com uma testemunha da inspeção policial realizada no apartamento de Nisman no dia de sua morte. A jovem, identificada como Natalia Fernández, de 26 anos, disse ter sido convocada pela polícia num procedimento de praxe. Segundo Natalia, durante a primeira inspeção ao apartamento do promotor, foram manipulados seus documentos e um de seus celulares e usados elementos de sua cozinha, como a cafeteira, entre outras irregularidades que a promotora Viviana Fein, encarregada do caso, considerou "descabeladas".