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Nesta segunda-feira (23), a Marcha para Salvar a Bolívia, iniciada na última terça (17) e que havia sido convocada pelo ex-presidente Evo Morales (2006-2019), chegou à capital, La Paz.
O líder cocaleiro tem os objetivos de pressionar pela habilitação da sua candidatura à presidência em 2025 e protestar contra a crise econômica sob o governo do seu ex-aliado e hoje desafeto, Luis Arce.
Ambos integram o partido Movimento ao Socialismo (MAS), rachado devido às ambições de ambos de serem o candidato da legenda na eleição do ano que vem.
O líder cocaleiro acusou seu afilhado político de corrupção e de se desviar dos preceitos socialistas do MAS. Em outubro de 2023, Arce foi expulso do partido no mesmo congresso da legenda em que Morales foi aclamado candidato à presidência.
Meses depois, o Tribunal Constitucional da Bolívia decretou a inelegibilidade de Morales, apontando que o ex-presidente não poderia mais se candidatar por já ter ocupado a presidência por dois mandatos.
Morales quer que o congresso em que foi indicado como candidato do MAS seja reconhecido, e os confrontos dos seus partidários com aliados de Arce durante a marcha já deixaram dezenas de feridos.
No domingo (22), quando o grupo se aproximava de La Paz, foram oito feridos. O policiamento foi reforçado na Praça Murillo, onde fica o Palácio do Governo, para a chegada dos adeptos de Morales nesta segunda-feira. Entretanto, estes afirmaram que não iriam ao local.
Profissionais de imprensa relataram agressões por parte dos participantes do protesto. Num desses casos, Irene Torrez, repórter de uma rede nacional de televisão, disse ao Observatório de Defensores dos Direitos Humanos da rede Unitas que foi espancada por sete apoiadores de Morales em Vila Vila, no departamento de Cochabamba.
“Eu lhes disse que sou jornalista e começaram a me empurrar, bater e tentaram roubar meu celular”, disse Torrez, em declarações reproduzidas pelo site Infobae. A jornalista afirmou que, após receber uma pancada nas costas que a fez cair de joelhos, os manifestantes a obrigaram a apagar as imagens que tinha gravado no celular.
Arce tem chamado a mobilização do grupo de Morales de tentativa de golpe de Estado, mas no domingo (22) pediu diálogo.
“Apesar de todo esse clima de confronto, o governo ratifica sua decisão de convocá-los [para conversar] no âmbito do respeito mútuo”, disse Arce no domingo, em uma mensagem transmitida em rede nacional de televisão.
Já em La Paz, Morales negou diálogo nesta segunda-feira. Segundo o jornal El Deber, o ex-presidente fez uma série de exigências a serem cumpridas por Arce em 24 horas (ou seja, até o início da noite de terça-feira), entre elas, demissão de ministros e devolução de sedes sindicais fechadas pela polícia.
“Essa marcha é para dizer, irmãos, basta de traição, chega de corrupção e proteção ao tráfico de drogas e chega de má gestão, e se Lucho [Arce] quiser continuar governando, em 24 horas, ele deve trocar os ministros traficantes, os ministros corruptos, os ministros preguiçosos, as ministras racistas e fascistas”, disse Morales em discurso a apoiadores, sem citar quem seriam esses ministros.
Movimentos que o apoiam deram o mesmo prazo para que o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) boliviano reverta a inelegibilidade do ex-presidente.
Autogolpe? Mobilização de junho na Bolívia segue sem explicações
As disputas entre os dois socialistas nos últimos dois anos geraram uma crise política cujo capítulo mais dramático ocorreu em junho. No dia 26 daquele mês, uma mobilização militar cercou a sede do Executivo boliviano em La Paz.
O general Juan José Zúñiga, ex-comandante geral das Forças Armadas da Bolívia, foi preso por liderar o movimento, mas depois disse que a mobilização na verdade teria sido idealizada por Arce para aumentar sua popularidade.
Oposicionistas e a ala ligada a Morales no MAS corroboraram a hipótese de autogolpe, num incidente que ainda não foi totalmente esclarecido.
Nessa briga entre ex-aliados, quem sofre é a população boliviana, afirmou o empresário Samuel Dória Medina, ex-ministro do Planejamento e ex-candidato à presidência, derrotado três vezes por Morales.
“Um ordena que os funcionários públicos saiam às ruas para defendê-lo. O outro ordena que os cocaleiros marchem para que possam habilitá-lo [politicamente]. Ambos usam as pessoas como simples objetos das suas ambições. Eles não se importam se [as pessoas] estão com frio, se estão alimentadas ou não, se estão feridas”, escreveu Doria Medina no X, segundo reportagem do El Deber.
“Os integrantes do MAS aproveitam as necessidades das pessoas para fazê-las agir contra a sua vontade. Eles são opressores dos seus próprios adeptos”, disparou.
Em entrevista à agência Associated Press, o analista e professor universitário Marcelo Silva apontou que, quase 19 anos após chegar ao poder (com uma breve interrupção entre 2019 e 2020, após a renúncia de Morales por indícios de fraude na sua reeleição), o grupo político que governa a Bolívia se encontra num impasse que pode ser decisivo para o seu fim.
“Esta parece uma crise terminal para o MAS, que já não tem proposta para o país e demonstra incapacidade de se renovar”, disse o especialista.