Em um lamento emocionado pouco após saber da morte de seu marido no massacre ocorrido em uma associação cívica na cidade de Bimghamton, nos Estados Unidos, a professora pernambucana Márcia Pereira Lins Alves responsabilizou a falta de controle de armamentos no país pelo incidente. "Um desequilibrado comete uma loucura dessa. Isso porque lá eles vendem armas abertamente. É muito difícil", disse, chorando.
O professor universitário Almir Olimpio Alves, de 43 anos, foi uma das 13 vítimas do vietnamita que abriu fogo dentro de um centro de ajuda a imigrantes, e depois de suicidou. O crime foi na sexta-feira (3), numa cidade do Estado de Nova Iorque.
"Ela está certa", disse, em entrevista ao portal G1, Chad Ramsey, diretor do grupo Brady Campaign, que atua no país contra a proliferação desenfreada de armas. "As leis que regulam as armas de fogo nos Estados Unidos são totalmente fracas. Não controlamos, deixamos que pessoas perigosas se armem e acabamos permitindo de 30 mil pessoas sejam mortas por armas de fogo todo os anos."
De fato, segundo uma reportagem publicada pelo jornal "USA Today", o vietnamita Jiverly A. Wong já era um cliente conhecido de uma loja de armas da cidade de Johnson, aonde ia regularmente comprar e trocar armamentos. Ele costumava comprar pistolas, usar por algum tempo e depois trocar por outra arma. "Atualmente, até mesmo quem está numa lista de suspeitos de terrorismo pode comprar uma arma legalmente e sem que haja nenhum empecilho. O vietnamita podia comprar quantas armas quisesse. Não há regulamentações que dificultem seu acesso a armas", disse Ramsey.
Wong "era um freguês fiel [da loja]. Todos o conheciam", contou um dos vendedores da loja. Segundo a polícia, menos de um mês antes do massacre, o vietnamita havia comprado uma nova pistola. No local em que Wong matou 13 pessoas antes de atirar contra si mesmo, a polícia encontrou duas pistolas semiautomáticas e uma bolsa cheia de munição.
Mercado em alta
A presença frequente do vietnamita numa loja de armas poderia passar totalmente despercebida neste início de ano. A mudança de governo nos Estados Unidos em meio a uma profunda crise econômica tem sido muito positiva para o mercado de armas. Representantes de grupos de defesa de armas de fogo e fabricantes têm chegado a ficar sem estoque, e muitos Estados do país estão sem munição para vender. Tudo em grande parte por medo que o novo governo altere as leis que regem o mercado de armamentos.
O Secretário de Justiça do novo presidente, Eric Holder, sugeriu que o presidente Barack Obama é a favor de restituir uma proibição à venda de algumas armas (a maioria de uso militar), seguindo algo proposto pelo governo de Bill Clinton.
"O aumento na procura por armas se dá por conta da retórica de instituições como a Associação Nacional do Rifle (NRA), que fazem campanhas acusando o presidente de ser contra a liberdade de comprar armas. Eles encorajam as pessoas a se armarem e a se colocarem contra o governo", disse Ramsey.
Estes tipos de armamento semiautomático ou de uso militar são os que tiveram maior alta nas vendas, segundo representantes do mercado ouvidos pelo "USA Today". Segundo lojistas, não há um perfil típico dos compradores, e até velhinhas têm ido às lojas em busca de armas e munição.
"Depois de uma eleição, quando se tem a mudança de partido para o lado mais liberal, acredito que os conservadores querem proteger o que acham que pode ser tirado deles, seja por novos impostos ou por uma proibição total", disse um gerente de distribuição de armas ouvido pelo jornal.
O diretor do grupo antiarmas admitiu que o novo governo pode ser mais favorável a um aumento nas regras para venda de armas. "Estamos mais otimistas com o governo Obama, o Departamento de Justiça do governo Bush tinha uma forte ligação com o NRA e foi contra qualquer forma de regulamentação da venda de armas. Com o novo governo, vemos uma maior defesa de leis que atuem contra a violência com armas de fogo."
Segundo ele, a prioridade é fazer com que o governo exija que haja uma análise do histórico da pessoa que quer comprar uma arma. Atualmente, isso não existe, e as armas são vendidas livremente. "Sabemos que vai ser difícil, pois o congresso é muito contrário a qualquer lei que dificulte e venda de armas no país. É preciso fazer mais, mas checar o passado já é um primeiro passo importante."
Série de massacres
O incidente que tirou a vida do professor pernambucano foi o mais grave de uma série de tiroteios ocorridos no último mês em diferentes regiões dos Estados Unidos. Foram pelo menos sete casos desde o início de março, totalizando cerca de 40 mortos.
Segundo Ramsey, é difícil apontar uma causa comum para tantos casos de violência no último mês. "Sem dúvida as décadas de venda livre de armas não ajudaram", disse. Para ele, entretanto, é preciso considerar que a crise econômica deixa as pessoas em situação mais crítica, o que sempre se traduz em aumento da violência. "Até que tenhamos uma regulamentação mais séria contra a proliferação de armas, continuaremos assistindo a massacres como o que ocorreu na última semana."
O portal G1 tentou entrevistar representantes de grupos de defesa da venda livre de armas nos Estados Unidos, como o NRA, mas não obteve resposta. Em entrevista concedida dois anos atrás, por ocasião do massacre na universidade Virginia Tech (o pior já registrado em uma instituição de ensino no país, quando morreram 32 pessoas), o diretor de relações públicas da associação Gun Owners of América, Erik Pratt, alegou que a presença de alguma outra pessoa armada na universidade teria evitado que tantas pessoas morressem, defendendo que o aumento no número de pessoas armadas diminuiria a violência.
Contra este argumento, Ramsey, disse que armar pessoas sem preparo só piora o risco de mortes. "No fim de semana vimos um tiroteio em que três policiais armados e bem-treinados foram alvejados por um único cara com uma AK-47. Ter mais pessoas armadas só iria piorar tudo."