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Um manifestante contra o governo faz um graffiti dizendo "Fora Daniel", referindo-se ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, durante uma marcha em Granada, em 25 de agosto de 2018 | INTI OCON/AFP
Um manifestante contra o governo faz um graffiti dizendo "Fora Daniel", referindo-se ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, durante uma marcha em Granada, em 25 de agosto de 2018| Foto: INTI OCON/AFP

"Estou com a mesma roupa com que fui capturada. Faz três dias que não durmo", diz Emilia Mello, 40. 

Presa no sábado (25) na Nicarágua, a documentarista brasileira foi deportada no dia seguinte, após 30 horas de detenção. Segundo o secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), Paulo Abrão, Emilia foi deportada para El Salvador, seguiu para a Cidade do México e na segunda-feira chegou a Nova York.

Recém-chegada de viagem, ela contou o que aconteceu à Folha, por telefone, na segunda à noite.

Nascida e criada nos EUA, Emilia é filha de brasileiros, tem dupla cidadania e mora há quatro anos no Brasil. Ela estava na Nicarágua gravando um documentário para uma produtora americana sobre o movimento de oposição ao ditador Daniel Ortega. Acompanhava um grupo de estudantes que se dirigia a uma manifestação na cidade de Granada.

Éramos 20. Fomos sem bandeira, sem nada. Estávamos em uma estradinha pequena quando fomos parados pela polícia. Vieram vários agentes das forças especiais e pegaram nossos telefones, meus equipamentos, pegaram tudo.

De ônibus, eles foram levados a uma espécie de quartel. Ela afirma que em nenhum momento foram informados do que eram acusados ou para onde estavam se dirigindo. "Chegamos a esse lugar cheio de policiais com metralhadoras", descreve. "Íamos sendo levados para tirarem fotos e pegarem nossos dados".

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Depois, o grupo foi transferido para o Chipote, uma prisão conhecida como lugar de tortura e morte de opositores de Ortega. Lá, foram interrogados e ela foi informada de que iria para a imigração.

O governo alegou que Emilia entrou com visto de turista, mas estava trabalhando e por isso foi deportada. "O visto era apropriado porque eu não estava trabalhando para o país, não ia receber nada de lá. E de qualquer forma eu estava ciente de que o governo não apoia esse tipo de cobertura", afirma.

Repressão

Depois disso, ela afirma que foi interrogada por cinco pessoas diferentes durante oito horas e que as imagens de sua câmera foram apagadas. Passou o dia todo sem comer e não teve acesso a advogado, conta.

"Pedi para entrar em contato com as embaixadas do Brasil e dos EUA, mas disseram que elas já tinham sido notificadas e não estavam interessadas no meu caso. Eu não sabia se alguém sabia onde eu estava. Era um jogo, me ameaçaram o tempo inteiro dizendo que ficaria presa na Nicarágua", afirma.

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Ela diz que o pior da experiência foi não saber o que seria feito com eles.

Eu sabia que, como estrangeira, a probabilidade de me matarem era menor, porque haveria repercussão internacional. Mas o fato de nos levarem de lugar em lugar sem explicação foi aterrorizante.

Conta também que, durante a prisão, uma das estudantes teve convulsões, mas não recebeu atendimento. "Ela estava muito mal, mas a polícia não reagiu. Após muita insistência, foi levada a um hospital".

Todos os estudantes foram liberados, mas ela acredita que poderia ser diferente se não houvesse uma estrangeira entre eles.

Emilia afirma que gostaria de terminar o documentário. "Não está certo restringirem a liberdade de expressão".

A Associação Nicaraguense de Cinematografia emitiu um comunicado sobre a deportação da brasileira, afirmando que o caso “estabelece um precedente muito perigoso para futuros cineastas que queiram tentar ingressar no país para documentar o que ocorre, contar ao mundo a história do que estamos vivendo e registrar qualquer violação aos direitos humanos”. A ANCI também qualificou a ação policial de “ilegal e injustificada”.

O que está acontecendo na Nicarágua?

No mesmo fim de semana em que Emilia foi presa, cerca de 50 estudantes também foram detidos pela polícia nacional, segundo o jornal La Prensa. A maioria foi liberada, mas, na cidade de León, seis ainda estão presos.

As manifestações começaram em 18 de abril, contra uma reforma da previdência, e acabaram se transformado em um pedido pela renúncia do ditador Daniel Ortega e de sua mulher e vice, Rosario Murillo. 

A repressão violenta aos protestos deixou pelo menos 317 mortos entre 18 de abril e 30 de julho, inclusive civis e menores de idade. Em 23 de julho, a estudante de medicina Raynéia Gabrielle Lima, 31, foi morta a tiros em Manágua

Nos últimos 11 anos, o ex-líder sandinista se consolidou no poder por meio de alterações na Constituição, da cassação de candidaturas, da expulsão de políticos de oposição do Congresso e de uma eleição questionada que lhe deu, em 2016, o terceiro mandato.

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