Em um dos mais importantes pontos de estrangulamento marítimo, por meio do qual passa grande parte do comércio asiático, uma empresa de energia chinesa está investindo em um porto de águas profundas, grande o suficiente para receber um porta-aviões. Outra companhia estatal chinesa vem reformando um ancoradouro ao longo da região ferozmente disputada do Mar da China Meridional.
Perto dali, uma rede ferroviária financiada principalmente por um banco do governo chinês está sendo construída para distribuir mercadorias chinesas ao longo de uma nova Rota da Seda. E um desenvolvedor chinês decidiu criar quatro ilhas artificiais, que podem abrigar cerca de 750 mil pessoas, e que estão sendo fortemente oferecidas para cidadãos chineses.
Cada um desses projetos – juntamente com muitos outros – vem sendo construído na Malásia, uma democracia do sudeste asiático que está no centro do esforço da China para obter influência global.
No entanto, a Malásia, que chegou a liderar o cortejado pacote de investimentos chineses, agora se colocou à frente de um novo fenômeno: uma resistência contra Pequim, em um momento em que as nações temem se tornar excessivamente endividadas com projetos que não são viáveis nem necessários – a não ser por seu valor estratégico para a China ou pelo apoio que podem dar a governantes fortes e amigáveis.
Em 21 de agosto, ao final de uma visita de cinco dias a Pequim, o novo líder da Malásia, Mahathir Mohamad, disse que estava suspendendo dois importantes projetos ligados à China, no valor de mais de US$22 bilhões, em meio a acusações de que o governo de seu antecessor havia feito acordos ruins com aquele país para resgatar um fundo de investimento estatal assolado por corrupção e financiar sua manutenção contínua no poder. Sua mensagem durante as reuniões com as autoridades e nos comentários públicos foi inequívoca.
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"Não queremos uma situação em que haja uma nova versão do colonialismo, porque os países pobres são incapazes de competir com os países ricos", disse Mahathir em 20 de agosto, no Grande Salão do Povo em Pequim, depois de se encontrar com o primeiro-ministro da China, Li Keqiang.
Por um tempo, pareceu que o manual padrão da China para ganhar favores estava funcionando na Malásia. Os chineses conseguiram cortejar o antecessor de Mahathir, Najib Razak, com empréstimos fáceis e projetos de vitrine, e garantiram negócios de valor estratégico para suas ambições.
Em maio, porém, o desastre se abateu sobre Pequim quando Najib foi retirado do cargo por um eleitorado cansado dos escândalos de corrupção que o rodeavam, alguns dos quais envolvendo os acordos de investimento mais importantes da China na Malásia.
Mahathir, de 93 anos, foi eleito para o cargo com um mandato que incluía tirar o país de sua dívida sufocante – cerca de US$250 bilhões, alguns dos quais devidos a empresas chinesas.
Por dentro dos investimentos chineses
Do Sri Lanka a Djibuti, de Mianmar a Montenegro, muitos beneficiários de dinheiro da enorme campanha de financiamento de infraestrutura da China, a Iniciativa Faixa e Estrada, descobriram que o investimento chinês vem acompanhado de detalhes não muito interessantes, como processos de licitação fechados que resultam em contratos inflacionados e influxos de mão de obra chinesa em detrimento dos trabalhadores locais.
Crescem os temores de que a China esteja usando seus gastos no exterior para ganhar pontos de apoio em alguns dos lugares mais estratégicos do planeta e talvez até deliberadamente para atrair nações vulneráveis para armadilhas de dívidas capazes de aumentar o domínio chinês, enquanto a influência dos Estados Unidos se desvanece no mundo em desenvolvimento.
Em sua ação em Pequim em 21 de agosto, Mahathir afirmou que estava suspendendo um contrato feito com a China Communications Construction Co. para construir o East Coast Rail Link, que teria custado ao governo cerca de US$20 bilhões, além de um acordo de US$2,5 bilhões com uma subsidiária de uma gigante de energia chinesa para a implantação de gasodutos. Ele já havia cancelado os projetos antes, o que levou alguns analistas a acreditar que queria renegociar os termos durante sua viagem à China. Em vez disso, Mahathir anunciou que, por enquanto, as negociações estavam paradas.
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"É tudo uma questão de emprestar muito dinheiro, que não temos como arcar e não podemos pagar porque não precisamos desses projetos na Malásia", afirmou Mahathir.
O novo ministro das finanças da Malásia, Lim Guan Eng, citou o exemplo do Sri Lanka, onde um porto de águas profundas construído por uma empresa estatal chinesa não conseguiu atrair muitos negócios. Por isso, o endividado país insular do sul da Ásia foi obrigado a entregar à China um arrendamento de 99 anos no porto e mais as terras em torno dele, o que deu a Pequim um posto avançado perto de uma de suas mais movimentadas rotas marítimas.
"A China sabe muito bem que, no passado, precisou lidar com tratados desiguais impostos por potências ocidentais", disse Mahathir, referindo-se às concessões que aquele país teve que fazer depois de sua derrota nas guerras do ópio. "Por isso, eles deveriam ser solidários conosco. Eles sabem que não podemos arcar com isso."
Questões políticas
A administração de Mahathir está no poder há pouco mais de 100 dias. Durante esse período, as autoridades malaias descobriram que bilhões de dólares em contratos chineses inflados foram usados para aliviar dívidas associadas a um fundo de investimento estatal da Malásia que está no centro do escândalo que levou à queda de Najib.
O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos acusou Najib, sua família e amigos de saquear bilhões de dólares desse fundo, o 1Malaysia Development Berhad, ou 1MDB. Quando o fundo endividado começou a vender ativos, dois gigantes estatais chineses, a China General Nuclear Power Corp. e a China Railway Engineering Corp., entraram em ação, provocando especulações de que Pequim estava feliz em manter o governo endividado de Najib no poder.
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Sentado à sua mesa durante uma entrevista depois da eleição, Mahathir apontou para um maço de papéis diante dele. Era uma proposta de uma empresa de construção da Malásia que, segundo ele, continha provas de que o East Coast Rail Link poderia ter sido desenvolvido por uma empresa malaia por menos da metade do contrato de US$ 13,4 bilhões feito com a China Communications Construction Co., empresa estatal chinesa com operações extensivas no exterior. O processo de licitação da ferrovia foi fechado.
Em meados de agosto, Lim, o ministro das Finanças, disse ao Parlamento que a Malásia não poderá cobrir os custos operacionais da ferrovia, muito menos os gastos de capital, que ele estima cheguem a quase US$20 bilhões, em vez dos US$13,4 bilhões previstos. "Parece que nem todo o dinheiro está sendo usado para construir a linha férrea", disse Mahathir sobre o acordo da East Coast Rail Link. "É provável que o dinheiro tenha sido roubado."
Porto estratégico
Apesar do papel do dinheiro chinês no resgate a administração endividada de Najib ter recebido maior atenção, outro megaprojeto chinês levanta ainda mais dúvidas sobre os objetivos geopolíticos de Pequim.
A cidade malaia de Malaca já foi um escoadouro para especiarias e tesouros que fluíam da Ásia para a Europa. O estreito nomeado em homenagem à cidade ainda é o canal pelo qual circula grande parte do comércio marítimo da Ásia – e a maior parte das importações de petróleo da China.
Mas o porto de Malaca foi devastado há séculos e agora é um remanso. Um projeto de reforma de US$10 bilhões – apoiado pela PowerChina International, uma grande empresa chinesa de serviços, e dois construtores de portos chineses – deve impulsionar Malaca de volta à importância global, como uma parada vital em uma rota marítima que se estende de Xangai a Roterdã, na Holanda.
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O plano para o projeto, chamado Melaka Gateway, inclui três ilhas artificiais e uma ilhota natural expandida, que abrigará um parque industrial, um terminal de cruzeiros, um parque temático, uma marina, um centro financeiro offshore e um hotel sete estrelas. E haverá um novo porto de águas profundas, com berços de atracação grandes o bastante para abrigar um porta-aviões. O operador portuário recebeu um contrato de arrendamento de 99 anos para o terminal de águas profundas, em vez do período de 30 anos, que é mais comum.
Pequim, no entanto, já financiou a construção de portos no Oceano Índico, em uma estratégia conhecida como cordão de pérolas. Especialistas militares levantaram a possibilidade de que esses portos acabem recebendo navios e submarinos de guerra chineses.
"É só olhar um mapa para ver os lugares onde a China está planejando portos e investimentos, de Mianmar ao Paquistão, do Sri Lanka em direção ao Djibuti", apontou Liew Chin Tong, vice-ministro da Defesa da Malásia. "Mas qual é o local crucial para essa rota? Nossa pequena Malásia e o Estreito de Malaca."