Uma disputa a respeito da construção da nova embaixada da China no Reino Unido tem azedado ainda mais as relações entre Pequim e Londres, desgastadas por tensões nos últimos tempos.
Tudo começou quando a China anunciou planos de construir uma nova representação diplomática no país europeu, em 2018. Para isso, comprou por cerca de US$ 311 milhões uma grande área perto da Torre de Londres, para construir uma embaixada que seria a maior do país na Europa e teria quase o dobro do tamanho da localizada em Washington.
Entretanto, em dezembro do ano passado, os vereadores do distrito de Tower Hamlets votaram, por unanimidade, para impedir a obra. Entre os motivos apontados para o veto, estavam preocupações com segurança, impactos na comunidade local e o significado histórico da região, já que abriga um cemitério de vítimas da Peste Negra e remanescentes do primeiro estaleiro da Marinha Real Britânica, do final do século XVI.
Questões de direitos humanos parecem ter influenciado na decisão, já que a região tem muitos moradores muçulmanos, religião dos uigures perseguidos por Pequim em Xinjiang. Vale lembrar que a China é conhecida por perseguir dissidentes em outros países, inclusive com ameaças a parentes que ainda moram em território chinês.
“Acho que a comunidade de Hong Kong e muitos outros – muçulmanos uigures, tibetanos e até nossa comunidade chinesa – ficaram felizes com o resultado [o veto]”, disse Simon Cheng, fundador de uma entidade representativa de expatriados de Hong Kong no Reino Unido e morador de Tower Hamlets, ao Guardian, após a votação em dezembro.
“Definitivamente, não queremos ver esse Estado autoritário com instalações melhoradas e impondo uma maior ameaça de segurança nacional à comunidade, que deveria ter democracia e liberdade [asseguradas]”, acrescentou.
Apesar do veto ter sido uma decisão dos vereadores locais, a China culpa o governo do Reino Unido pela decisão. Em entrevistas à Reuters, duas autoridades chinesas e três britânicas afirmaram na semana passada que a situação está gerando constrangimento e pode até afetar os planos de Londres de reconstruir sua embaixada em Pequim.
Os funcionários chineses disseram à agência de notícias que acreditam que o governo britânico foi o responsável por orquestrar a oposição ao projeto da nova embaixada chinesa. “É definitivamente [uma questão] política”, disse um deles.
Em 11 de agosto, vence o prazo para Pequim apelar da decisão do veto à embaixada. A Inspeção de Planejamento, órgão do governo britânico responsável pela análise de projetos de construção, pode remeter o assunto para o ministro da Habitação, Michael Gove, se considerar que o tema tem “relevância nacional”.
Posição ambígua
Uma resposta negativa de um subordinado direto seu poderia criar uma saia-justa para o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, que tem adotado uma postura ambígua sobre o gigante asiático.
Em pronunciamento em novembro, ele alegou que seu governo não poderia adotar uma “retórica simplista de Guerra Fria” e que era necessário manter diálogo com a China.
“Não podemos simplesmente ignorar a importância da China nos assuntos mundiais – para a estabilidade econômica global ou questões como as mudanças climáticas”, alegou.
“Os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, o Japão e muitos outros países também entendem isso. Assim, juntos, lidaremos com essa competição cada vez mais acirrada, inclusive com diplomacia e engajamento”, acrescentou.
Porém, em maio, na cúpula do G7 no Japão, Sunak elevou o tom e afirmou que a China “representa o maior desafio de nossa era para a segurança e prosperidade globais”. “Eles estão cada vez mais autoritários internamente e assertivos no exterior”, acusou o premiê.
Na semana passada, o Comitê de Inteligência e Segurança do Parlamento britânico divulgou um relatório devastador, que apontou que o governo do Reino Unido foi “lento” na resposta às ameaças de segurança que a China representa e que as consequências dessa “falha grave” serão sentidas pelo país “por muitos anos”.
“Apuramos que o nível de recursos dedicados a enfrentar a ameaça representada pela abordagem ‘whole of state’ [utilização de meios estatais de forma integrada e sincronizada] da China foi completamente inadequado, e a lentidão com a qual as estratégias e políticas são desenvolvidas e implementadas deixa muito a desejar”, destacou a comissão.
Em nota, Sunak negou que sua administração seja “complacente” com Pequim e disse que está tomando medidas para “reforçar consideravelmente a nossa posição sobre a China”. Resta saber quem o governo agradará na decisão sobre a nova embaixada chinesa – a poderosa ditadura de Pequim ou os vários críticos e vítimas dela que moram no Reino Unido.