São Paulo – Quando soube que não ia completar sua missão, Kanroku Yoshida voltou a ter fome. Yasofumi Inoue foi para casa e teve saudades do mar. Tokio Wakita chorou de tristeza e raiva. Kiyoshi Tokudome passou quatro dias recolhendo as vítimas da bomba de Nagasaki.

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Eles eram kamikazes. Cada um, à sua maneira, acabava de descobrir que não poderia mais se jogar contra um navio norte-americano para livrar o Japão da derrota iminente na Segunda Guerra Mundial. Depois de duas bombas atômicas, o imperador Hirohito havia anunciado a rendição do Japão.

Apesar do passado em comum, os quatro só se conheceram nos anos 60, no Brasil. Fazem parte de um grupo de 16 kamikazes que costumava se encontrar em São Paulo para comer, beber, cantar hinos militares, hastear a bandeira nacional e lembrar a guerra. Com o tempo, os encontros terminaram. Não se sabe quando foi o último. Cada um se lembra de uma data diferente.

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Da guerra, hoje, nem todos gostam de lembrar. Para Inoue, o mais sério, "esse assunto já chega". Yoshida, que trabalha no seu sítio em Jacareí, também não quer mexer no passado. Tokudome só fala se tiver um companheiro daquele tempo ao lado. E Wakita, de início resistente, certo dia ligou para a reportagem: "Quero colaborar".

Sonhos de um jovem

Wakita é risonho. Solta uma gargalhada até quando lembra dos duros treinamentos para ser kamikaze: "Eu tinha 15 anos. À noite, chorava (risos). Saudades de mãe. "Mamãe!’, eu gritava (gargalhadas)".

Suas mãos ganhavam bolhas e sangravam. Apanhava com tacos de beisebol – "doía tanto que parecia sair fogo dos olhos’’. Ainda assim, ele se lembra do período com nostalgia. Dos treinamentos ou da juventude? "Dos dois.’’

"Naquela época, entrar na Marinha ou no Exército significava, eventualmente, morrer. Por isso, mamãe me pediu para esperar até os 20 anos (quando o alistamento era obrigatório). Mas eu falei: "Não! Se esperar, guerra termina’. E eu fui.’’

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Wakita tomou o saquê frio de despedida e partiu. Levava uma espada e, amarrada ao corpo, a bandeira japonesa com palavras heróicas escritas. No trajeto até a estação, os moradores da cidade o acompanharam cantando hinos nacionais.

Quando veio ao Brasil, Wakita trouxe a bandeira. Repetindo o gesto de 62 anos atrás, ele a amarra ao corpo, orgulhoso.

O que ocorreu após o alistamento ele narra em crônicas de jornais da colônia japonesa. Foi por meio de uma delas que, em 1965, o grupo de 16 kamikazes se formou em São Paulo.

Após ler Sonhos de um Jovem, Minoru Makita, Osamu Harada e Ryuji Yoshioka o procuraram e colocaram um anúncio no jornal para tentar reunir outros kamikazes. Deu certo. Por anos, eles se reuniram, principalmente, no bar de Harada, o Yosakoi, na Rua dos Estudantes, na Liberdade.

Wakita diz que o bar fechou na década de 70. Mas eles continuaram se encontrando "onde tinha saqu꒒.

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Tokudome mostra orgulhoso a faixa usada pelos pilotos suicidas em que se lê, em ideogramas japoneses, a palavra "kamikaze". Não chegou a usá-la.

Salvar a pátria

Ele se alistou aos 15 anos. "Tinha que salvar a pátria, né?’’ Treinava em Nagasaki. Quando a bomba atômica foi jogada sobre a cidade, estava a 20 km do epicentro da explosão. Foi recolher corpos e destroços. "Salvação é outra coisa. Nós só fazíamos limpeza. Machucado, morto, íamos juntando tudo.’’

Tokudome não teve seqüelas da bomba. Tem direito a exames médicos anuais no Japão, mas só foi lá uma vez. "Não tinha nada, aí larguei, né? Até hoje estou desse jeito.’’

Quando Minoru Makita saiu de casa para se tornar um kamikaze, sua mãe não quis se despedir dele. "Ela estava na cozinha, ele falou: "Vou embora, mãe’. E ele não olhou para trás, ela também não.’’

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Quem conta é Carmen Ribeiro Makita, que o conheceu no Amazonas em 1953, recém-chegado do Japão. No ano seguinte, ao partir para o interior de São Paulo, ele lhe deixou um leque com a frase: "Eu voltarei para você um dia’’.

Apesar do apelido de "papagaio falador’’, ele ficou cinco anos sem dar um sinal de vida. Ela já havia perdido a esperança de que a promessa se cumprisse. "Eu estava deslumbrada. Nunca tinha visto um japonês.’’ Mas, um dia, ele voltou e a levou para São Paulo.

Na capital paulista, Makita ganhou influências ocidentais: virou cristão e fã de Frank Sinatra. Carmen se adaptou à cultura do marido. Mesmo assim, assustava-se quando ele batia na mesa e dizia que, se "a democracia ou o cristianismo’’ estivessem em risco, diria a George, o primogênito: "Morra!’’

O filho, hoje arquiteto, diz ter crescido pensando naquela frase. "Meu pai me ensinou a nunca descartar os ideais, assim como o ensinaram.’’ Ele conta que, quando o pai voltou da guerra, os avós acharam que ele tinha desertado. Makita disse: "Eu cumpri minha missão’’. Só então os avós o receberam: "Então pode entrar’’.

Nos anos 80, Makita abriu uma academia de caratê. "A idéia era combater a violência dentro de si’’, diz George.

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Em 2001, Makita morreu.

Dispersão

A morte de companheiros e a idade provocaram a dispersão do grupo. Sabe-se que, nos anos 70, Osamu Harada fechou seu bar e, alguns anos depois, voltou para o Japão.

Shohei Matsuzake, segundo seu filho, participou das reuniões até morrer, em 1997.

Ryuji Yoshioka também morreu. Sua filha não quer falar do passado. "Não acho que ele gostaria que mexessem nisso.’’

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Dos outros, nada se soube.